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Dos requisitos para o deferimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica conforme do entendimento do STJ: da adoção da teoria maior

Da adoção da teoria maior. da ausência de observação do entendimento do STJ para dirimir a instauração dos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica em instâncias inferiores.

17/5/2019

INTRODUÇÃO

A controvérsia do presente artigo cinge-se ao questionamento acima, o qual já fora devidamente solucionado, em maio/2018, pelo r. ministro Luís Felipe Salomão, quando do julgamento do RESp 1.729.554/SP: Para a instauração e processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – previsto no Código de Processo Civil de 2015 – a comprovação de inexistência de bens do devedor é requisito? Segundo entendimento do STJ, não.

O artigo em comento possui o escopo de proporcionar, aos operadores de direito, o estudo do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acerca da aplicação do novel Codex Processual Cível e, concomitantemente, a análise de como as instâncias inferiores estão aplicando o entendimento consolidado pela Corte Superior. 

Em que pese o entendimento da quarta turma da Corte Superior, no sentido de ser aplicada a teoria maior para instauração da desconsideração da personalidade jurídica, é possível notar que as instâncias inferiores estão indo de encontro a ela.

No processo que é o objeto do presente artigo, cuja tramitação se dá na comarca de São Paulo, denota-se que o respectivo Tribunal de Justiça, tem indeferido os pleitos de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O TJ/SP decidiu, em meados de julho/18, que, no caso dos autos 0080146-29.2017.8.26.0100, o juízo sentenciante, estaria correto ao negar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de uma determinada empresa, pois, em suas palavras, ele seria “prematuro, havendo necessidade de maior investigação para que se possa apurar a ausência de bens (...).”. 3

Notável, portanto, que a decisão proferida pelas instâncias inferiores, em meados de julho/2018, é divergente daquela publicada pelo STJ, em junho/18. 

O TJ/SP, no processo em comento, em grau recursal, prosseguiu confrontando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao asseverar que “o Banco Recorrente não possui interesse processual, por ora, para redirecionar a cobrança de dívida com base em sucessão empresarial fraudulenta, sem que antes se proceda à busca de bens da empresa que figura nos autos como devedora, com o fito de cumprir o pressuposto de insuficiência patrimonial.”.

O equívoco da decisão, em virtude do posicionamento já sacramentado pelo STJ, foi adiante, já que fundamentada por precedentes ultrapassados, publicados em 2009, 2010 e 2011, os quais foram emanados, por óbvio, com observância ao Códex Processual de 1973. Há de ser pontuado, todavia, que a decisão, ora vergastada pelo Banco, foi publicada em agosto/18, ou seja: na vigência do CPC/15 que, por sua vez, é expresso ao prever o direito potestativo de ser pleiteada a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, defronte à observação dos requisitos (taxativos), elencados pelo art. 50 do Código Civil/025

Nesse breve contexto, é inteligível concluir que o TJ/SP, ao rejeitar a instauração do incidente de personalidade jurídica, aviado pelo Banco Recorrente (que preencheu os requisitos processuais - procedimentais – e materiais) foi de encontro à Lei Federal (material e processual), tendo em vista que afirmou que, para a instauração do incidente, não basta a certificação da confusão patrimonial ou desvio de finalidade, sendo imprescindível a constatação da ausência de bens da empresa devedora. Destarte, o TJ/SP divergiu do entendimento firmado pela quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, que já delimitou, como dito acima, que a teoria adotada pelo art. 50 do CC/02 é a maior, de modo que “a inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos previstos no art. 50 do Código Civil, sendo imprescindível a demonstração específica da prática objetiva do desvio de finalidade ou confusão patrimonial.”. 6 

Em assim sendo, restou definido, por esta Corte Superior, em junho/2018, que “a inexistência de bens do devedor não pode ser condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração da personalidade jurídica.”.

O presente artigo, portanto, passará a discorrer a respeito das transgressões realizadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, diante das leis federais brasileiras, ante ao indeferimento da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.  

2. DA VIOLAÇÃO A LEI FEDERAL PROCESSUAL, ARTS. 133 E 134 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 

Por certo que os operadores do direito possuem o conhecimento da legislação. Conquanto, o que se pretende é a melhor visualização dos artigos, ora violados. Para isso, pede-se vênia para suas transcrições: 

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. (...)

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. (...).

