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25 anos do Estatuto da Advocacia e a OAB: Breve análise histórica e atualizada e a sua ausência parcial de efetividade

A OAB exige das autoridades e instituições o devido respeito ao Estatuto da Advocacia, sobretudo às prerrogativas dos advogados; todavia, os fatos e os dados de todos conhecidos demonstram que a OAB muito negligencia quanto à defesa e prevenção das prerrogativa

10/7/2019

1. Breve histórico sobre a legislação da advocacia e o surgimento da lei federal  8.906 de 4 julho de 1994

De forma sintetizada, podemos afirmar que a advocacia nacional, inicialmente, foi também regida pelas “Ordenações Filipinas” (Livro I, Título XLVIII), assim como era em Portugal, ou seja, por ser o Brasil, à época, politicamente dependente do Estado Português – sem soberania para nada – aplicavam-se aqui as normas jurídicas que lá vigiam. Daí porque àquelas regras estabelecidas para os advogados portugueses valiam para os advogados brasileiros.

Com a criação dos dois primeiros cursos jurídicos no país (nas cidades de São Paulo e Olinda), pela lei de 11 de agosto de 1827, viu-se a necessidade de se criar um órgão de classe (a Ordem dos Advogados) para organizar e fiscalizar os bacharéis aqui formados. E isso somente veio a acontecer em 7 de agosto de 1843, quando o Imperado Dom Pedro II, mediante portaria ou aviso, aprovou o Estatuto do Instituto dos Advogados Brasileiros, criando, assim, o primeiro órgão de classe pátrio dos advogados. Vale ressaltar, contudo, que nesse mesmo documento legal havia um dispositivo, o artigo 2º, que incumbia aquele Instituto dos Advogados organizar a “Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência e da jurisprudência”.1

Somente no “Estado Novo”, mais especificamente com a edição do decreto 19.408 de 18 de novembro de 1930 (artigo 17),2 por determinação do então ministro da Justiça Osvaldo Aranha, é que surge a denominação “Ordem dos Advogados Brasileiros”, distinta do “Instituto dos Advogados Brasileiros”. Essa questão denominativa, pouco tempo depois, foi solucionada pelo decreto 20.784, de 14 de dezembro de 1931, de 109 artigos,3 o qual aprovou o regulamento da “Ordem dos Advogados do Brasil” – oab, consolidando-a com tal denominação. Criada esta instituição representativa dos advogados, tornou-se ela o órgão de seleção, de defesa e disciplina dessa classe em toda república (artigo 1º), bem como tornou obrigatório à inscrição de todos os bacharéis em seus quadros (artigo 12).

No entanto, é a lei federal 4.215 de 27 de abril de 1963, com 158 artigos,4 que finalmente confere contornos jurídicos estruturais mais benéficos e mais amplos à Ordem dos Advogados do Brasil. Chama atenção, nessa singela evolução histórico-normativa o fato político de que essa primeira norma federal (decreto federal  20.784/31), que criou e regulamentou a OAB, tenha sido editada justamente em um governo provisório, comandado por Getúlio Vargas.5

Promulgada a Constituição Federal em vigor, em 5 de outubro de 1988, alcança a advocacia, pela primeira vez, o status constitucional,  passando a figurar no Título IV (“Da Organização dos Poderes”), Capítulo IV (“Das Funções Essenciais à Justiça), Seção III (“Da Advocacia e da Defensoria Pública”), da lei maior, artigo 133,6 tendo com isso o legislador constituinte reconhecido a importância da instituição e todos os seus méritos.

