Migalhas de Peso

Licença parental obrigatória - Uma reflexão biológica sobre o tema

Devemos seguir na luta por igualdade de oportunidades, remuneração, respeito à diversidade. O futuro merece uma sociedade mais evoluída!

12/8/2019

Este ano celebramos dez anos de existência do Grupo Jurídico de Saias. Somos um bando de mulheres advogadas que descobriram o valor da sororidade e temos um projeto comum – auxiliar outras mulheres a realizarem seus sonhos, dividindo nossas experiências de vida profissional. 

No dia 2 de agosto nos encontramos num evento magnifico organizado pela Juliana Marques Kakimoto com a participação de Claudia Sender, Andrea Alvarez, Gloria Kalil e o professor Mario Sergio Cortella. Na palestra de Gloria Kalil ela lançou uma provocação – “Por que mulheres ainda ganham menos que homens?” ... O tema não é simples, mas um tópico que nos vem à cabeça instantaneamente é o dilema da maternidade e seu ônus para as jovens profissionais. Foi abordado um tema que apoio muito – o da licença parental, ao invés de simples licença maternidade. Explicando: muitas empresas enxergam a mulher como um colaborador mais custoso, pois ela engravida e usufrui de um período fora da empresa devidamente remunerado (4 ou 6 meses), enquanto o jovem pai se ausenta por apenas 5 dias. Com a concessão obrigatória de licença para ambos, a questão poderia ser melhor equalizada e o argumento “maternidade” poderia ter menor peso para torpedear a carreira feminina.

E então, e por que a licença parental é tão pouco debatida? 

Além da pouca representação feminina no poder legislativo, para responder essa pergunta cabe fazer uma analogia com mundo animal. Quando a mulher entrou no mercado de trabalho ela se transformou numa leoa. Numa alcateia, há uma divisão de atribuições. O leão demarca território e afugenta invasores e as leoas caçam e cuidam dos filhotes. O leão é perfeitamente capaz de caçar, mas ele é maior, caça sozinho, dispendendo muita energia por isso ele se poupa. As leoas caçam em grupo e portanto são mais eficientes. Curioso é que os leões às vezes se dispõem a caçar, mas eles em hipótese alguma cuidam dos filhotes. Parece que em alguns pontos imitamos esse comportamento leonino. A mulher sai para trabalhar, mas considera seu e somente seu o encargo de cuidar dos filhos. 

Por que um entrevistador nunca pergunta a um candidato homem: “ com quem você vai deixar seus filhos se tiver que viajar ?”... Simples. Ele sabe que será uma mulher: a mãe, a madrasta, a vó... O homem tipicamente não recebe a responsabilidade de cuidar da prole. Tal qual o leão ele só tem que sair para defender (metaforicamente e nesse caso financeiramente) o lar. 

A mulher em geral acha que ela está biologicamente programada e destinada a tais tarefas, e que ninguém pode fazê-las tão bem quanto ela. Isso me lembra um trecho da animação “As cegonhas” no qual a órfã Tulipa, uma jovem de 17 anos, ouve o choro do bebê que ela e uma cegonha (macho) estão carregando. Na cena ao ouvir o choro ela se transforma (em pensamento) numa mulher das cavernas, da idade média, era moderna e todas reagem da mesma maneira – acalentando o bebê. Essa é a crença. Fêmeas são assim. Essa crença se reflete nos mais diversos preconceitos. Uma mulher ao  se separar deixar a guarda para o pai é inaceitável, se  ela viaja a trabalho e não organiza outra para ajudar a cuidar é uma irresponsável, se ambiciona uma carreira profissional brilhante é insensível, se não adora amamentar não deveria ter parido, se não quiser ter filhos tem algo errado com ela. E assim as mulheres vão se sobrecarregando com jornadas duplas, com sentimento de culpa, vão dando motivo para os entrevistadores fazerem perguntas impertinentes e com essa conduta vão enterrando o projeto de licença parental obrigatória que tanto contribuiria para igualar homens e mulheres. Elas seguem sendo as leoas da vida corporativa. 

É claro que temos  exceções. Já há algumas poucas “mulheres pinguins”. Fazendo outra analogia: os pinguins dividem as tarefas com relação à procriação. Num primeiro momento os machos ficam em cima do ovo, certificando-se que ele esteja aquecido, enquanto a parceira vai ao mar buscar peixes. Quando ela chega eles se revezam e o macho tem sua oportunidade de ir pescar. As “mães pinguins” são minoria, mas temos que aprender com elas. Elas exigem cooperação, delegam trabalhos com relação aos filhos ainda que a sociedade não esteja pronta para isso. Precisamos incentivar essa nova abordagem da maternidade para que nas reuniões de pais e mestre não haja apenas mães, para que nos consultórios médicos haja mais pais, para que vejamos mais homens no supermercado, na porta dos colégios, na saída da natação ou do ballet.

A raça humana precisa se perpetuar, mas não às custas de condenarmos as mulheres à eterna inferioridade e injustiça. Devemos seguir na luta por igualdade de oportunidades, remuneração, respeito à diversidade. O futuro merece uma sociedade mais evoluída!

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*Alessandra Raffo Schneider é executiva jurídica e membro do Grupo Jurídico de Saias.


 

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