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Efetividade da ação de execução: evolução legislativa, jurisprudencial e tecnológica

Partindo da premissa de que o crédito é lícito, líquido e exigível, o ordenamento jurídico fortalece o Estado para que a jurisdição seja exercida de forma a propiciar a efetividade da ação de execução.

29/4/2019

1. Considerações iniciais. Responsabilidade patrimonial

Levando-se em consideração os princípios da efetividade da justiça e primazia do direito do credor, analisaremos em breve passagem os atos ordinários de execução.

No direito civil e processual civil prevalece o caráter da responsabilidade patrimonial do devedor, servindo seus bens como forma de adimplemento das obrigações (art. 391 CC), ou seja, a execução por quantia certa se realiza pela expropriação de bens do executado (art. 824 CPC), consistindo a expropriação em “adjudicação, alienação ou apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos” (art. 825, incisos I, II e III CPC).

O artigo 833 do Código de Processo Civil (incisos I a XII), apresenta o rol dos bens que pela sua natureza ou importância são considerados impenhoráveis para satisfação de dívidas, porém, essa impenhorabilidade não é absoluta, não sendo oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição (§ 1º), bem como não socorre aos equipamentos, implementos e máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária (§ 3º).

Todavia, diante da impenhorabilidade que trata o artigo 833, o código permite que na ausência de outros bens ocorra a penhora dos frutos e rendimentos dos bens que não podem ser penhorados por serem considerados inalienáveis (art. 834/CPC).

2. Penhora de verbas de natureza alimentar do devedor para pagamento de crédito de natureza alimentar

Em relação a proteção das verbas destinadas ao sustento do devedor, de natureza alimentar (salário/remuneração) e aos valores disponíveis em conta-poupança (art. 833, IV e X), ressalta o § 2º do art. 833 que a impenhorabilidade não se aplica à hipótese de pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais.

Assim, quanto às verbas de natureza alimentar do devedor, a jurisprudência dos Tribunais admite a penhora com o objetivo de adimplir crédito relativo a honorários advocatícios, tendo em vista que sua natureza também é alimentar (STJ, AgInt no AREsp 994.681/RJ, DJe 27/06/2017).

3. Dívida de natureza não alimentar. Penhora de verbas de natureza alimentar do devedor

No que se refere aos direitos do credor oriundos de dívida de natureza não alimentar existiu forte divergência entre turmas do Superior Tribunal de Justiça, até recente definição sobre a matéria. 

Os valores referentes a saldo de previdência privada, caderneta de poupança e outros tipos de aplicações e investimentos, embora originalmente possuam natureza alimentar do devedor, em algumas situações perdem essa característica no decorrer do tempo porque não foram utilizados para manutenção do executado no período em que auferidos, caracterizando-se como investimento ou poupança passível de penhora (STJ, REsp 1.121.719/SP, DJe 27/04/2011).

O pensamento dominante sobre a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar é no sentido de que deve ser feita uma análise pelo magistrado caso a caso, “de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar” (STJ, AgInt no REsp 1.500.428/DF, DJe 23/05/2017, p. 4 voto).

Admite-se, assim, a expedição de ofício à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), a fim de que informe a existência de planos de previdência privada (VGBL e PGBL) em nome do executado, procedendo ao bloqueio dos respectivos valores (TJSP, AI 2193893-63.2016.8.26.0000, J. 01.12.2016). 

Tratando-se de salário/remuneração, a regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o executado recebe a sua remuneração pode ser excepcionada “quando o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família” (STJ, AgInt nos EREsp 1.518.169, DJe 22/06/2017).

A possibilidade de penhora de verbas de natureza alimentar do devedor para pagamento de crédito de natureza não alimentar foi definida no julgamento do EREsp 1.518.169/DF (Embargos de Divergência em Recurso Especial – DJe 27/02/2019).

Por maioria, confirmou-se entendimento no sentido de possibilitar que, em situações excepcionais, seja admitida a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, "a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família" (item 4 da Ementa).