Constitucionalizada a advocacia, o advogado e a OAB, a próxima batalha a ser travada, novamente no campo legislativo, seria a produção de uma lei que cumprisse o mandamento do artigo 133 da CF, isto é, a parte final deste dispositivo constitucional que diz: “nos termos da lei”. E com o atraso de quase quatro anos, sobretudo em razão dos conhecidos e conturbados problemas políticos e econômicos daquele período,7 somente em 22 de junho de 1992 que o insigne Deputado Federal Ulysses Guimarães apresentou o então Projeto de lei 2.938/92, com a seguinte ementa, assim mantida no texto final: “Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados Brasil”.8

Quase seis anos depois, por expresso mandamento do artigo 133 da CF e em substituição ao anterior estatuto da OAB (lei 4.215/63), surge a lei federal  8.906 de 4 de julho de 1994, com 87 artigos – denominada “Estatuto da Advocacia”, com vigência em 5/7/94 –, dispondo de forma muito mais técnica atualizada e ampla sobre as questões jurídico-estruturais da advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Esse novel estatuto também cuidou de distinguir mais, detalhadamente, as regras para o exercício da advocacia da atividade institucional e política da OAB.  

A advocacia pública, por seu turno, também foi recepcionada pela norma constitucional (cf, artigos 131 e 132), além das previsões nas Constituições estaduais e leis orgânicas municipais, sendo regulamentada no âmbito da União pela lei complementar 73/93.

Após essa singela digressão sobre a advocacia, podemos dizer que ela nasceu da necessidade humanística, legal e moral de defender as pessoas e os seus bens contra o abuso e o arbítrio, dedicando seu tempo e conhecimento a servir a verdade, o direito e à justiça.Certamente, também por esse substancioso passado de lutas travadas em distintas trincheiras, de histórias marcantes e memoráveis pelo mundo, aliado ao permanente compromisso social e estatal, é que se reconhece a sua indispensabilidade.

2. O nascimento do Estatuto da Advocacia no período de gravíssima crise econômica

Durante a tramitação do citado projeto de lei  2.938/92, até ser convertido na lei 8.906/94, o Brasil suportava uma gravíssima crise econômica e política. Era, sem dúvida, um país muito desacreditado pela comunidade internacional e de poucas esperanças e oportunidades para os seus cidadãos, em que pese à vigência da “Constituição Cidadão”.

O primeiro semestre de 1994, período de tramitação final e sanção do projeto de lei do estatuto da advocacia, foi o divisor de águas para o futuro do Brasil e da advocacia. Já em 27 de fevereiro desse ano o presidente da República, Itamar Franco, edita a MP 424/94, que, após sucessivas reedições, é convertida na lei federal 8.880 de 27/5/94 pelo Congresso Nacional, dispondo sobre “o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional, institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providências”.

Importante destacar, no entanto, que o artigo 3.º, § 1.º, dessa mencionada lei federal dispunha que a “primeira emissão do Real ocorrerá em 1.º de julho de 1994”. E o estatuto da advocacia foi sancionado três dias depois. Seriam esses fatos meras coincidências ou foi o acaso?

Sob a nossa ótica, não foi o acaso que fez surgir, quase que no mesmo período, as leis federais 8.800 de 27/5/94 e 8.906 de 4/7/94, pois, como se sabe, “o acaso” não existe e jamais poderá existir nos universos da Economia, da ciência política e do direito. Nessas áreas das ciências humanas tudo é calculado, mensurado e com cenários de previsões. Se “Deus não joga dados”, segundo o físico Albert Einstein, de igual forma os governantes. Certamente um novo estatuto da advocacia, naquele momento, também era indispensável para o Brasil.

É, portanto, nesse cenário econômico, agora de muitas esperanças, e de um ponto de partida legal que faz nascer, desenvolver e fortalecer o salvador “Plano Real” (então vital para Brasil),10 que se da às profundas discussões acerca do sobredito projeto de lei da advocacia e o seu sancionamento.

3. das ações diretas de inconstitucionalidades promovidas pela Procuradoria Geral da República, Associação dos Magistrados Brasileiros e confederação Nacional da Indústria contra dispositivos do estatuto da advocacia vigente

Logo que entrou em vigor (dia 5/7/94), a lei federal  8.906/94 teve parte do seu texto juridicamente questionado tanto pela Procuradoria Geral da República – PGR como pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, as quais promoveram duas Ações Direita de Inconstitucionalidade – ADIns (números  1.105-DF e 1127- DF), propostas em 2 de agosto11 e em 6 de setembro de 1994,12 respectivamente.

