A Justiça Eleitoral, como grande parte do escopo institucional do Estado Brasileiro, é um patrimônio herdado da Era Vargas.
Adotado em 1932, o Código Eleitoral criou então a Justiça Eleitoral, que assumiu a responsabilidade por todos os trabalhos eleitorais em nosso país. Além de ter o papel de regular as eleições federais, estaduais e municipais, a Justiça Eleitoral está encarregada, desde então, de organizar e registrar desde o alistamento eleitoral, a disposição das mesas de votação, a apuração dos votos, até o reconhecimento e proclamação dos eleitos.
O grande dilema enfrentado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para definir se caberia à Justiça Federal ou à Eleitoral a competência para julgar crimes comuns praticados em conexão com os eleitorais decorre em grande monta do fato de que, embora as Constituições brasileiras de 1934, 1946, 1967 e 1969 tenham estabelecido expressamente ser da Justiça Eleitoral a competência para processar e julgar os ilícitos eleitorais e, também os crimes comuns que fossem praticados em conexão com aqueles, a Constituição Federal de 1988, a seu turno, não dispôs expressamente a respeito, limitando-se a apontar, em seu artigo 121, a necessidade de redação de lei complementar que dispusesse sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de Direito e das juntas eleitorais.
Isso – em que pese o fato de que os crimes comuns conexos às infrações eleitorais foram historicamente processados e julgados pela Justiça Eleitoral ao longo dos anos – abriu uma brecha para o questionamento sobre se não seria mais adequado e eficiente a cisão dos dois tipos de crime e a remessa dos crimes contra a União à Justiça Federal, sobretudo considerando a, em geral, extrema complexidade de que se reveste boa parte do universo de crimes federais – como é o caso daqueles ligados à Operação Lava-Jato –, a exigir, para o seu bom enfrentamento, não apenas estrutura adequada, mas, também, profissionais especializados.
Foram, a propósito, essas as argumentações apresentadas pelos que defenderam o projeto encaminhado ao Congresso Nacional pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, especialmente na parte em que sugere a alteração do artigo 79 do Código de Processo Penal, que acrescentaria a separação obrigatória no concurso de jurisdição comum e o juízo eleitoral, bem como a mudança do artigo 35 do Código Eleitoral, que atribui a competência dos juízos eleitorais para julgar tão somente os crimes eleitorais, e não mais seus conexos.
Mas o fato é que essa pequena brecha não ofusca a realidade de que a Justiça Eleitoral tem cumprido um papel fundamental na legitimação do processo político e consolidação institucional do Estado Democrático brasileiro, inobstante a criticada rotatividade de seus membros.
Na outra linha, fica também evidente que a Justiça Federal, apesar da expertise em matéria criminal federal, ficaria ao “relento” ao se deparar com as dificuldades e especificidades da matéria eleitoral pois, se por um lado o corpo julgador da Justiça Eleitoral é rotativo, o seu corpo de assessoria e técnica permanente é uma verdadeira “tenda” que a protege das “intempéries” e demonstra notável eficiência e agilidade no atendimento à dinâmica imposta pelos prazos que são bastante exíguos na legislação eleitoral.
Inobstante ambos os entendimentos conflitantes possuírem embasamento jurídico bastante plausível, penso ter sido acertada a decisão do Supremo, ao seguir a jurisprudência e a questão histórica constitucional de nosso país, reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar ilícitos relacionados a crime eleitorais. Resta, agora, melhorá-la em termos de recursos humanos e materiais ao volume dos serviços que certamente virá.
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