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A reforma tributária brasileira - PEC 45/19: O que muda? – Parte I

O assunto é extenso, complexo e para nós tributaristas, inquietante e, certamente demanda estudo detalhado, assim vamos destacar neste primeiro artigo as principais alterações que traz a PEC 45/19 e no segundo falar um pouco sobre legislação comparada.

9/8/2019

1. Introdução 

A reforma tributária tem sido há muito discutida em prol da desburocratização, da transparência e da simplificação da legislação tributária brasileira. 

Um dos grandes problemas da nossa complexa legislação tributária é a sua operacionalização, são tantos os tributos, alíquotas e bases de cálculo que o empresário ao aventar a possibilidade de investimento no país se assusta, quando não desiste da empreitada. 

Destarte, uma reforma que reduza ou acabe - o que nos parece mais difícil - com essa burocracia é indispensável. 

Entretanto há vários entraves à sua efetivação, a começar pelo Pacto Federativo pelo qual os estados e municípios gozam de certa autonomia na sua competência para tributar e no recebimento das receitas repartidas. 

O IBS – Imposto sobre Bens e Serviços sendo um tributo federal, impacta na sistemática do Pacto Federativo, ainda que, segundo os apoiadores da reforma, não tire a autonomia dos entes federativos ele centraliza com a União a criação de alíquotas de referência além do controle da arrecadação e distribuição do IBS,  tirando dos estados e municípios essa independência no que se refere ao ICMS e ao ISS. 

A PEC 45 ainda pretende ampliar o poder de tributar da União com a criação do inciso III, do art. 154 da CF, o que não seria necessário em vista da existência do inciso I do mesmo artigo, desde que seja por lei complementar, assim nos parece que o legislador quer tornar o processo legislativo mais ágil, dando à União a possibilidade de tributar por lei ordinária. 

O assunto é extenso, complexo e para nós tributaristas, inquietante e, certamente demanda estudo detalhado, assim vamos destacar neste primeiro artigo as principais alterações que traz a PEC 45/19 e no segundo falar um pouco sobre legislação comparada. 

2. Objetivos da reforma tributária da PEC 45/19 

A reforma tributária altera e cria artigos na Constituição Federal modificando, basicamente, os dispositivos que regulam os quatro tributos a serem extintos e substituídos pelo Imposto sobre bens e serviços – IBS: o imposto sobre produtos industrializados – IPI (competência federal), o imposto sobre  operações relativas à circulação de mercadoria e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS (competência estadual), o imposto sobre serviços de qualquer natureza (competência municipal), a contribuição para o financiamento da seguridade social – Cofins e a contribuição para o programa de integração social - PIS (ambos de competência federal). 

Segundo sua justificativa “O modelo busca simplificar radicalmente o sistema tributário brasileiro, sem no entanto, reduzir a autonomia dos Estados e Municípios, que manteriam o poder de gerir suas receitas através da alteração da alíquota do IBS.”

De fato, há muito se discute formas de simplificar e desburocratizar o sistema tributário brasileiro e beneficiar o contribuinte, especialmente as empresas que despendem valores consideráveis com sistemas de tecnologia e profissionais afim de atender suas obrigações fiscais e acessórias, conforme comenta Ives Gandra2

Não sem razão, em levantamento de alguns anos atrás, o Banco Mundial e a Coopers, analisando o número de horas que, em média, o empresariado de cada um de 175 países pesquisados dedicava ao cumprimento de suas obrigações tributárias por ano, verificou que o Brasil, de longe, era aquele que mais exigências burocráticas impunha, com uma média de 2.600 horas anuais contra aproximadamente 100 na Alemanha, pouco mais de 300 nos Estados Unidos e uma média pouco superior a 500 na América Latina. 

Como se depreende do texto, essas horas gastas para o cumprimento das obrigações tributárias incidem diretamente nos custos de produção diminuindo nossa competitividade, prejudicando o desenvolvimento e o crescimento da atividade econômica e impactando diretamente o consumidor que é quem, no final, paga pelos custos da atividade econômica. 