Nas referidas ações constitucionais ambas as instituições autoras também promoveram medidas cautelares com pedido de liminar para suspender, até decisão final, a eficácia de alguns dispositivos do estatuto da advocacia tidos como inconstitucionais, o que foi acolhido pelo plenário do STF em 3 de agosto e 6 de outubro de 1994; ao passo que o julgamento de mérito de tais ações somente ocorreu em 17 de maio de 2006, ou seja, quase doze anos depois e dispõe as seguintes ementas:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 7º, IX, DA LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. SUSTENTAÇÃO ORAL PELO ADVOGADO APÓS O VOTO DO RELATOR. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. I - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. II - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, IX, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. (STF – ADI 1105, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2006, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC 04-06-2010 EMENT VOL-02404-01 PP-00011 RDECTRAB v. 17, n. 191, 2010, p. 273-289 RDDP n. 89, 2010, p. 172-180)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO “JUIZADOS ESPECIAIS”, EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

I – O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais.

II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público.

III – A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional.

IV – A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma.

V – A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público.

VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado.

VII – A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes.

VIII – A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional.

IX – O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável.

X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense.

XI – A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição.

XII – A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo.

XIII – Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (STF - ADI 1127, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2006)

Após decisão definitiva do plenário do STF sobre as aludidas ADIns, julgando procedente e parcialmente procedente os pedidos formulados, a lei federal 8.906/94 sofreu significativa redução em sua eficácia normativa com a exclusão de alguns pontos e expressões (com redução de texto) inovadores e substanciais para o exercício da advocacia. Dessa forma, passamos a especificar as questões tratadas naquelas duas ações constitucionais:

(i) a expressão “qualquer", do inciso I, do artigo 1.º, foi julgada inconstitucional, não sendo mais atividade privativa da advocacia “postular em qualquer órgão do Poder Judiciário, especialmente nos juizados especiais”.

(ii)   a expressão “assim reconhecida pela OAB”, do inciso V, do artigo 7.º, também foi julgada inconstitucional, o que flexibilizou a obrigatoriedade de o advogado, preso provisoriamente, ser recolhido em estabelecimento prisional (Sala de Estado Maior) apenas com condições dignas.

 (iii) o texto integral do inciso IX, do artigo 7.º, foi julgado inconstitucional.

 (iv) a expressão “ou desacato”,13 do parágrafo 2.º, do artigo 7.º, de igual forma, foi julgada inconstitucional.

 (v) a expressão “e controle”, do parágrafo 4.º, do artigo 7.º, da mesma forma, foi julgada inconstitucional.

 (vi) a exclusão dos juízes eleitorais e seus suplentes da incompatibilidade do exercício d advocacia prevista no inciso II, do artigo 28.

 (vii) atribuiu “interpretação conforme” ao artigo 50, limitando a requisição pela OAB de cópias de peças de autos e documentos, mediante previa motivação, compatível com as finalidades legais e recolhimento de custas, vedado os casos sob sigilo.

 

Prosseguindo, a atual lei federal 8.906/94, denominada de estatuto da advocacia e OAB, ainda sofreria mais duas ações diretas de inconstitucionalidades.

A terceira ação, ADIn 1194,14 seria ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, em 24 de janeiro de 1995, tendo ela alcançado o seu fim, uma vez que o STF declarou inconstitucional o parágrafo 3.º, do artigo 24, do EAOAB.15

Já a quarta ADIn 3026, foi promovida pela PGR, em 28 de outubro de 2003,16 reconhecendo o STF como constitucional o regime trabalhista para a OAB contratar os seus servidores, sendo incabível, portanto, a exigência de concurso público para admissão dos seus contratados; enfim, foi reconhecida a constitucionalidade do artigo 79.   

4. As alterações legais que modificaram o Estatuto da Advocacia

Depois da redução de textos e revogação de dispositivos, por conta das sobreditas ADIns, é de todo salutar agora expor, objetivamente, as substanciais alterações legais promovidas, até aqui, no estatuto da advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB por outras onze leis ordinárias. Vejamos, sequencialmente:

(i) Lei federal 11.179/05. Deu nova redação ao Estatuto, notadamente no que tange as eleições para a Diretoria do Conselho Federal da OAB, incluindo o parágrafo 3.º, no artigo 53, e alterando as redações dos incisos IV e V, do artigo 67.