Percebe-se que o referido julgamento não interpretou o artigo 833 do CPC/2015, que já nasceu sem a expressão “absolutamente”, afirmando tão somente que os bens listados são impenhoráveis, numa clara sinalização de alinhamento do legislador aos precedentes formados pelo STJ com o objetivo de conferir maior efetividade às ações de execução.

4. Medidas de caráter não patrimonial

Mas, além da perseguição patrimonial, o Código de Processo Civil estabelece medidas de caráter não patrimonial como forma de induzir o executado a cumprir suas obrigações, por exemplo, quando permite que a requerimento da parte o juiz determine a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (§ 3º do artigo 782).

Tal prerrogativa é extensiva à execução definitiva de título judicial (§ 5º, art. 782 CPC), em sintonia com a possibilidade de levar a protesto a decisão judicial transitada em julgado, quando ultrapassado o prazo de quinze dias para pagamento voluntário (art. 517 CPC).

A possibilidade (ou não) de suspensão da CNH e de retenção do passaporte do devedor como atos extraordinários de execução será objeto de análise específica.

5. Atos ordinários de execução

Os artigos 831 ao 869/CPC legislam sobre a penhora, depósito e avaliação dos bens do devedor que servirão para pagamento da obrigação, merecendo uma análise cuidadosa de cada um dos dispositivos.

No que diz respeito aos bens passíveis de penhora, o artigo 835, I manteve a prioridade por dinheiro em espécie, em depósito ou aplicação em instituição financeira. O procedimento da penhora de dinheiro/aplicação financeira se encontra no art. 854/CPC, ocorrendo através do sistema eletrônico BacenJud, que é mencionado adiante em tópico específico.

A penhora de créditos do executado está prevista nos artigos 855/860, permitindo o inciso I do art. 855 que seja determinado ao terceiro devedor que não pague ao executado, seu credor.

 O art. 861/CPC fala da penhora de quotas ou ações de titularidade do executado, enquanto que os artigos 862/865 tratam do procedimento de penhora sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifícios em construção, incumbindo ao juiz nomear administrador-depositário, determinando-lhe que apresente em 10 (dez) dias o plano de administração.

 Para satisfação da obrigação não cumprida, a lei prevê que a expropriação de bens pode ocorrer em relação a percentual de faturamento de pessoa jurídica (artigo 866), autorizando os artigos 867/869 a penhora de frutos e rendimentos de coisa imóvel ou móvel (aplicações financeiras).

Neste aspecto, importante esclarecer que a possibilidade de penhora sobre faturamento não se restringe à empresa (ou atividade empresarial), alcançando outras atividades econômicas não empresariais, tais como: auditores independentes, sociedades de advogados, engenheiros ou médicos (CC, art. 966, parágrafo único); pessoas que exercem atividade rural que tenham optado por não se inscrever na Junta Comercial (CC, art. 971)1.

Há precedentes do Superior Tribunal de Justiça permitindo a penhora sobre faturamento de cooperativas (REsp 782.227/SP, DJe 27/11/2008), assim como de associações, fundações e coletividades não personificadas, como condomínios edilícios (REsp 829.583-RJ, Dje 30/9/2009).

Ainda em relação ao faturamento da empresa, a jurisprudência se firmou no sentido da penhorabilidade de créditos do devedor junto a administradoras de cartões de crédito, conferindo uma equiparação, para fins processuais, entre a penhora do crédito com a do faturamento, concluindo que os recebíveis das administradoras de cartão de crédito têm por origem operações vinculadas à atividade empresarial do estabelecimento, o que autoriza enquadrá-los no conceito de faturamento (STJ, REsp 1.408.367-SC, DJe de 16/12/2014).

