A proposta de alteração das leis 9.868, de 10 de novembro de 1999 e 9.882, de 3 de dezembro do mesmo ano, para disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar na ação direta de inconstitucionalidade e na arguição de descumprimento de preceito fundamental demonstra uma verdadeira disputa de poder entre o Legislativo e o Judiciário, afetando, por consequência, o Executivo.
O texto de lei aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, em 3/7/18, que agora aguarda aprovação do Senado Federal, retira do ministro do STF o direito de conceder liminar, por decisão monocrática e, ainda, restringe as decisões do presidente do Tribunal, para decisões urgentes, em período de recesso, para conceder liminar na ação direta ad referendum do Tribunal Pleno, que deverá reexaminar a questão em até sua oitava sessão seguinte ao retorno das atividades.
O deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB/MA), autor do projeto, destacou que o objetivo é evitar “traumas na ordem jurídica” e “o maior complicador é que tais decisões [monocráticas] se efetivam, via de regra, em sede de decisões cautelares, precárias por sua própria natureza jurídica o que, indubitavelmente, gerou uma maior insegurança em seu alcance”, disse.
Em casos recentes de atuação do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, proferiu decisão liminar na ADIn 5874, na qual é questionado o decreto de indulto editado pelo então presidente da República, Michel Temer, em dezembro de 2017.
Àquela ocasião a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, havia suspendido o decreto por meio de liminar, durante o período de férias forenses. Com o retorno do recesso, o relator do caso, Luís Roberto Barroso, ratificou os termos da decisão da presidente.
A decisão liminar evitou que fosse dada efetividade ao decreto do presidente, que abrangia os crimes do “colarinho branco” e favorecia alguns condenados políticos, vez que abrandava o tempo de cumprimento de pena e estendia a crimes contra o sistema financeiro nacional.
Com a alteração implementada pelo PL 7.104/17, a decisão da presidente do Tribunal deveria ser reavaliada pelo Pleno em até oito sessões seguintes ao retorno das atividades. Ademais, seria vedado ao ministro relator apreciar o pedido liminar, já que prevaleceria somente a decisão final do Pleno, por maioria dos votos, após ser pautado para julgamento e, depois de todos os votos dos ministros, o que demanda tempo maior de tramitação.
No mínimo se pretende engessar o STF abarrotando-o de decisões colegiadas, gerando eficácia de atos ou leis consideradas inconstitucionais desde a sua concepção, já que impediria qualquer decisão liminar por ato isolado do ministro relator.
Em outro caso o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu liminar na ADIn 5.835 para suspender dispositivos de Lei Complementar Federal relativos ao local de incidência do ISS. O ministro justificou que “essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de ‘tomador de serviços’, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação ou mesmo ausência de correta incidência tributária”.
Mais um exemplo de que decisões monocráticas, em caráter liminar, concedidas por ministros do STF, em razão da urgência e preenchimento de requisitos mínimos, são necessárias para evitar dano à sociedade e a grave insegurança jurídica.
Em contrapartida, a lei 13.105/15, que editou o atual Código de Processo Civil, estabelece poder ao relator do processo, podendo atribuir liminar em pedido cautelar, dada a situação relevante e observando a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Assim, o projeto de lei em questão não guarda relação com a segurança jurídica, mas prevê que uma lei ou ato normativo apontado como inconstitucional possa ter eficácia até que seja efetivamente levada ao Pleno do STF, com votação por maioria dos ministros, a depender de pauta e tempo de tramitação das medidas, prejudicando a sociedade de uma forma geral.
Vale destacar que referidas ações visando ação direta de inconstitucionalidade e descumprimento de preceito fundamental são propostas pelos seguintes legitimados: o presidente da República, a mesa do Senado Federal, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa de Assembleia Legislativa ou a mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o governador de Estado ou o governador do Distrito Federal, o procurador-deral da República, o Conselho Federal da OAB, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Daí percebe-se que o PL em questão não atende a população, mas favorece o interesse político, na atual disputa de poder entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
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*Claudinéia Santos Pereira é advogada, atuante nas regiões centro-oeste, norte, nordeste e sudeste. Sócia da Jacó Coelho Advogados.