(ii) Lei federal 11.767/08. Esta lei surge em decorrência das inúmeras buscas e apreensões (judiciais) realizadas em escritórios de Advocacia nos anos anteriores a sua edição, sendo tal período denominado pelos advogados de “invasões de escritórios”. Por essa razão é que esta norma alteradora deu uma nova (integral) redação ao inciso II, do artigo 7º, bem como incluiu mais cinco parágrafos neste artigo, dos quais apenas dois não foram vetados pela Presidência da República, quais sejam os parágrafos 6º e 7º. São nestes dois parágrafos do artigo 7º que estão especificadas as condições legais para se decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do “caput”, deste artigo.

(iii) Lei federal 11.902/09. Acrescentou o artigo 25-A ao Estatuto para fixar em cincos anos a prescrição da ação de prestação de contas pelas quantias recebidas pelo Advogado de seu cliente, ou de terceiros por conta dele.

(iv) Lei federal 13.245/16, deu nova redação ao Estatuto, notadamente no que tange as eleições para a Diretoria do Conselho Federal da OAB, incluindo o parágrafo 3.º, no artigo 53, e alterando as redações dos incisos IV e V, do artigo 67.

(v) Lei federal 13.247/16. Em especial, criou a “sociedade unipessoal de advocacia” e deu novas redações aos artigos 15, 16 e 17, bem como a alguns de seus respectivos parágrafos, alterando assim as disposições “Da Sociedade de Advogados”, com o fim de adequá-las ao sistema juridicamente.

(vi) Lei federal 13.363/16. Ampliou as prerrogativas da advogada, incluindo um novo artigo, no caso, o artigo 7.º-A, denominado de “São direitos da advogada” onde constam, por exemplo, as prerrogativas da advogada gestante e adotante ao exercer a função.

(vii) Lei federal 13.688/18. Esta norma acrescentou o parágrafo 6º ao artigo 45, assim como o parágrafo 2º ao artigo 69, ambos do Estatuto, instituindo o “Diário Eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil”, onde serão publicados atos, notificações e decisões, salvo quando reservados ou de administração interna.

(viii) Lei federal 13.725/18. Acrescentou dois parágrafos, 6º e 7º, ao artigo 22 do Estatuto da Advocacia, que trata “Dos Honorários Advocatícios”, para criar e regular a modalidade “honorários assistenciais”.

(ix) Lei Federal 13.793/19, até aqui é última norma a modificar o Estatuto da Advocacia. Ela assegurou aos advogados o exame e a obtenção de cópias de atos e documentos de processo e procedimentos eletrônicos, tendo sua repercussão também no Código de Processo Civil vigente e na Lei federal 11.419/06, que regulamenta a informatização do processo judicial.

Como visto, nesses 25 anos, foram editadas nove leis ordinárias federais para alterar o aludido Estatuto e, a nosso sentir, para melhor, sobremaneira com relação ao fortalecimento das estruturas jurídicas de defesa dos advogados.

Do outro lado, certamente, um dos principais projetos de lei tão esperado pela Advocacia e que ainda tramita no parlamento é aquele que “criminaliza a violação de prerrogativas dos advogados” e promove outras alterações. Após ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em decisão terminativa, o PLS 141/15 que cuida dessa substancial matéria para a advocacia foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde tramita como PL 8.347/17, sendo a este apensado os demais PLs que ali já tramitavam sobre o mesmo tema.

Depois de receber parecer favorável do relator na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania da Câmara, o mencionado PL 8.347/17 encontra-se em discussão, mas já foi formulado requerimento, no mês de abril de 2019, para tramitação em regime de urgência.

4. Escritório de advocacia constituído por associação de juízes para impugnar o seu próprio estatuto profissional

Parece ter passado despercebido ou não notado pelos profissionais do direito que a própria advocacia, por meio de determinado escritório de advogados, foi constituída pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB para promover ação constitucional (ADIn) com o escopo de impugnar relevantes prerrogativas da própria advocacia, trazidas pela lei federal 8.906/94.

