Migalhas de Peso

Caio Cesar Rocha: o fim da advocacia?

O jurista Caio Cesar Rocha analisa como a tecnologia e o uso de inteligência artificial poderão transformar a profissão no futuro.

22/5/2019

 

Em 2008, o autor e pesquisador britânico Richard Susskind publicou um livro que se tornou imediata referência no estudo da relação entre Direito e tecnologia. 

Ao profetizar a mercantilização e a consequente transformação de uma das mais tradicionais profissões ante os incontornáveis avanços da tecnologia da informação, Susskind tornou-se herege para alguns, e visionário para outros. Sua obra é daquelas que nos tiram da zona de conforto, pois apresenta uma questão que, se é angustiante para nós advogados, pode ser vista como redentora para outros nichos da sociedade: chegará o dia em que os advogados serão desnecessários? 

Passados mais de 10 anos da primeira edição de “The End of Lawyers – rethinking the nature of legal services” (Oxford University Press – 2008), a pergunta parece ser cada vez mais atual (o livro pode ser encontrado aqui neste link). Em entrevista para o canal de TV americano Bloomberg, Susskind falou um pouco sobre o assunto: clique aqui. 


VISIONÁRIO OU HEREGE? O pesquisador Richard Susskind acredita que robôs 
farão o trabalho de advogados

Advogados virtuais 

Recentemente, pesquisadores da Universidade de Goethe, de Frankfurt, publicaram o primeiro manuscrito totalmente produzido por inteligência artificial. Um resumo de 1068 artigos sobre as características da bateria de lítio. O algoritmo/programa/autor é chamado Beta Writer – escritor beta1. 

Na apresentação do livro há o alerta para a falta de fluidez e de estilo do texto. Pode-se pensar: já criaram uma máquina capaz de escrever como um advogado! De lado com a brincadeira, é inegável a relevância da realização, que potencializa a capacidade de pesquisa, acelera o poder de síntese, melhora o acesso à informação e ao conhecimento e promove o aumento da capacidade de produção profissional. Inúmeros podem ser os impactos de tal ferramenta no universo jurídico. 

Já é da prática comum na advocacia do Brasil, especialmente em grandes escritórios especializados na chamada “advocacia de massa”, a presença de softwares ou algoritmos que “leem” petições iniciais. Tais ferramentas as selecionam, classificam por temas, priorizam por ordem de valor, analisam o risco envolvido, e diante de tais informações produzem uma minuta inicial de resposta ou mesmo indicam a realização de acordo. Alguns programas fazem a leitura no ato do protocolo da inicial, já que monitoram 24 horas por dia os variados sistemas processuais digitais em nome de determinadas partes, antecipando em muitos dias, ou mesmo meses, o prazo que a parte tem para preparar sua resposta. 

A convite do Migalhas, explorarei neste espaço os impactos da tecnologia da informação para o futuro da advocacia. A polêmica é sempre inevitável quando se impõe mudanças ao status quo. Certamente os advogados tradicionais, talvez com alguma razão, terão ressalvas à aplicação irrestrita da tecnologia no ambiente jurídico. Mas a contrariedade que alguns tiveram à datilografia no passado, ou à digitalização dos processos mais recentemente, não impediram que ambas as tecnologias fossem universalmente adotadas. 

Se é certo que não se trata (ainda) do fim da advocacia, não parece exagerado dizer que vivemos o começo do fim, não da advocacia em sua essência, mas ao menos da advocacia como hoje a conhecemos. 

Resta a nós advogados – em especial aos mais jovens de idade e de espírito, se preparar para os novos tempos. Inúmeros problemas práticos se impõem diante desta nova realidade: questões como a reserva de mercado, diminuição dos postos de trabalho, necessidade de regulamentação dos algoritmos que simulam o trabalho de advogados, adaptação dos sistemas processuais dos tribunais para permitir e facilitar o acesso dos sistemas automatizados (“robôs”), desvalorização e mercantilização da advocacia por clientes que passarão a vê-la como insumo necessário e não mais como serviço. Além dessas há questões mais complexas, até mesmo filosóficas, que merecem análise: Como assegurar a observância de preceitos éticos por sistemas automatizados? O advogado se transformará num gestor de TI apenas a supervisionar a produção autômata? É possível que um mesmo sistema produza a petição e a decisão? Uma empresa de tecnologia pode prestar serviços para tribunais e também para escritórios de advocacia? 

O advogado contemporâneo precisa olhar para o futuro sem preconceito: a tecnologia veio para ficar e mudar as estruturas da profissão. É preciso entender que as inovações saudáveis deverão se impor. Não se pode simplesmente fechar-se a evolução, tendo em conta que as instituições, entre elas a advocacia, irão sempre buscar preservar os problemas para a qual elas são as soluções. Já que não adianta lutar contra a realidade e a força da tecnologia, que tal se começarmos a nos unir e tirar proveito das inovações?

Quem é Caio Cesar Rocha

Caio Cesar Rocha é advogado, jurista e especialista em arbitragem. Nascido em Fortaleza, é mestre e doutor, respectivamente, pelas Universidade Federal do Ceará e Universidade de São Paulo. Em 2014, concluiu seu pós-doutorado pela Columbia Law School, em Nova York, com foco em arbitragem. É autor do livro Pedido de Suspensão de Decisões Contra o Poder. Originado durante o mestrado, a obra tece uma análise processual e constitucional do instituto do pedido de suspensão de decisões contra o poder público e traça sua evolução histórica em meio às intensas reformas processuais pelas quais o Brasil passou recentemente. Caio Cesar Rocha também foi integrante da comissão especial do Senado, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, e criada para reformar a Lei de Arbitragem, ao lado de alguns dos principais juristas brasileiros, como a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Walton Alencar Rodrigues, e os advogados Francisco Antunes Maciel Müssnich e José Rogério Cruz e Tucci. Dois anos depois, a lei 13.129/15 foi aprovada, consolidou práticas já usadas pelos profissionais do meio e deu mais segurança jurídica para as decisões de arbitragens. O advogado também especializou-se em direito esportivo e já atuou como auditor e presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Na Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol), Rocha presidiu o Tribunal de Disciplina. E na Federação Internacional de Futebol (FIFA), o advogado foi membro da Câmara de Resoluções de Disputas.  No Senado Federal, Caio Cesar Rocha também presidiu a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto da Lei Geral do Desporto Brasileiro. 

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1 Segue o link para quem se interessar em saber mais sobre baterias de lítio: clique aqui.

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