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.8 

É axiomática a presença do direito potestativo, onde se lê, no art. 133, que o incidente será instaurado a pedido da parte. Rememora-se: o direito potestativo não admite contestações, está garantido, é incontroverso. Conquanto, nunca é demais relembrar que, antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, parte da doutrina considerava indispensável a propositura de ação autônoma para a desconsideração da personalidade. A exemplo, tem-se o entendimento adotado, à época, pelo doutrinador Fábio Ulhoa, que preconizou que o juiz não poderia desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes, senão mediante distribuição de ação avulsa.9

Mas, diante do caso concreto que é objeto de estudo deste artigo, conveniente o primeiro questionamento: se o incidente será instaurado a pedido da parte – sendo direito potestativo e, assim o Banco o fez no caso dos autos em análise, por qual razão o juiz sentenciante e o TJ/SP não acataram a instauração do incidente? Sob a ótica das instâncias inferiores, seria porque é necessária a comprovação de ausência de patrimônio da devedora principal nos autos em estudo. 

O segundo questionamento, que também demonstra a inegável mácula à Lei Federal, é: Quais são os pressupostos, previstos em lei, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve reverenciar? Deverá observar a teoria maior e menor, cumulativamente? Diante do entendimento do STJ e da interpretação da Lei material, é manifesto que não. É irrefutável, diante da decisão proferida no REsp 1. 729.554/SP e, também pela legislação brasileira, que os únicos requisitos que devem, necessariamente, ser preenchidos, dizem respeito ao desvio de finalidade da empresa devedora ou por sua confusão patrimonial10

A terceira questão é: Se a Parte, no caso o Banco Recorrente do processo em estudo, demonstrou que a empresa, devedora principal, oculta seus ativos financeiros, de modo a transferi-los a outras empresas, cujo quadro societário é idêntico ao seu (grupo econômico), não restaria caracterizada a confusão patrimonial? Trata-se, no caso do autos, da constituição e utilização de diversas empresas, geridas por uma única direção, inclusive com sócios ocultos, com endereços e objetos sociais idênticos. Caracteriza-se, de fato, o abuso da personalidade. 

Não pairam dúvidas de que esses são os únicos requisitos elencados, pela legislação processual, para a necessária instauração do incidente, haja vista se tratar de direito potestativo. A propósito, o i. processualista, Humberto Theodoro Jr., ratifica: “O requerimento deve demonstrar, ainda, o preenchimento dos pressupostos legais específicos que, nos termos do art. 50, do CC são o desvio de finalidade da pessoa jurídica e a confusão patrimonial entre ela e seus sócios.”. 11 

Tem-se, dessa forma, a reverência à teoria maior que, cumpre rememorar, prevê que o pressuposto para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é a existência de fraude ou abuso de direito em relação à pessoa jurídica, constatados por meio do desvio de função desta.

No caso em reverência, houve o preenchimento dos requisitos apontados pelo r. doutrinador Theodoro Jr., haja vista que o TJ/SP foi expresso ao afirmar que a confusão patrimonial estava caracterizada. Não haveria, assim, fundamentação para o indeferimento do incidente da desconsideração da personalidade jurídica pleiteado pelo Banco Recorrente. 

Incontestável, dado ao exposto, a violação dos arts. 133 e 134 do CPC/15.12 

3. DA VIOLAÇÃO A LEI FEDERAL MATERIAL, ART. 50 DO CC/02 

Seguindo o raciocínio do discorrido anteriormente, veja-se a transcrição do artigo que também foi violado pelas instâncias a quo, no caso concreto exemplificado neste artigo: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.13 

Por óbvio que esse artigo traz, aos operadores do Direito, as condições pelas quais a desconsideração da personalidade jurídica pode ser pleiteada, em termos materiais. Em análise sistêmica ao CPC/15, tem-se que o incidente pode ser instaurado quando houver configuração do abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) e que, restando tais requisitos preenchidos, a parte pode instaurar o incidente, devendo (não se trata de prerrogativa!), o judiciário, acatar a sua instauração. Ou seja: os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica são estabelecidos pela lei material, enquanto o diploma processual cuida do procedimento de sua instauração. 

Nos casos cíveis, conforme entendimento do STJ, a desconsideração deve ser regulada pelo art. 50 do CC/0214. Consequentemente, pela mera leitura desse artigo, é inteligível que a inexistência ou não da localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do respectivo procedimento, haja vista que, nas palavras do eminente ministro Salomão, no julgamento do REsp 1.729.554, “é imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.15 

Entretanto, o que se observa, pela leitura do acórdão combatido pelo Banco Recorrente, nos autos n.º 2051930-96.2018.8.26.0000, é o desprezo da caracterização da confusão patrimonial entre as empresas que figuram no polo passivo, e a relevância da “ausência de comprovação de bens da devedora principal”16. Requisito, esse, que jamais esteve presente no art. 50 do CC/02. 17 

Para melhor compreensão do debate, mister a transcrição da fundamentação da decisão combatida pela Instituição Financeira: 

“Neste contexto, a Agravante não possui interesse processual, por ora, para redirecionar a cobrança de dívida com base na sucessão empresarial fraudulenta, sem que antes se proceda à busca de bens da empresa que figura nos autos como devedora, com o fito de cumprir o pressuposto de insuficiência patrimonial.”18 

Perceptível que o TJ/SP reconhece a relação empresarial, a fraude e a confusão patrimonial no caso em tela, ou seja: reconhece o preenchimento do requisito material, previsto pelo art. 50 do CC/02, mas deixa de dar provimento ao agravo aviado pela Instituição Financeira, sob o fundamento de que não teria ocorrido a comprovação de ausência de bens da devedora principal. 