Talvez, em algum momento da sua carreira profissional, o insigne advogado que elaborou as razões, formulou os pedidos e ajuizou a ADIn18 tenha se dado conta do profundo “conflito de interesses” pelo qual passou e a ele, naturalmente, foi submetido ao constituído para patrocinar essa causa. Realmente, essa tarefa muitíssimo diferenciada deve não ter sido muito agradável para advocacia e, também por isso, integra a história do estatuto em referência.

O Estatuto da Advocacia, como aprovado e sancionado, era algo há muito esperado pelos advogados da época, sobretudo por ter previsto: a (i) “postulação em qualquer órgão do Judiciário e nos juizados especiais”, como atividade privativa da advocacia; a (ii) “imunidade do tipo penal desacato”; (iii) a “sustentação oral de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento judicial ou administrativo, após o voto do relator”; e (iv) o “controle pela OAB das salas especiais e permanentes para os advogados”. 

E, acreditamos, que mesmo sabedor da grande importância para a advocacia dessas relevantíssimas prerrogativas então previstas no estatuto, o nobre patrocinador da causa da AMB não teve um instante de dúvida sequer e cumpriu honrosamente o seu ministério constitucional, dando efetividade ao seu novel estatuto profissional, promovendo no STF a sobredita ação direta de inconstitucionalidade, haja vista ser atividade privativa dele, advogado, postular perante os órgãos do poder Judiciário e, ademais, existia causa a demandar.

Pois bem, foi nesse momento jurídico da nossa história, onde a causa do cliente (no caso a AMB) também encontrava embasamento na mesma lei federal 8.906/94 – o acesso à Justiça se efetivava via advogado –, que a advocacia não só consolidaria e colocaria a prova o seu próprio estatuto, ao questioná-lo parcialmente no STF, mas também demonstraria toda a sua essencialidade e indispensabilidade para o sistema jurídico, condição reverenciada e prestigiada pela Constituição Federal (artigo 133).

Com isso, os advogados e a advocacia mostraram o quanto foram gingantes ao cumprir suas funções constitucionais, imprimindo segurança, credibilidade e eficácia ao ordenamento jurídico posto, bem assim ao poder Judiciário. Por outro lado, os membros deste mencionado poder da república, por meio da citada AMB, tiveram o devido patrocínio da advocacia para a sua causa, na qual, inclusive, obtiveram êxito parcial na ação constitucional ajuizada.

Temos, portanto, que só fazer elogios ao substancioso trabalho advocatício exercido pelos advogados naquela ADIn 1127-DF, por que a advocacia jamais faltou com o Brasil e o seu povo, de maneira que ela também poderia faltar com a respeitada associação dos magistrados brasileiros, no caso da impugnação parcial da lei em comento.

5. Da parcial ausência de efetividade do Estatuto da Advocacia

Certamente, a “ausência de efetividade” é o um dos principais problemas que afetam as leis postas. E esta não é uma problemática que afeta somente as normas brasileiras.

No caso do estatuto da advocacia, entretanto, este manteve a OAB como a instituição legal responsável por promover, com exclusividade, a representação, defesa, seleção e disciplina dos advogados, conforme preceitua o artigo 44, inciso II,19 da lei em referência. E como toda norma estruturadora de órgão de classe, o estatuto também previu o pagamento de anuidades pelos advogados e estagiários inscritos, sendo esta ainda a principal receita da OAB para desempenhar os papeis que lhes foram legalmente atribuídos. Além dessa anuidade, a OAB ainda conta outras fontes complementares de receitas, como, o exame de ordem, as contribuições das sociedades de advogados, alugueis, taxas e pagamento por serviços.

Concluiu-se, assim, até aqui, ser evidente que a OAB dispõe de recursos – e muitos recursos, tanto que despertou a atenção do Tribunal de Contas da União20 –, de sorte que ela pode sim materializar os fins do estatuto da advocacia e investir mais e melhor nas estruturas de defesa classe, sobretudo dos advogados, os quais são vitimas de constantes violações de prerrogativas.