A despeito de considerar viável a penhora de recebíveis da empresa, a jurisprudência do STJ assinala que tal medida é de exceção “e reclama a efetiva  demonstração de que foram esgotados todos os meios disponíveis para a localização de  outros bens penhoráveis”, e vem considerando razoável o percentual de “5%, em geral, mas não mais que 10%, a depender do caso, e desde que não inviabilize as atividades da empresa” (AgInt no REsp 1.281.175/SP, DJ 18/05/2018)2.

 É justamente para fortalecer o Estado de instrumentos hábeis à entrega da prestação jurisdicional que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu diversos convênios com amparo na tecnologia da informação para busca de informações úteis aos credores e interessados, tais como os sistemas BacenJud, RenaJud, InfoJud, SREI e SerasaJud.

6. Tecnologia da Informação

A Rede Nacional de Cooperação Judiciária, instituída pela Recomendação Nº 38/2011, do CNJ, foi constituída com a finalidade de imprimir maior fluidez, agilidade e eficácia ao intercâmbio de atos judiciais e de favorecer o exercício de uma jurisdição mais harmônica e colaborativa O conhecimento das funcionalidades de cada sistema é ferramenta primordial para aumentar as chances de êxito do credor nas ações de execução.

6.1. BacenJud 

A penhora eletrônica realizada pelo convênio firmado entre Banco Central do Brasil e Poder Judiciário (BacenJud), hoje prevista no artigo 854/CPC, nasceu como um instrumento a conceder mais efetividade ao processo de execução, dando força à preferência legal do artigo 835, I do CPC. Por meio dele os magistrados protocolizam ordens de requisição de informações, bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados, que serão transmitidas às instituições participantes.

Muitos interessados pedem somente o bloqueio de valores existentes nas contas bancárias, mas o sistema permite que sejam fornecidas informações referentes aos extratos consolidados de contas correntes, contas de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras e demais ativos sob a administração e/ou custódia das instituições financeiras, informações que podem ser úteis, também, para investigar a existência de eventual tentativa de fraude à execução.

Entre as novas funcionalidades incluídas na atual versão 2.0 estão: o bloqueio “intraday”, ou seja, a conta do devedor fica bloqueada pelo dia inteiro, a possibilidade de realizar bloqueios em contas de investimentos prefixados e pós-fixados (como ações em bolsa de valores, Tesouro Direto e outros) e a inclusão das cooperativas de crédito no rol das instituições agora alcançadas pelo sistema.

Há, ainda, o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CSS-BACEN), que permite indicar onde os clientes de instituições financeiras mantêm contas de depósitos à vista, depósitos de poupança, depósitos a prazo e outros bens, direitos e valores, diretamente ou por intermédio de seus representantes legais e procuradores.

6.2. RenaJud 

O Sistema de Restrições Judiciais de Veículos Automotores (RenaJud) agiliza o cumprimento de ordens judiciais de restrição de veículos cadastrados no Registro Nacional de Veículos Automotores, possibilitando a efetivação das ordens em tempo real, pois interliga o Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito.

É comum a obtenção de informação de veículos em nome da parte devedora com anotação de gravame fiduciário ou arrendamento mercantil. Nestas situações, não há possibilidade de ser realizada a penhora, pois a propriedade do bem é do credor-fiduciário ou arrendador, mas o inciso XII do artigo 835 do CPC permite a penhora dos direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia, prática que já era admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 1.171.341/DF, DJe 14/12/2011).

6.3. InfoJud 

O InfoJud é resultado da parceria com a Receita Federal que tem como objetivo atender às solicitações feitas pelo Poder Judiciário, sendo comum a solicitação de dados cadastrais (endereços) e declarações de bens e rendimentos constantes nos últimos 05 anos de pessoas físicas (DIRPF e DITR) e de pessoas jurídicas (DIPJ, PJ Simplificada e DITR).

O credor pode obter informações sobre ações e quotas de sociedades simples e empresárias, de titularidade do CPF e/ou CNPJ dos executados, permitindo a requisição da Declaração de Operações Imobiliárias – DOI, e da Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – DITR.