Nesse ínterim, verifica-se que o TJ/SP está utilizando, equivocadamente, da teoria menor subjetiva, a qual deve ser adotada para dirimir relações consumeristas, o que não é o caso em estudo. Aplica-se, aqui, a teoria maior objetiva, sendo crucial, para a instauração da desconsideração, a presença do desvio de finalidade ou confusão patrimonial da empresa devedora. O posicionamento do STJ, nesse sentido, é reiterado: AREsp 347.476/DF, REsp 1419256/RJ, etc.19 

Assim, preenchido os requisitos materiais para a instauração do incidente (comprovação da confusão patrimonial), como bem observou o TJ/SP, não haveria fundamento hábil, seja material, processual ou jurisprudencial, para que o incidente aviado pelo Banco Recorrente não fosse acolhido. 

4. DO ESTUDO DO ACÓRDÃO PARADIGMA REsp 1.729.554/SP. UTILIZADO PELO BANCO NOS AUTOS 1053630-23.2015.8.26.0100. DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ENTRE O TJSP E O STJ. A CONSTATAÇÃO DA AUSÊNCIA DE BENS DA DEVEDORA PRINCIPAL É REQUISITO PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA?

Além de amplamente discutida a violação à legislação federal, há de ser debatido, por fim, o dissídio jurisprudencial entre o TJ/SP e o STJ. 

Veja-se o cotejo do dissídio:

Acórdão que deu origem ao REsp 1.729.554 

Autos de origem: 209691065.2017.8.26.0000

Recorrente: Banco Sofisa S/A

Recorrido: RTR Indústria e Comércio de Confecções 

Efetivamente, a desconsideração da personalidade jurídica visa coibir o uso irregular da forma societária para fins contrários ao direito, com o intuito de se evitar que o conceito de pessoa jurídica seja empregado para de fraudar credores, subtrair-se a uma obrigação existente, desviar a aplicação de uma lei, constituir ou conservar um monopólio ou proteger condutas antijurídicas.

Porém, conforme orientação jurisprudencial do Colendo superior Tribunal de Justiça, para a desconsideração da pessoa jurídica nos termos do artigo 50 do Código Civil, é necessário, além do requisito subjetivo concernente no desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o objetivo de insuficiência patrimonial da devedora. Precedentes citados: REsp 970.635-SP, DJe 1/12/09; REsp 1.200.850-SP, DJe 22/11/10, e REsp 693.235-MT, DJe 30/11/09. REsp1.141.447-SP, rel. min. Sidnei Beneti, julgado em 8/2/2011. 

Desta forma, em razão da ausência de esgotamento de meios para localização de bens, não se constata que o agravante possua interesse processual, por ora, para redirecionar a cobrança de dívida com base em confusão patrimonial e existência de grupo econômico fraudulento, sem que antes se proceda à efetiva constatação quanto à ausência de bens passíveis de penhora, com o objetivo de cumprir o pressuposto de insuficiência patrimonial.20

Acórdão combatido no Recurso Especial aviado pelo Banco 

Autos de origem: 2051930-96.2018.8.26.0000

Recorrente: Banco Daycoval S/A

Recorrido: Cipa Viagens Turismos e Câmbio Ltda. 

A desconsideração da personalidade jurídica visa coibir o uso irregular da forma societária para fins contrários ao direito, exatamente a fim de se evitar que o conceito de pessoa jurídica seja empregado para defraudar credores, subtrair-se a uma obrigação existente, desviar a aplicação de uma lei, constituir ou conservar um monopólio ou proteger condutas antijurídicas.

Não se olvide, contudo, que, segundo entendimento do STJ, para a desconsideração da pessoa jurídica nos termos do art. 50 do Código Civil, é necessário, além do requisito subjetivo concernente no desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o objetivo de insuficiência patrimonial da devedora. Precedentes citados: REsp 970.635SP, DJe 1/12/09; REsp 1.200.850- SP, DJe 22/11/10, e REsp 693.235-MT, DJe 30/11/2009. 

REsp 1.141.447-SP, rel. min. Sidnei Beneti julgado em 8/2/2011. 