Outro aspecto abordado pela PEC 45 é a fragmentação da base de incidência uma vez que o modelo adotado no Brasil tem uma multiplicidade de impostos sobre a produção e o consumo de bens e serviços, assim um dos objetivos do IBS seria unificar essa base de incidência já que não haveria diferenciação por categorias de produtos nem por sua essencialidade. 

A guerra fiscal do ICMS, apesar da EC 87/15 que estabeleceu o recolhimento da diferença de alíquota estadual e a alíquota interna em favor do estado de destino (DIFAL) até integralizar 100% desta para o estado de destino em 2019,  também foi considerada para a extinção do ICMS, e o que acontece com o ISS nas operações intermunicipais onde os municípios valem-se de alíquotas menores para atrair investimentos, assim o IBS pretende privilegiar o destino em todas as operações, acabando de uma vez por todas com a guerra fiscal entre os entes da federação. 

A proposta traz ainda, como justificativa para a reforma tributária, “a profusão de alíquotas e a absurda quantidade de exceções, benefícios fiscais e regimes especiais que caracterizam o PIS, a COFINS, o IPI, o ICMS e o ISS”3, sugerindo alíquotas mais uniformes e a impossibilidade de exceções, isenções ou benefícios fiscais a qualquer setor. 

No que tange às exceções e aos benefícios fiscais, de fato é preciso fazer cessar os interesses corporativistas que buscam e acessam, de forma não isonômica, tais exceções e benefícios por meio de incentivos, isenções ou exceções fiscais, porém há segmentos e regiões do país que precisam de tratamento diferenciado até mesmo para fazer valer o princípio da isonomia e para que possamos desenvolver todas as regiões do país e não simplesmente atrair investimentos para os polos já desenvolvidos. 

3. O que muda com a reforma tributária. 

A PEC/45 de 2019 traz mudanças profundas e por isso não pretendemos exaurir todas elas em um único artigo mas apenas comentar aqui, seus aspectos mais relevantes. 

A alíquota do IBS aplicável a cada operação será formada pela soma das alíquotas fixadas pela União, pelos estados ou distrito federal e pelos municípios e na ausência de disposição específica na lei federal, estadual, distrital ou municipal, a alíquota do imposto será aquela fixada pelo Senado Federal com base em estudo técnico elaborado pelo Tribunal de Contas da União. 

A PEC 45/19 propõe a criação do Comitê Gestor Nacional do IBS, por meio de lei complementar e composto por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para editar o regulamento do imposto e gerir a arrecadação centralizada do imposto entre outras atribuições. 

Logo, temos aqui uma prevalência da União sobre os demais entes federativos quando estes não se manifestarem, o que nos leva a um questionamento sobre o Pacto Federativo. 

3.1. Pacto Federativo – caráter nacional centralizado pela União 

A centralização do IBS pela união é ponto nefrálgico da proposta porque atinge diretamente o pacto federativo e na opinião de muitos é inconstitucional uma vez que tira dos estados, distrito federal e dos municípios sua autonomia para tributar pois competirá à União estabelecer alíquotas de referência, as quais os estados e municípios poderão igualar ou majorar suas alíquotas singulares por lei ordinária mas não poderão reduzir a alíquota federal, por outro lado, há o entendimento pela constitucionalidade da PEC pois esta manteria a autonomia dos entes federativos já que estes continuariam com tal prerrogativa.   

3.2. Cobrança predominantemente no destino 

Isso significa tributar onde efetivamente se dá a posse da coisa, tenha sido a operação realizada por meios físicos ou virtuais a tributação é feita onde se deu a efetiva posse do bem ou a prestação do serviço independentemente da localização do fornecedor.  

3.3. Unificação e amplificação da base de cálculo 

 A base de cálculo do tributo será a operação de venda ou a prestação do serviço e aqui não há a possibilidade de diferenciação de alíquotas em razão da seletividade ou outra característica do produto ou do serviço, assim a sua unificação e o fim das categorias de produtos / serviços. 

O IBS incidirá também sobre bens intangíveis como marcas, patentes, direitos autorais e a locação de bens, o que, de fato, amplia sua base de cálculo. 

3.4. Não cumulatividade e Cobrança em todas as etapas de produção e comercialização 

Aqui objetiva-se a compensação do imposto devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores pretendendo-se evitar o acúmulo de créditos tributários. 

