Motivos para que os apenados tentem fugir dos presídios são inúmeros. Não é necessário ser especialista em Direito Penal para reconhecê-los. O índice de criminalidade nestes estabelecimentos é altíssimo, talvez até superior a incidência externa; a estrutura física e humana (servidores) é precária, a efetiva presença e poder de mandamus das facções criminosas uma realidade incontestável, o espírito de reconquistar seres humanos inexiste.
Portanto, não raro ocorre o intento fugaz. A Lei de Execuções Penais prevê em seu art. 50, II, a fuga como falta grave. Entretanto, esta punição administrativa só tem razão de ser diante a fuga injustificada. Ou seja, se eventualmente houver justificativa ao ato a defesa técnica deverá diligenciar oportunamente no sentido de afastar o reconhecimento da falta grave ou reduzir suas consequências, quer seja durante o Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD – quer seja em juízo, na audiência de Justificação.
Não é crível, por exemplo, punir pela fuga o apenado que visa garantir sua segurança e integridade física, algo que deveria lhe ser propiciado pelo Estado enquanto sob seu manto punitivo e tutelar, mas que contrariamente está sob o julgo extremado de toda sorte de ameaças e abusos. Levando em consideração tal quadro ilustrativo, o Advogado não pode olvidar de determinados pontos justificantes, como o retorno espontâneo de seu cliente, a reduzida duração da fuga e a ausência da prática delituosa naquele interstício.
Interessante ressaltar que o reconhecimento da falta grave, oriunda da fuga, embora tenha cunho administrativo, em suma assemelha-se a uma nova pena, à medida que se constitui em punição dentro do próprio estabelecimento prisional. Esta é a ideia da chamada Metapena, porquanto submete o apenado a condições mais severas de cumprimento da pena, como a alteração da data-base para a progressão, a perda de até um terço dos dias remidos e a regressão de regime.
Ora, em rápida análise a Carta Magna não conseguimos encontrar qualquer previsão de tais penas. Neste sentido, devemos entender que tais previsões contidas na LEP não foram recepcionadas pela Constituição, embora indiscriminadamente aplicadas, o que na prática configura nítida lesão à coisa julgada, individualização da pena e ao direito adquirido.
Isto posto, afinal a fuga também constitui crime?
Existem dois artigos no Código Penal que nos remetem ao tema abordado. São eles:
Art. 351 - Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 352 - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.
Pois bem, quanto ao art. 351 não há qualquer incidência punitiva ao preso que foge, à medida que é destinado a um terceiro que promove ou facilita sua fuga. Aqui, contrariamente ao que veremos no próximo artigo, não importa se tal promoção ou facilitação se efetiva com ou sem violência, bastando que uma ou outra modalidade ocorra; sendo a violência aqui modalidade qualificada.
Já o art. 352, que tem a pena pela metade em relação ao primeiro, sim, elenca como sujeito ativo da conduta da fuga ou sua tentativa o próprio apenado. Entretanto, interessante notarmos a parte final do dispositivo, que prevê como elementar do tipo penal o uso de violência contra a pessoa. Aqui não temos uma qualificadora ou causa de aumento de pena, mas dispositivo nuclear, sem o qual não há crime.
Neste sentido, se a fuga ocorrer sem qualquer violência à pessoa (em sentido amplo, não necessariamente o agente carcerário, mas qualquer pessoa), a conduta será atípica.
Existem projetos em tramitação no Congresso Nacional que visam à tipificação delituosa da fuga do encarcerado, independentemente se com ou sem emprego de violência a pessoa ou coisa, entretanto atualmente não há previsão nesse sentido.
Elucidado os desdobramentos de eventual violência a pessoa, outro interessante aspecto a ser abordado é quanto ao emprego de violência à coisa pública, ao objeto patrimonial. Será que o constrito em sua liberdade, quando da efetivação ou tentativa de sua fuga, pode praticar crime de dano qualificado, haja vista tratar-se de destruição de patrimônio público, ao destruir ou danificar a cela?
Quanto a isto se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça em 2014, no julgamento do Habeas Corpus 260.350, pela 6ª Turma, com relatoria da ministra Maria Thereza De Assis Moura, onde decidiu que a destruição de patrimônio público (buraco na cela) pelo preso que busca fugir do estabelecimento no qual se encontra encarcerado não configura o delito de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, inciso III do CP), porque ausente o dolo específico, animus nocendi, sendo, pois, atípica a conduta.
Tal entendimento vem sendo pacificado nas decisões dos Tribunais por todo o país. Acertadamente se reconhece que a conduta do dano, que, aliás, não existe em sua modalidade culposa, além de meio necessário para a finalidade almejada, não possui dolo específico. Portanto, a conduta danosa ao patrimônio público é penalmente atípica, restando sua responsabilização criminal somente se presente a violência contra a pessoa.
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*Albanus Frauzino Dias é advogado criminalista.