É de conhecimento público que a Inteligência Artificial (como tenho sempre comentado, mais um termo da moda !) está mudando a forma da sociedade se relacionar com o mundo ao seu redor. Lembrando ainda que IA nada mais é que a combinação de algoritmos estatísticos associados a um volume enorme de informações processadas e analisadas pelos atuais computadores, que têm capacidades brutais de processamento, nos permitindo enxergar estatísticas e associações que antes eram quase impossíveis de se ver (ou demoravam muito tempos para ser processadas, tornando-as não operativas na pratica).
Trazendo a discussão para o mundo Juridico, devemos acrescentar o aparecimento dos sistemas de Processamento da Linguagem Natural (NLP em inglês) que possibilitou a utilização dos algoritmos citados anteriormente e utilizando estatísticas com palavras, não só com números. Isso abriu uma nova dimensão para todas as análises que antes ficavam no campo dos sonhos. Análise de contratos, investigações criminais e de compliance, estatísticas processuais, predições de julgamentos e uma infinidade de utilizações que nem sequer chegamos a vislumbrar.
Como tudo que está na moda, há uma forte expectativa e uma grande ilusão de que todos os nossos problemas agora serão resolvidos por essa nova tecnologia, mas infelizmente isso não é verdade. A frase "We tend to overestimate the effect of a technology in the short run and underestimate the effect in the long run," ficou conhecida como “Amara's Law”, cunhada há muito tempo pelo cientista e futurista americano Roy Charles Amara, já falecido.
Se por um lado temos que adotar sim todas as novas tecnologias da melhor forma possível (para não nos tornarmos jurássicos devido a velocidade que elas evoluem), por outro não podemos deixar de pensar em todos outros pontos necessários para a boa governança do negocio jurídico. Novamente lembro que “gestão da atividade jurídica” é uma coisa e “gestão do negócio jurídico” é outra coisa!
A adoção indiscriminada e principalmente despreparada de qualquer tecnologia pode trazer inúmeras frustações, gastos desnecessários e principalmente elas acabam por evidenciar as falhas internas existentes, que vão desde procedimentos errôneos, problemas de coordenação, orientação e até direcionamento da alta gestão.
Antes de adquirir qualquer sistema que diz ter Inteligência Artificial em seu desenvolvimento (a observação serve para qualquer outro sistema) verificar os seguinte pontos:
- Qual é o tipo de seu negócio (consultivo, processualista, massa , etc.).
- Quais são as deficiências existentes (relatórios mais detalhados, agilidade, controles, etc.).
- Como está a qualidade dos seus registros (cadastros, acompanhamento processual, arquivamento de documentos e e-mails, etc.).
- Qual é a normatização e racionalidade / eficiência existentes nos procedimentos humanos existentes ?
- Qual é o organograma de seu negócio ?
- Se os “job descriptions” estão claros e bem detalhados. Existem superposições ?
- Se o fluxograma está definido e claro, ou seja há clareza dos “requerimentos” e nos “feedbacks” e seus caminhos de ida e volta são bem definidos ?
- A equipe é capaz, está bem dimensionada e treinada ?
- Há controles para as tarefas definidas ?
Após essa análise interna, verificar as qualificações do(s) sistema(s) perguntando:
- É adequado para meu negócio?
- Qual o nível de adaptabilidade a meu negócio (ele se adapta à estrutura ou devo mudar a estrutura e precedimentos para utilizá-lo) ?
- Como é a acessibilidade ? (nuvem, “on premises”, etc.).
- Como é feita a segurança ? (níveis de autenticação, por ex.).
- Se for do tipo “machine learning” , qual e o tempo e a curva de aprendizado? Qual a expectativa de percentual de acerto na predição ?
- Qual é o seu TCO (Total Cost of Ownership) ?
- Quais as necessidades de equipe, equipamentos e treinamento para sua implantação?
- Qual impacto (positivo e/ou negativo) esperado?
- Como motivar as pessoas para adotá-lo ?
Os escritórios brasileiros de advocacia adoraram o modelo americano, lá chamado de “big law”, como padrão de organização e comportamento e desde sempre usamos os EUA como parâmetro de comparação entre nossos estágios de desenvolvimento, porém existem diferenças que às vezes esquecemos de considerar.
A primeira e mais importante é a qualidade da organização das empresas americanas e do grau de objetividade e foco de seus componentes (algumas pessoas podem ver isso não como qualidade e sim como defeito devido à pouca flexibilidade na solução de qualquer situação diferente, mas não estamos aqui para discutir isso). Escritórios de advocacia não fogem à essa regra e por vários motivos, inclusive capacidade de investimento, os escritórios americanos são muito mais organizados que os equivalentes brasileiros. No meu ponto de vista a grande diferença está na diferença de comportamento entre eles (anglo-saxões) e nós (latinos), fazendo com que neles, leis, regras, procedimentos e estrutura sejam muito mais levadas a serio lá do que aqui.
Fazendo uma comparação metafórica (que adoro fazer), é o equivalente a termos uma pessoa com deficiências na sua formação educacional básica (ensino fundamental e médio) submetida aos desafios de raciocínios mais complexos exigidos numa universidade. Ela com certeza terá dificuldades enormes e terá que resolve-las concomitantemente com seus novos aprendizados.
Antes de sair comprando e implementando sistemas e mais sistemas em seu escritório, com o objetivo de torná-lo mais eficiente e moderno, verifique primeiro se a sua estrutura de backoffice é coerente com seu tamanho e sofisticação, certifique-se que sua organização, fluxograma de trabalhos e seus procedimentos são objetivos, práticos e claros e toda a instituição esteja devidamente treinada, focada e comprometida com os objetivos e metas traçados pela alta direção. Quanto tudo isso estiver corretamente funcionando, os resultados na implementação de qualquer tecnologia serão muitíssimo mais efetivos.
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