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Sanção política no contencioso tributário: conceito e efeitos desta prática nociva

Os órgãos fazendários detêm diversos mecanismos formais para realizar a cobrança de seus créditos (medida cautelar fiscal e a famosa execução fiscal), de modo que a cobrança por meios que fulminam os direitos fundamentais do contribuinte, representados por sanção política, não deve ser tolerada no Estado Democrático de Direito, uma vez que é medida autoritária, ilegal e inconstitucional.

25/7/2019

No cotidiano do contencioso tributário, verifica-se que as empresas vêm sofrendo constantemente com ações temerárias efetivadas pelas Fazendas Públicas. Isto porque, a grave situação econômica enfrentada pelos Entes Públicos e a necessidade urgente de capitação de recursos com vias ao cumprimento das metas orçamentárias tem levado à prática reiterada de cobranças nocivas, sendo estas caracterizadas pela doutrina e jurisprudência (em especial pelo STF) como sanções políticas.

Nesses termos, são consideradas como sanções políticas as normas ou atos enviesados a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento de crédito tributário, sendo evidentemente rechaçados tanto pelo sistema jurídico pátrio como pelo Poder Judiciário, a teor do consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 173/DF:

Constitucional. Direito fundamental de acesso ao judiciário. Direito de petição. Tributário e política fiscal. Regularidade fiscal. Normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários. Caracterização específica como sanção política. Ação conhecida quanto à lei federal 7.711/88, art. 1º, i, iii e iv, par.1º a 3º, e art. 2º. [...]

2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao poder judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. [...]

A este teor, é comum a tentativa de cobrança de tributo por meios indiretos (sanção política), isto é, ao invés de ajuizar Ação de Execução Fiscal competente, as Fazendas Públicas buscam coagir o contribuinte a adimplir o crédito tributário através de ações adversas, a exemplo da apreensão de mercadoria até o pagamento do tributo1; do impedimento de expedição de alvará de funcionamento, até a comprovação de regularidade com o Fisco2; ou até mesmo da interdição do estabelecimento como meio coercitivo para o pagamento do crédito3.

Insta salientar que esses atos praticados pelo Fisco são por vezes fundamentados em leis ilegais e/ou inconstitucionais (que ainda não foram analisadas judicialmente em sentido estrito) ou até mesmo em regulamentos administrativos que promovem as atribuições sob o fundamento do exercício do poder de polícia e da supremacia do interesse público sobe o interesse privado.

Dito isto, a incompatibilidade dos atos eivados de sanção política circundam nos princípios fundamentais da proporcionalidade, da razoabilidade e responsabilidade (contidos nos artigos 5º, LIV e LV; 37, caput, da CF) – sendo todos estes direitos fundamentais constitucionais inerentes ao contribuinte, podendo inclusive serem classificados como cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV, da CF) –, bem como no impedimento do pleno e legal exercício de atividades econômicas (art. 170 da CF). Vislumbra-se ser exatamente este o posicionamento esposado pelo STF no julgamento da ADI 173/DF:

Esta corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. Ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do executivo ou do judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

Assim, verifica-se não serem poucos nem irrisórios os prejuízos ocasionados aos contribuintes/empresas em virtude de atos de sanção política, podendo variar do simples perdimento de mercadorias perecíveis (nas hipóteses de apreensão de mercadorias em postos fiscais), até a inviabilização total do desempenho da atividade econômico-empresarial (nos casos impedimento de expedição de alvará de funcionamento, até a comprovação de regularidade com o Fisco), sendo inadmissíveis tais posturas praticadas pelos Entes Federativos diante do texto normativo constitucional, como bem explicitou o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Melo (voto proferido na ADIn 173/DF):

Agora, preocupa-me muito a evolução na jurisprudência, quanto à coação política para receber-se impostos, logo sob a égide de uma Constituição democrática, como a de 1988. Não há como contemporizar, não há como permitir que o Estado exercite essa coação e apenas abrindo margem ao afastamento desse mecanismo com o ajuizamento de ação individual pelo cidadão.

Creio que temos três verbetes relevando uma vetusta jurisprudência. Qualquer ato que implique forçar o cidadão a recolhimento de imposto é inconstitucional. E não vejo, nem na cláusula do artigo 37, quanto à licitação, na remessa à lei, a possibilidade de contrariar-se esse princípio, que é implícito na Constituição de 1988, ou seja, o vedador do exercício de coação política, e não a execução do que devido, para ter-se o recolhimento do tributo. Existem, repito, três verbetes, como se ressaltou da tribuna, que tornam estreme de dúvidas essa jurisprudência. Refiro-me aos verbetes 70, 323 e 547. Nesse campo da coação política, para fazer-se caixa, não há como tergiversar, não há como mitigar o princípio vedador da assunção, pelo Estado, de postura que acabe, na via indireta, levando o contribuinte ao recolhimento do tributo.

Isto posto, conforme anteriormente citado, os órgãos fazendários detêm diversos mecanismos formais para realizar a cobrança de seus créditos (medida cautelar fiscal e a famosa execução fiscal), de modo que a cobrança por meios que fulminam os direitos fundamentais do contribuinte, representados por sanção política, não deve ser tolerada no Estado Democrático de Direito, uma vez que é medida autoritária, ilegal e inconstitucional, nos termos acima citados, inclusive porque tem o poder de atingir de forma nefasta os contribuintes, principalmente aqueles que desempenham atividades comercias regulares.

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1 Súmula 323 do STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

2 Mandado de Segurança 0001077-73.2016.8.05.0000, Seção Cível, Rel. Des. Gesivaldo Britto, julgamento em 24/8/17. TJBA.

3 Súmula 70 do STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

 

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*Igor Bastos de Almeida Dias é advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

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