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A utilização do Modria pelos PROCONs

A partir da sua adoção pelo PROCON, a plataforma Modria é devidamente customizada, sendo também instalado um script no sítio eletrônico do órgão, que redireciona o consumidor para a plataforma.

26/6/2019

Publicamos, recentemente, artigo que aborda os motivos pelos quais o Modria, ferramenta de resolução de conflitos online desenvolvida dentro do eBay e do Paypal, é considerado hoje o maior case internacional de sucesso em matéria de online dispute resolution - ODR.1

Entre os fatores que explicam esse êxito estão: a) a existência de módulos de diagnóstico, negociação, mediação e arbitragem; b) a utilização de negociação automatizada que incorpora premissas econômico-comportamentais, estimulando as partes a chegarem a um acordo; c) a existência de uma quantidade imensa de dados (big data) que alimenta e aperfeiçoa o sistema cada vez mais; d) a utilização de mediação assíncrona, em geral mais eficiente do que a mediação por vídeo; e) o fato de ser uma ferramenta altamente flexível e adaptável ao fluxo de trabalho de cada organização (tecnologia workflow).

Neste artigo pretendemos abordar, especificamente, a possibilidade de utilização desta ferramenta pelos PROCONs e eventualmente por outros órgãos públicos que tenham de lidar, de alguma forma, com a defesa dos direitos dos consumidores. Para se avançar no tema, porém, alguns pilares precisam ser inicialmente fixados.

Primeiro, importante entender que a proteção a ser exercida pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC envolve também o oferecimento de outras vias adequadas de solução de conflitos e o estímulo ao consenso, como bem expressa o artigo 4º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor.

Necessário compreender também que a utilização de ferramenta de resolução de conflitos online não implica a delegação, pelo PROCON, do exercício de sua competência primordial. Pelo contrário, ela a potencializa. Não se consegue imaginar, aliás, nos dias de hoje, que os órgãos públicos possam desempenhar de forma eficiente suas funções sem a utilização de software e de outras ferramentas tecnológicas. E a eficiência é uma diretriz constitucional que deve permear, de forma permanente, a atuação de todos os entes públicos.

Cabe destacar que o Modria dispõe de funcionalidades que o qualificam como a plataforma mais completa do mercado para tratamento online de conflitos, não se equiparando ao consumidor.gov, por exemplo2.

Essas duas soluções não podem ainda ser consideradas concorrentes por várias razões. Primeira porque o consumidor.gov foi desenvolvido e é suportado exclusivamente pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor – SENACON, não permitindo sua adaptação e integração ao fluxo de processos e sistemas utilizados em cada PROCON. Segunda, porque o consumidor.gov oferece basicamente uma estrutura de chat3, não possuindo módulos de diagnóstico, negociação, mediação e arbitragem. Terceira porque os convênios celebrados pelos PROCONs com o objetivo de oferecer o consumidor.gov não preveem o uso exclusivo desta solução para atender a todas as demandas e tampouco elimina a necessidade de manter os diversos sistemas internos ainda utilizados por esses órgãos de defesa do consumidor e com os quais o consumidor.gov não se integra.

Por esses múltiplos fatores, a Tyler Technologies, em parceria com a CAMES Brasil, está desenvolvendo projeto para atender às necessidades atuais dos PROCONs e auxiliá-los na solução das demandas desse novo perfil de consumidor, que busca solucionar seus problemas de forma cada vez mais rápida e com o uso de plataformas predominantemente online.

Importa registrar que o Tribunal de Contas da União, em seu acórdão 2.362/2015-TCU-Plenário, criticou o fato de as instituições fazerem pouco uso de soluções prontas, públicas ou de mercado, contratando, na grande maioria dos casos, empresas para desenvolver softwares que atendam às suas necessidades. Apontaram, ainda, problemas na contratação de software com escopo amplo, em detrimento da contratação por projeto, com escopo mais limitado.

Outro aspecto relevante, já indicado pelo TCU em seu acórdão 1.739/2015-TCU-Plenário, refere-se à consolidação, na área de tecnologia da informação (TI), de um novo modelo de acesso a recursos computacionais compartilhados e de alta disponibilidade e acessibilidade: a computação em nuvem (cloud computing), que é a tendência atual para utilização de softwares também pela Administração Pública, especialmente aqueles que se enquadram na categoria SaaS – software as a service (software como serviço), como é o caso do Modria.