Nesse contexto, a agravante não possui interesse processual, por ora, para redirecionar a cobrança de dívida com base em sucessão empresarial fraudulenta, sem que antes se proceda à busca de bens da empresa que figura nos autos como devedora, com o fito de cumprir o pressuposto de insuficiência patrimonial.21 

 

Sem dúvidas que as decisões não são semelhantes, mas idênticas. Entretanto, proferidas, respectivamente, pela 22.ª e 17.ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP. Até mesmo a ordem dos precedentes utilizados, para fundamentar a equivocada decisão, é a mesma.

Para proporcionar e resumir o cotejo analítico, acima relatado, veja-se as ementas do acórdão vergastado pelo Banco e do Paradigma: 

Acórdão Recorrido – TJSP 

SÍNTESE: A comprovação da ausência de bens da empresa devedora é condição sine qua non à instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL Desconsideração da personalidade jurídica Grupo Econômico - Inclusão de empresas no polo passivo da ação a fim de que respondam solidariamente pela dívida Impossibilidade - Ausência, por ora, dos pressupostos legais que autorizam a sua aplicação Necessidade de prévia constatação quanto à ausência de bens passíveis de penhora da devedora original Inteligência do art. 50 do Código Civil - Decisão mantida Recurso não provido.22 

Acórdão Paradigma – STJ 

SÍNTESE: A demonstração da insolvência do executado não é pressuposto de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no art. 50 do Código Civil de 2002 

RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CPC/2015. PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA A INSTAURAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL. DESCONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO.

  1.  A desconsideração da personalidade jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos. 
  2.  O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a operacionalização do instituto de inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts. 133 a 137)
  3.  Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.
  4.  Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica continuam a ser estabelecidos por normas de direito material, cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa, seguindo-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual. 
  5.  Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for cívelempresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. 
  6.  A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração, já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 
  7.  Recurso especial provido.23 

A uma mera leitura do quadro analítico, apura-se a insegurança jurídica. Isso porque, embora o STJ tenha o entendimento pacificado sobre os requisitos materiais para a instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, o TJ/SP os ignora: ignora os requisitos materiais e o entendimento do STJ. Embora a Lei Federal seja clarividente ao prever o direito potestativo, das partes, sobre a instauração do incidente, o TJ/SP também o ignora. E, como visto, continua ignorando, pois, como cediço, essa não é a primeira vez em que é necessária a interposição do Apelo Especial para que a jurisprudência seja uniformizada e sejam respeitadas, principalmente, as decisões proferidas pela Corte Superior Brasileira. 

Diante do exposto, não mais se questiona se a comprovação da ausência de bens do devedor principal é condição sine qua non para a instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica. Não se questiona, porque a legislação federal, tanto material quanto processual, é clara no sentido de que a instauração é um direito potestativo das partes, bastando, apenas a configuração do abuso da personalidade da pessoa jurídica. É dispensável, assim, a insuficiência patrimonial do devedor principal. 

Por fim, a título de informação, cumpre esclarecer que o processo que é objeto deste artigo, encontra-se em fase recursal, AREsp. Aguarda-se, assim, que a Corte Superior aplique o entendimento já exposto pela sua quarta turma, para que a segurança jurídica seja observada. 

______________

1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014.  

2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

3  SÃO PAULO.  29. ª Vara Cível do Foro Central. Processo 0027010-54.2016.8.26.0100 – Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica. Magistrada Valéria Longobardi. São Paulo, 18 dez., 2017. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019 

4 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 201

5 BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019. 

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

8 BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019 

9 Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Volume II. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 54. 

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 20

11 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I. 58 Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017. P. 405. 

12 BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019 

13 BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019. 

14 BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019) 

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

16 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019

17 BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019) 

18 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019 

19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial 347.476/DF. Relator: Raul Araújo – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 17 mai. 2016. Disponível aqui. 

20 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

21 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aquiAcesso em: 16 abr. 2019 

22 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aquiAcesso em: 16 abr. 2019 

23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

______________

BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019. 

BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2019 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial 347.476/DF. Relator: Raul Araújo – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 17 mai. 2016. Disponível aqui.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.419.256/RJ. Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva – Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 02 dez. 2014. Disponível aqui. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.729.554/SP. Relator: Luís Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 jun. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 13 abr. 2014. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Volume II. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 54. 

SÃO PAULO.  29. ª Vara Cível do Foro Central. Processo 0027010-54.2016.8.26.0100 – Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica. Magistrada Valéria Longobardi. São Paulo, 18 dez., 2017. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019 

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo 2051930-96.2018.8.26.0000. Relator: Paulo Pastore Filho. São Paulo, 20 jul., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019 

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I. 58 Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017. P. 405. 

______________

*Paula Tadeu de Faria Assis Araújo é sócia advogada no escritório de advocacia Ivan Mercêdo de Andrade Moreira, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e pós-graduanda pelo Instituto Elpídio Donizetti em parceria com a FEAD.

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