E é por conta dessas tormentosas ofensas às prerrogativas da advocacia, cujas quais ocorrem das formas mais variadas e até “hediondas” no cotidiano forense contra os advogados, que a lei federal 8.906/94 tem perdido força paulatinamente, em especial no que diz respeito ao “Capítulo II”, que dispões “Dos Direitos do Advogado”, artigo 6º e 7º. Aliás, sem pretender ser mais carnavalesco do que Rei Momo, este é um dos capítulos da citada Lei que menos tem efetividade e ainda encontra-se no estado de hibernação.

A OAB, aparentemente, mostra-se em ótimas condições materiais e humanas adequadas para aplicar as regras da ética e disciplina do EAOAB (artigos 31 a 43) e do código de ética e disciplina. De igual forma, tem realizado adequadamente o exame da OAB, além de organizar e realizar satisfatoriamente as regulares eleições da classe.

A partir dessa positiva constatação surge então a indagação que não quer calar: E a defesa efetiva e qualificada das prerrogativas e da advocacia? Por qual razão a OAB negligencia? Eis aí uma negligência institucional absurda e, de certa forma, até intencional. Chegamos a essa triste conclusão pelo cenário de “quase abandono” da defesa das prerrogativas advocatícias. Pouca coisa muda ou acontece de positivo na prática nessa área de importância vital para o exercício da profissão.

Oportuno destacar, infelizmente e com muito pesar, que são pouquíssimas as secionais e subseções21 que possuem uma Comissão de Prerrogativas estruturada, com membros ou agentes qualificados, dotados de imunidade institucional, motivados, disponíveis e materialmente instrumentalizados para atender os advogados, violados em suas prerrogativas. Aliás, importante dizer que muitos presidentes de subseções ignoram a sua competência legal prevista no artigo 61, II, do EAOAB e as responsabilidades decorrentes. 

Para modificar essa realidade abissal de violação de prerrogativas da advocacia – apesar do enorme volume de recursos que a OAB arrecada anualmente dos advogados –, é preciso fazer o óbvio ou trivial, qual seja, investir profundamente na defesa da advocacia: (i) instalar a comissão de prerrogativas, (ii) instrumentaliza-la materialmente; (iii) nomear membros, especialmente pelo mérito, disponíveis para atendimento e qualifica-los; (iv) ministrar cursos de formação e de aperfeiçoamento ou de atualização periódicos dos membros, inclusive para todos os demais advogados interessados; (v) dotar os membros ou agentes da comissão de imunidade relativa para o exercício institucional da defesa das prerrogativas; (vi) promover o culto da prevenção e da defesa das prerrogativas, mediante publicidade pelos canais oficias da OAB.

O fato é que a OAB exige das autoridades e instituições o devido respeito ao estatuto da advocacia, sobretudo às prerrogativas dos advogados; todavia, os fatos e os dados de todos conhecidos demonstram que a OAB muito negligencia quanto à defesa e prevenção das prerrogativas – e chega a ser omissa22 –, deixando assim sem efetividade o sobredito estatuto nessa parte vital.

A ausência parcial de efetividade da lei federal em comento decorre, portanto, da contumaz e histórica negligência (consistente em desmazelo, desleixo, falta de atenção) da própria OAB, uma vez que é sua a obrigação legal de defender, especialmente, as prerrogativas profissionais dos seus inscritos, com quem ainda tem uma grande dívida.

Por fim, importante asseverar, que em nada ajuda a OAB ao transferir a sua responsabilidade, passar a culpa, devendo ela acordar para a realidade presente e abandonar a “visão política institucional retrograda predominante”, que há duas décadas a impede de alcançar a efetividade plena do Estatuto da Advocacia, mais especificamente, na área de prerrogativas.

A advocacia e os advogados continuam credores da OAB!

___________

1 Doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP, Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Coimbra, professor Universitário, há 18 anos ativista de defesa das prerrogativas da Advocacia, ex-Conselheiro da Secional de Prerrogativas da Seção São Paulo da OAB, autor de obra jurídica sobre o tema.