De acordo com o TCU, a contratação desse tipo de software pode trazer diversos benefícios, como: 1) redução de custos de infraestrutura e de serviços de Tecnologia da Informação (TI) devido a ganhos de escala; 2) otimização da produtividade da equipe de TI, melhorando o suporte de operações de missão crítica; 3) maior disponibilidade dos serviços de TI e consequente melhor produtividade do usuário final; 4) melhor resistência a ataques contra a disponibilidade dos serviços (denial of service); 5) redução do tempo para implantação de novos serviços e ciclo mais rápido de inovação; 6) maior agilidade na entrega e na atualização tecnológica de serviços públicos; 7) ampliação do acesso e do uso de informações governamentais; 8) suporte mais ágil a iniciativas de big data e dados abertos; 9) atendimento de demanda sazonal de serviços pela internet sem necessidade de alocar grande quantidade de recursos fixos de TI, que ficam subutilizados em momentos de menor uso.

Todos esses benefícios se aplicam também quando se trata de utilização do Modria para potencializar a eficiência dos serviços prestados pelos órgãos de defesa do consumidor.

Assim, a partir da sua adoção pelo PROCON, a plataforma Modria é devidamente customizada, sendo também instalado um script no sítio eletrônico do órgão, que redireciona o consumidor para a plataforma. O contato entre o consumidor e a empresa é então estabelecido pelo Modria em nome do PROCON, a partir do diagnóstico do assunto e o acionamento do módulo de negociação automatizada.

Chegando as partes a um acordo, é acionado o servidor do PROCON para que possa validá-lo, por meio de qualquer computador ou dispositivo móvel (individualmente ou por lote), emitindo-se, na sequência, o documento com a homologação do acordo celebrado entre as partes, em conformidade com os modelos estabelecidos pelo próprio PROCON.

Não havendo acordo, o consumidor ou a empresa podem solicitar, através da plataforma Modria, a intervenção direta do PROCON, que designará um servidor para atuar como mediador ou conciliador naquele caso. Essa mediação do PROCON se fará de forma preferencialmente online, por meio de mediação assíncrona, que possibilita a resolução de um número muito maior de casos.

A estimativa inicial feita é que um servidor do PROCON possa resolver até três vezes mais casos por dia do que em atendimentos presenciais, sem contar as negociações online homologadas, que representam um número expressivamente muito superior. Isso tudo com muito mais celeridade e sem a necessidade de deslocamentos por parte dos consumidores ou das empresas envolvidas.

Caso não haja acordo, as informações registradas poderão ser exportadas em pelo menos sete formatos admitidos pelo Modria e utilizadas, eventualmente, para instruir processos administrativos visando a aplicação de penalidades, se for o caso.

O avanço definitivo ocorrerá na medida em que se permita a integração da plataforma ao Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – Sindec, evitando que essas informações tenham de ser transferidas de forma manual de um para o outro sistema.

Não se pode ignorar, ainda, a possibilidade de utilização do Modria como ferramenta para a cobrança de multas aplicadas pelo PROCON às empresas, multas essas que, muitas vezes, não são cobradas por falta de servidores e de uma estrutura adequada, o que aumentaria ainda mais a eficiência desses entes públicos em sua relevante atuação.

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1 Resolução de conflitos online e o case de Modria.

2 A proposta do consumidor.gov é ser um sistema de utilização fácil e, para isso, utiliza modelos de formulários com preenchimento através de “respostas orientadas por exemplos” (sample-driven responses) e campos com opções pré-definidas (menus drop-down).

3 Esta estrutura de chat permite a interação entre consumidor e empresa de acordo com os prazos determinados pela plataforma: 10 dias para o atendimento da empresa e 20 dias para a avaliação final do consumidor. A despeito do prazo de 10 dias para a conclusão do atendimento, é comum as empresas, ao final desse prazo, solicitarem ao consumidor que aguarde a solução da demanda para então fazer sua avaliação e, na prática, isto permite a finalização do atendimento pela empresa no prazo de até 30 dias.

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*Danilo Ribeiro Miranda Martins é sócio fundador da CAMES e diretor do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar – IPCOM.

*Carlos Butori é diretor Nacional da Tyler Technologies no Brasil.

*Nelson Soares de Rezende é mediador extrajudicial da CAMES, no RJ, e mediador judicial sênior no TJ/RJ.

 

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