Ele e sua filha Rita apresentam-se regularmente trazendo ao público canções, por ela entoadas e histórias, por ele contadas e sempre conectadas com as letras das músicas. Ambos proporcionam momentos de raro enlevo e emoção. A voz harmoniosa da filha, bem ajustada ao tipo de canção, e as narrativas corretamente adaptadas às letras, por parte do pai nos remetem a outras épocas e nos trazem suaves evocações.
Eu, por exemplo, recordo-me de minha mãe ao violão, cantando com alegria e invulgar entusiasmo muitas das melodias cantadas pela Rita e contadas por ele, seu pai.
As falas do imortal nesses espetáculos, bem como as suas centenas de escritos, em contos, crônicas e nas ficções de seus livros, levam a consultar a minha memória, aliás nem sempre é preciso, pois as recordações brotam espontaneamente. O meu coração ai se abre para amigos, pai, mãe, irmão, parentes, locais, ruas, empório e salão de barbeiro, chácara de meu avô, cadeira de balanço de minha avó, bares, tias velhas, casas com varanda, filmes, cinemas, clubes, futebol, enfim a vida que valeu a pena ser vivida.
A verdade é que nessas falas o meu amigo imortal tem o dom de imortalizar pessoas, locais e situações. Ao contar histórias ele não recorre apenas à sua memória, transmite as sensações e as emoções que elas lhe trazem. Desta forma, as suas narrativas permanecem e se fixam em nosso espírito indelevelmente. E mais, provocam uma identificação pessoal com alguma experiência por nós vivida.
Ao lê-lo quando escreve sobre a sua Araraquara eu me transfiro para a minha Vila Mariana, especificamente, para a rua Stella, a minha encantada rua Stella. O seu afeto pela cidade é tão intenso quanto o meu pela rua. A minha rua, tal como a sua cidade representam a biografia de nossa infância e de nossa juventude. O nosso caráter e a nossa personalidade, creio falar em seu nome, foram forjados nesses locais. Para nós, quase locais sagrados. Disse quase, pois nem sempre as experiências ali vividas eram santificadas . . .
Eu falei das falas do nosso imortal, pois bem, com elas eu também me identifico. Também me trazem doces lembranças. Literalmente doces. Por exemplo, ele faz alusão a um sorvete de sua cidade, assim como à taça na qual era servido. Eu então recordo com emoção do sorvete de nata da “Carioca”, uma panificadora de Santos. Esquina das ruas Epitácio Pessoa e Oswaldo Cruz, no Boqueirão. Até hoje, um igual eu não encontrei. Sei que é o gosto da infância. Mas além da saudosa e gloriosa época, ele era bom mesmo.
A emoção que a lembrança me traz vai além do sabor. O sorvete era tomado sempre em casa, alguém ia comprar e ele vinha em copos altos. Sentávamos no terraço da casa de minhas tias, que moravam em Santos, e reunidos, outros tios e tias, primos, amigos, ficávamos saboreando o sorvete de nata. Confraternização e amizade transbordavam das conversas, brincadeiras, histórias dos mais velhos, entremeadas por risos, por vezes discussões políticas e principalmente futebolísticas, eram todos santistas, salvo o patriarca da família e um dos tios, são-paulinos como eu. Os afetuosos encontros e o sorvete de nata davam doçura e magia a essas inesquecíveis reuniões.
O meu amigo imortal é um desbravador. Desbrava a sua memória sobre Araraquara, sobre São Paulo das décadas de sessenta e setenta, especificamente a vida boêmia desse tempo; desbrava o jornalismo paulistano da mesma ocasião; desbrava atualmente o seu bairro de Pinheiros, e, principalmente, trata-se ele de um desbravador literário. Um bandeirante que percorre o Brasil transmitindo preciosidades de literatura e trazendo riquezas culturais garimpadas pais afora.
Considero-me amigo de toda a vida do meu amigo imortal. Amizade que se estende às nossas mulheres Ângela e Márcia. Quando falo em amizade de toda a vida, não me refiro às marcações do tempo, mas à solidez das nossas afinidades, reciprocamente transmitidas. Não temo dizer, por exemplo, que se eu não tivesse nascido na minha amada São Paulo, gostaria de ter como minha terra natal a Araraquara de Ignácio de Loyolla Brandão, o meu amigo imortal.
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