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Suspensão de parcerias na saúde representa insegurança jurídica

Se espera que a situação seja rapidamente restabelecida pelo Ministério, reafirmando-se as bases de confiança e parceria das PDPs, bem como a política pública adotada por meio de lei e os parâmetros básicos de uma ação estatal responsável, que considere os efeitos práticos de suas decisões.

2/8/2019

A suspensão de diversas Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) pelo Ministério da Saúde foi objeto de notícia nas últimas semanas. A decisão de suspender a produção e o fornecimento de 19 medicamentos ao SUS por meio destas parcerias parece ter motivações diversas, que vão desde recomendações do Tribunal de Contas da União, da Controladoria Geral da União ou de decisões judiciais, até meras irregularidades formais.

A intenção noticiada é a de "separar o joio do trigo": identificar, concretamente, aquelas parcerias que ainda reúnem condições jurídicas e práticas de progredir, e aquelas que mereceriam ser descontinuadas, pela gravidade dos problemas identificados. Contudo, se o que se pretendeu era realizar um freio de arrumação, poderiam ter sido utilizado mecanismos mais eficientes para alcançar essa finalidade.

A suspensão das PDPs coloca as parcerias em um limbo jurídico de incerteza que poderia ter sido evitado se o tal "freio de arrumação" fosse promovido sem tal suspensão.

Primeiro, ela desrespeita as próprias regras estabelecidas pela regulamentação (art. 64 da portaria 2.531/14) para a suspensão técnica dessas parcerias, o que traz insegurança jurídica inclusive quanto à validade da suspensão.

Além disso, tendo sido feita de maneira abrupta e sem qualquer diálogo com o setor e com os próprios laboratórios públicos, ela contraria a lógica de confiança e estabilidade que pressupõe esse tipo de parceria e, por isso, tende a ter efeitos duradouros, mesmo que a parceria venha a ser retomada.

Finalmente, ela parece ter desconsiderado a própria lógica das parcerias para desenvolvimento produtivo. Esqueceu-se de seu caráter colaborativo (baseado em confiança) e experimental (que pressupõe elasticidade nos cronogramas e adaptação dos fins perseguidos conforme os resultados científicos).

Do ponto de vista do mérito, a medida enfraquece a indústria farmacêutica nacional, especialmente a produção dos laboratórios públicos e contraria uma política pública de internalização de tecnologia farmacêutica, vigente e inscrita no ordenamento jurídico brasileiro.

Do ponto de vista prático, desconsidera os importantes investimentos públicos e privados que já foram realizados para viabilizar as parcerias, que incluem a construção ou adaptação de plantas de fabricação e que podem chegar a dezenas de milhões de reais.

O maior inconveniente da medida de suspensão não é, portanto, a ameaça de descontinuidade no fornecimento dos medicamentos. É o risco de inviabilizar deste tipo de parceria por gerar desconfiança quanto à sua estabilidade e continuidade. É por isto que se espera que a situação seja rapidamente restabelecida pelo Ministério, reafirmando-se as bases de confiança e parceria das PDPs, bem como a política pública adotada por meio de lei e os parâmetros básicos de uma ação estatal responsável, que considere os efeitos práticos de suas decisões.

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*Tatiana Matiello Cymbalista é advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

 

 

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