6.4. SREI e SerasaJud

No ano de 2015 foi criado o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), tendo como objetivo facilitar o intercâmbio de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral. O sistema oferece diversos serviços como pedido de certidões, visualização eletrônica da matrícula do imóvel, pesquisa de bens que permite a busca por CPF ou CNPJ para detectar bens imóveis registrados, entre outros.

Conforme já edito, o juiz pode atender a requerimento do credor e determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, existindo convênio firmado pelo Conselho Nacional de Justiça com a Serasa Experian (SerasaJud), servindo para facilitar a tramitação dos ofícios entre os tribunais através da troca eletrônica de dados.

7. Princípios processuais para garantir a eficácia da execução

O art. 4º/CPC estabelece que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa”.

No caso da ação de execução de título extrajudicial (art. 771/925 CPC), ou cumprimento definitivo de sentença que reconheça obrigação de pagamento de quantia certa (art. 523/527 CPC), o mérito perseguido é a satisfação do crédito líquido e certo em favor do credor, que, conforme artigo 904 do CPC, far-se-á pela entrega do dinheiro ou pela adjudicação dos bens penhorados suficientes para quitação do débito (concretização da atividade satisfativa).

O artigo 5º/CPC afirma que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé, pois, para que a efetividade da jurisdição seja alcançada, todos devem expor os fatos conforme a verdade e cumprir integralmente as decisões judiciais, sob pena de ser caracterizado ato atentatório à dignidade da justiça, passível de sofrer sanções civis e criminais (art. 77, incisos I, IV, §§ 1º e 2º CPC).

O Princípio da Cooperação (art. 6º/CPC) tem o claro objetivo de fortalecer a primazia do mérito. Com base na cooperação, nem mesmo o direito de não produzir prova contra si impede a parte de comparecer em juízo e responder ao que lhe for interrogado; não serve de justificativa para não colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária, muito menos como argumento para não praticar o ato que lhe for determinado (art. 379 CPC).

Referido dever de cooperação é aplicável também aos terceiros, incluindo-se as pessoas que não são partes do processo, sendo texto expresso do artigo 378 que “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”, incumbindo ao terceiro, em relação a qualquer causa, “informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento e/ou exibir coisa ou documento que esteja em seu poder” (art. 380 CPC).

 Enfim, a efetividade do processo de execução relaciona-se, assim, à dignidade do próprio Judiciário, Poder incumbido de fazer atuar o Direito. Isso porque a debilidade dos meios de coerção coloca em risco, em última análise, a própria força do Direito (REsp 783.227-SP, DJe de 27/11/2008, p. 12 do voto).

8. Conclusão. A execução há de ser eficaz

O propósito do texto é demonstrar que, partindo da premissa de que o crédito é lícito, líquido e exigível, o ordenamento jurídico fortalece o Estado para que a jurisdição seja exercida de forma a propiciar a efetividade da ação de execução.

Todas as mudanças buscam este caminho. As modificações na legislação processual civil, a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e o aprimoramento da relação do Poder Judiciário com a tecnologia convergem para a satisfação do crédito.

Ocorre que, mesmo diante de tantos sistemas de informações, por vezes o credor continua sem alcançar a efetividade da tutela jurisdicional, pois não encontra bens de propriedade do devedor suficientes para pagamento da dívida.

Nestas situações, faz-se necessária a realização dos atos não convencionais de execução, que serão analisados em oportunidade posterior.

___________

1 Marcelo Vieira von Adamek, CPC Anotado AASP-OAB/PR, p. 1.395.

2 Sobre possibilidade de penhora do faturamento da empresa: AgInt no AREsp 946.558/RS (DJe 09.11.2016).

___________

*Ricardo Kalil Lage é advogado. É professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco (FACESF); Presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/PE; Membro-Efetivo do Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAP); Consultor do escritório Bruno Vanderlei Advogados Associados; Diretor do INEAP – Instituto Nacional de Ensino e Aperfeiçoamento Profissional.

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