3.5. Não oneração das exportações e investimento em bens de capital 

As exportações assim como os investimentos em bens de capital que serão isentos, entretanto o IBS incidirá sobre qualquer operação de importação de bens tangíveis ou intangíveis, serviços e direitos. 

3.6. Criação do Imposto Seletivo Federal 

Como citado anteriormente, pretende-se ampliar a competência residual da União permitindo que esta crie, ao que parece por lei ordinária, impostos seletivos, com finalidade extrafiscal destinados à seguridade social, financiamento do programa do seguro-desemprego e programas de desenvolvimento econômico, incluindo o financiamento do setor produtivo das regiões norte, nordeste e centro-oeste, ao fundo de participação dos estados e municípios, à saúde e ao ensino. 

Tal prerrogativa nos preocupa porque amplia a capacidade tributária da União sem qualquer contrapartida aos estados, distrito federal e municípios. 

3.7. Criação do Comitê Gestor Nacional do IBS 

A principal atribuição do Comitê Gestor Nacional, formado por representantes da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, é a regulamentação, gestão e arrecadação centralizada e distribuição das receitas do IBS reforçando o seu caráter nacional. 

O Comitê também responderá pelo fiscos federal, estadual e municipal atuando também na representação judicial e extrajucial nas questões relativas ao imposto. 

4. Considerações finais 

É importante salientar que a PEC 45/19 traz um período de 10 anos para transição sem a diminuição da carga tributária, haverá apenas a sua realocação e caberá ao Comitê Gestor Nacional a regulamentação e operacionalização do IBS, inclusive na esfera judicial. 

Então, ao que parece não teremos a diminuição da carga tributária, pelo menos não da parte da União que além de criar as alíquotas de referência terá alargada sua competência para criar impostos seletivos. 

Por outro lado estados, distrito federal e municípios deverão criar suas alíquotas singulares para atenderem seus orçamentos e dificilmente optarão por alíquotas zero, o que pode acabar em um aumento de tributos. 

No "Movimento Bem Eficiente", fundado por Carlos Schneider, Paulo Rabello de Castro e Ives Gandra, foi proposto um modelo que não trazia uma queda imediata da arrecadação mas, segundo os criadores, facilitaria a redução da carga tributária até que esta chegasse a 30% do PIB, na mesma linha a justificativa da PEC 45/19 é que esta simplificação trará um aumento da produtividade e do PIB, só não sabemos de quanto. 

É com esse aumento da produtividade e do PIB que o legislador conta para convencer estados, distrito federal e municípios pois a PEC traz um período de transição para a distribuição da receita do IBS ainda maior, 50 anos, sendo que nos primeiros 20 anos o valor da receita anual do ICMS e ISS seria mantido na origem com a correção pela inflação e apenas o crescimento real da receita do IBS ficaria com o estado ou município de destino, sendo progressivamente reduzida até alcançar 100% ao final de 50 anos, algo que nos faz lembrar a EC 87/15 e o velho dito popular de “contar com os ovos na barriga da galinha”. 

A proposta de reforma apresentada busca simplificar o sistema tributário, reduzir a rigidez orçamentária, eliminar a guerra fiscal e trazer uma maior transparência do sistema tributário ao mesmo tempo que espera que dela resulte uma melhoria do ambiente de negócios e um crescimento econômico do país que se traduziriam em um aumento da receita. 

Sem dúvida não se trata de tarefa fácil, assim como há outros fatores que influenciam o desenvolvimento e a economia do país, todavia entendemos que a PEC/45 precisa ser muito mais discutida porque não há remédio indolor e ela não pode ser vista como uma panaceia para todos os nossos males mas pode ser um começo. 

Continuaremos a discorrer sobre esse tema tão importante em nossos próximos artigos pois o debate e aprofundamento do tema é imprescindível. 

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1 PEC 45/19. Disponível aquiAcesso em: 20 maio 2019. 

2 GANDRA, Ives. O sistema tributário brasileiro: uma análise crítica. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2016, v.969, p. 175 – 190, jun. 2016.

3 PEC 45/19. Disponível aquiAcesso em: 20 maio 2019. 

___________

*Lilian Pinheiro é advogada, empresária e membro da Comissão de Inovação e Empreendedorismo. 

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