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Pós-modernidade: o jurista e a síndrome do cortar, copiar e colar

Em resumo, às vezes sente-se saudade dos juízes que simplesmente redigiam suas sentenças à mão e os advogados, por sua vez, liam os autores clássicos e eram mais objetivos em seus pleitos judiciais.

4/7/2019

Há uns 30 anos, os magistrados - em bom número -, usavam tinta e pena para redigir suas decisões. Alguns escreviam sentenças à mão e quando a caligrafia era bonita, imprimia-se certo charme estético ao texto judicial. A máquina de escrever e o indefectível papel carbono - muito utilizados pelos profissionais do Direito -, tornavam-se instrumentos importantes e imprescindíveis à diária atividade jurídica. Bons e velhos tempos, remotos, muito longínquos. Tais utensílios se tornaram totalmente obsoletos, ultrapassados e foram deixados de lado com a chegada dos computadores domésticos e impressoras (anos 1990).

O meio eletrônico tomou o lugar do papel e a internet está aí, ao dispor de significativa parcela da população mundial; os serviços online são facilmente acessados; tudo está ao alcance dos dedos, de forma muito fácil. Resultados de pesquisas, colocados ao alcance do interessado num passe de mágica, fazem com que surja o “saber”, o conhecimento, a produção (científica?); os processos judiciais, em boa parte, são eletrônicos, o que facilitou sobremaneira o trabalho de todos. A atividade jurídica ficou bem mais fácil, assim como a própria forma de produzir do Direito no país, o que de certa forma preocupa.

Em contundente e importante texto publicado no jornal Folha de São Paulo, o jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior exterioriza preocupação quanto aos rumos do Direito posto pelo Estado, notadamente no que diz com sua aplicação, interpretação e argumentação jurídica. O pensador afirma que há uma espécie de crise do paradigma do direito legislado e codificado, sendo que passamos da centralidade da lei para a da jurisdição1. Cita preocupante, mas vivo exemplo: Reportagem de 2011 publicada por uma revista de circulação nacional mostrava que num escritório de advocacia em São Paulo, um pequeno grupo de jovens advogados era capaz de acompanhar cerca de 25 mil processos por ano usando um software. Diz-se que hoje são 300 mil. Afinal, se há um pequeno grupo de advogados capaz de acompanhar centenas de milhares de processos, há certamente juízes que agem da mesma forma. Não é difícil imaginar como são tomadas as decisões diante de uma enxurrada de informações filtradas por ‘modelos’ de gabinete, cuja regra maior é ‘limpar a mesa’. Como se julgar se tornasse um gerenciador repartido em grupos e distribuído em funções, em que a reflexão consistente é substituída pela consulta e cola de informações. É essa a aplicação assustadoramente crescente que torna exasperante a questão jurídica olhada do futuro para o passado. De fato, muitas formas de agir estão mudando nos últimos tempos, especialmente na área jurídica.

A pós-modernidade - termo que tudo e nada pode significar, conforme aguda observação de Eros Roberto Grau2 - traduz-se, para muitos, em novo paradigma, apresentando suas exigências: o homem não deve perder tempo em suas atividades produtivas, deve gerar resultados imediatos. Afinal, tempo é dinheiro e este é a mola propulsora de desenvolvimento do ser humano. Por outro lado, necessário que o profissional do Direito desenvolva trabalho célere, eficiente e com qualidade jurídica; seus textos devem (em tese) ser objetivos, certeiros.

Entrementes, o que se vê, não raro, é a farta (re)produção do Direito, tanto acadêmica quanto nos meios forenses, sendo que nunca se publicou tantos textos jurídicos em determinadas áreas, especialmente as que mais aparecem em mídias. É justamente neste ponto - a forma de produção do Direito - que se inserem os “malefícios” pós-modernos e tecnológicos, na era digital.

O “cortar, copiar e colar” atualmente se traduz em recurso indispensável a alguns (em especial no que se refere à transferência de discurso jurídico, citação doutrinária e jurisprudencial), imperando o volume, o número elevado de peças processuais, com discutível qualidade técnica; importa redigir laudas e laudas, com enfadonha transcrição de textos legais e dezenas de julgados que dão arrimo à tese defendida, o que dificulta a leitura, especialmente ao juiz que sentenciará o caso concreto e é “obrigado” a ler infindáveis até notas de rodapé. Nesse aspecto repousa o perigo de selecionar conteúdos em flagrante desarmonia com a exposição geral, como sói ocorrer em textos jurídicos. Não raro, falta coerência no discurso, vazio de conteúdo, mas repleto de tiras jurídicas, sem sentido e alcance; falta o fio condutor. Já se observou, até, por incrível que pareça, petição acerca de determinado caso e requerimento final totalmente dissonante.

Ora, se já existe posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não se vê justificativa plausível para escrever laudas e laudas defendendo tese de há muito já sufragada. Inexiste sentido lógico, por outro lado, em transcrever infinidade de enunciados legais, não se olvidando que o juiz conhece a lei.

Mais do que isso, talvez atualmente se coloque em xeque o modo de pensar (e produzir) crítica e metodologicamente o Direito. Prevalece a desbragada leitura de textos legais na academia (como se a lei fosse a única e exclusiva fonte do Direito), impera o dogmatismo jurídico e as facilidades da redação, introduzidas pelos meios tecnológicos. Nunca se escreveu tanto. Mas, há o receio do direito achado na rua, conforme dito pelo mesmo Eros Grau3. Em resumo, às vezes sente-se saudade dos juízes que simplesmente redigiam suas sentenças à mão e os advogados, por sua vez, liam os autores clássicos e eram mais objetivos em seus pleitos judiciais.

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1 Disponível aqui

2 O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pp. 68-69.

3 Por que tenho medo dos juízes: (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2016, p. 141.

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*Carlos Roberto Claro é advogado em Curitiba, especialista em Direito Empresarial e mestre em Direito.

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