2 SODRÉ, Rui de Azevedo. O advogado, seu estatuto e a ética profissional. 2. ed. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 38.

Nota: este mesmo autor construiu uma frase que muito marca o tema em comento: “A Ordem dos Advogados é tão velha como a própria profissão” (p. 39).

Nota: eis a redação oficial da Majestade Imperial, à época, determinado aprovando a criação do Instituto dos Advogados Brasileiros: ”Sua Magestade o Imperador, deferindo benignamente ao que lhe representarão diversos advogados d’esta Côrte, manda pela secretaria de Estado dos Negocios da Justiça, approvar os estatutos do Instituto dos advogados Brasileiros, que os supplicantes fizeram subir á sua Augusta Presença, e que com esta baixão assignados pelo Conselheiro Official-maior da mesma Secretaria de Estado; com a clausula porém de que será tambem submettido á Imperial approvação o regulamento interno, de que tratão os referidos estatutos” (sic).

3 Decreto n.º 19.408 de 18 de novembro de 1930: “Artigo. 17. Fica creada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e selecção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a collaboração dos Institutos dos Estados, e approvados pelo Governo” (sic).

4 Texto histórico disponível em https://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero = 20784&tipo_ norma= DEC &data=19311214&link=s. Acesso em 29/06/2019.

5 Texto histórico disponível em https://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1963/4215.htm. Acesso em 29/06/2019. Esta Lei foi sancionada pelo então Presidente da República João Goulart.

6 Ramos, Gisela Godin. História da ordem e da advocacia brasileiras. In “A importância do advogado para o direito, a justiça e a sociedade”. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 180.

7 Constituição Federal, artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

8 De outubro de 1988 até setembro de 1992, o Brasil teve inúmeros problemas, mais dois basicamente predominaram: (i) planos econômicos equivocados e (ii) a longa discussão política  “pró-impeachment” e o efetivo processo de impeachment do então Presidente da República Fernando Collor de Mello, acusado de crime de responsabilidade, que o foi primeiro do nosso País e da América Latina

9  PL 2938/92

10 Nota: O professor Miguel Reale Júnior, em artigo intitulado Advocacia e responsabilidade social (In “Revista do Advogado: advocacia, ontem, hoje e amanhã”. São Paulo: AASP, out/2008, n.º 100. p. 86-89), enfatiza, de forma contundente e despertadora, o aspecto histórico dessa responsabilidade do advogado para com o social e a necessidade de se continuar enfrentando e vencendo esses e outros desafios.

12  ADIn 1105

13  ADIn 1127

14 Referencia ao tipo penal do artigo 331 do Código Penal: “Desacatar funcionário no exercício da função ou em razão dela”. Existem milhares de casos nas centenas de Comissões de Prerrogativas das subseções e secionais da OAB, as quais promovem incontáveis “habeas corpus”, com pedido de liminar, para trancar ações penais de “desacato” promovidas contra os advogados, supostamente praticados no exercício da função. 

15  ADIn 1194

16 Redação do artigo 24, § 3.º, do eaoab: É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

17 ADIn 3026

18 Essa novel modalidade de honorários, segundo o próprio teor do parágrafo 6.º, do artigo 22, compreende aqueles fixados em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo dos honorários convencionais.

19 Dr. Sergio Bermudes, eminente Advogado, Professor e autor de obras jurídicas.

20 EAOAB, artigo 44, inciso II: promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

21 OAB finalmente vai prestar contas: decisão do TCU corrige erro histórico.

22 Vale ainda salientar, que mesmo após vinte e cinco do Estatuto da advocacia, constatamos que ainda existem subseções da OAB que não possui Comissão de Prerrogativas Instaladas.

23 A Secional do Espirito Santo da OAB foi condenada a indenizar advogado por não prestar a este assistência de prerrogativas. Caso vergonhoso para a Ordem. 

___________

*Edson Pereira Belo da Silva é doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP, Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Coimbra, professor Universitário, ex-Conselheiro da Secional de Prerrogativas da Seção São Paulo da OAB, autor de obra jurídica sobre o tema.

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