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O STJ e as oscilações na jurisprudência quanto à cláusula do plano de recuperação judicial que estende efeitos aos devedores solidários

Na hipótese de o plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia de credores contar com cláusula tendente à extensão desses efeitos aos devedores solidários deve tal disposição ser afastada pelo juízo da recuperação em sede de controle de legalidade.

29/4/2019

É amplamente difundido na prática em procedimento de recuperação judicial o entendimento do STJ exarado no RESP 1.333.349/SP, destacado na sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que o processamento da recuperação judicial não obsta a continuidade das ações em trâmite contra devedores solidários da recuperanda.

O indigitado recurso repetitivo ainda deu origem em 2016 à súmula 581 daquela corte, segundo a qual “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.

Essa intelecção foi concebida a partir da interpretação de que a suspensão que prescrevem os arts. 6º, caput, e 52, III, da lei 11.101/05 não é aplicável aos devedores solidários, tampouco a novação de que trata o seu art. 59, caput, notadamente em razão da ressalva expressamente contida no art. 49, §1º, daquela lei de regência, no sentido de que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.

Assim, na hipótese de o plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia de credores contar com cláusula tendente à extensão desses efeitos aos devedores solidários deve tal disposição ser afastada pelo juízo da recuperação em sede de controle de legalidade, sem que isso implique qualquer ofensa à soberania da assembleia.

Esse panorama oriundo do referido precedente não é novidade e tem larga aplicação prática, conforme adiantado, mas a questão ganhou contornos controvertidos a partir de interpretações incautas de decisão posterior e casuística do STJ, proferida no RESP 1.532.943/MT, que não revela superação do entendimento antes fixado.

Sucede que já há cortes estaduais admitindo a legalidade e validade da famigerada cláusula, sob o argumento de que o STJ mitigou a própria jurisprudência no recurso citado no parágrafo anterior, possibilitando a supressão de garantias no plano de recuperação, ainda que inexistente anuência dos credores titulares delas, desde que aprovado o plano pela maioria, apresentando uma interpretação equivocada, na opinião deste autor.

O que se observa é que não houve tal mitigação, tampouco reviravolta no entendimento consagrado e sintetizado na súmula 581, como ficou expressamente esclarecido no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão daquele RESP 1.532.943/MT, para deixar indene de qualquer dúvida que a possibilidade admitida naquele caso concreto era que o plano de recuperação tão somente previsse cláusula de liberação da garantia pessoal ou real prestada pela empresa em recuperação judicial, não por terceiros em favor dela.

Veja-se que constou de forma objetiva que “sobre a propalada necessidade de retificação do julgado, para que não dê margem, segundo a embargante, à divergência do posicionamento firmado no enunciado n. 581 da súmula do STJ, tenho que o aresto embargado não carece de tal providência, bastando, a partir da simples leitura, concluir pelo absoluto respeito ao aludido enunciado.”

Com efeito, portanto, não houve naquele recurso alteração no entendimento assentado no RESP 1.333.349/SP e na súmula n. 581 do STJ.

Entretanto, recentemente o STJ julgou o RESP 1.700.487, conforme acórdão publicado em 26/04/2019, inaugurando novos espaços de controvérsia quanto à supressão de garantias no plano de recuperação judicial, agora sim aparentando efetiva inclinação para deturpações no entendimento antes fixado.

Ainda neste mês de abril de 2019, no STJ foi concedida liminar pleiteada no conflito positivo de competência CC 164.903/PR, em que se determinou a suspensão da execução em curso contra devedores solidários da recuperanda, porque constou expressamente do acórdão proferido, no âmbito do juízo da recuperação judicial em segunda instância, que seria válida a cláusula do plano de recuperação judicial, aprovada pela assembleia de credores por maioria de votos, que todos os credores não mais poderiam prosseguir com qualquer ação contra sócios e terceiros garantidores, mesmo ressalvando que a disposição acerca dos bens particulares dos sócios e devedores solidários não se insere no bojo das questões passíveis de deliberação pela assembleia de credores, citando inclusive o próprio teor da malsinada súmula 581 deste C. STJ, derivada do julgamento de recurso repetitivo.

O cenário apresentado, mormente diante dos citados recursos posteriores ao repetitivo e à súmula e o conflito de competência e a decisão nele proferida, demonstra o poder de repercussão de uma decisão que destoa da jurisprudência sedimentada em sede de recurso repetitivo e a insegurança oriunda.

Essa conjuntura aponta periclitante situação que “derruba os jurisdicionados”, tal como explicou o min.Humberto Gomes de Barros no célebre voto “Banana Boat”. Por ora, a despeito do que decidido no recurso repetitivo e enunciado na súmula, o entendimento não parece mais tão tranquilo.

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*Francisco Tadeu Lima Garcia é advogado e cientista social. Especialista em Direito Tributário. Mestrando em Direito Político e Econômico.

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