Vai derretendo a Súmula nº 1 do TSE
Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira*
Cabe ao Legislativo elaborar as leis e cumpre ao Judiciário, uma vez provocado, interpretá-las e fazer a sua aplicação no caso concreto. Entretanto, os fatos da vida vão surgindo e nem sempre a legislação tem regra expressa para todas as múltiplas hipóteses. Aí surgem a analogia, os princípios gerais de direito, enfim, todo o arcabouço jurídico que será capaz de indicar qual a solução apropriada e justa à vista dos fatos e do direito posto.
O juiz não pode se esquivar de proferir um julgamento alegando ausência de lei: deverá encontrar a solução utilizando-se dos métodos e caminhos acima referidos.
A evolução da jurisprudência, nessa linha, tem enorme relevância. Aos Tribunais, afinal, antes de a qualquer outro órgão, são levadas questões novas, com outras nuances, à vista de novos costumes, de novos tempos, de nova realidade. Muitas vezes o Legislativo ainda não teve condições de normatizar a hipótese à vista dessas novidades. A jurisprudência, assim, tem o condão de, interpretando as normas, aplicando os princípios, dar a solução justa, muitas vezes alterando radicalmente posições antes fechadas, definitivas, arraigadas.
A revogação de súmulas não é novidade para os operadores do direito. O que ontem era interpretado e decidido de certa maneira, hoje pode ter solução muito diversa. É o direito vivo, pululando, evoluindo.
O Brasil passa por grave crise. Aí estão a descrença, a desconfiança e a desesperança. Corrupção, imoralidade, instituições sendo postas à prova. Poderes políticos em polvorosa.
Eis que, nesse meio, a Justiça Eleitoral começa a dar sinais de inovação. A crise, como sabido, é terreno fértil para o surgimento de soluções que se impõem.
Nos julgamentos relativos às eleições deste ano o Tribunal Superior Eleitoral vem indicando novas tendências. Em alguns julgados, o TSE já superou o que vinha cristalizado na Súmula nº 1 (clique aqui) daquela Corte: “Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar 64/90, art. 1º, I, “g” - clique aqui)”.
Em uma palavra, nos termos do artigo mencionado os administradores que tivessem as suas contas rejeitadas pelo órgão competente seriam inelegíveis, bastando, entretanto, que para se afastar esse óbice, fosse “proposta a ação desconstitutiva” na justiça competente, como está na Súmula nº 1.
Julgando o Recurso Ordinário nº 912, Relator o Ministro César Asfor Rocha, as coisas começaram a mudar no Plenário do TSE. Não seria mais suficiente o simples ajuizamento da ação.
Vieram outras decisões. Na sessão do dia 13 de setembro de 2006, o TSE voltou a enfrentar a matéria. Era Relator o Ministro Gerardo Grossi, que não havia participado do julgamento anterior. A composição do Tribunal era outra, ausentes alguns Ministros Titulares que votaram naquele sentido. O julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Ministro Marcelo Ribeiro, que antecipou entendimento próprio, na esteira de julgados anteriores.
Resumindo a transformação que vem se operando na Corte, disse o seu Presidente, Ministro Marco Aurélio, que a orientação mais recente e elaborada seria no sentido de se exigir um plus: não só o ajuizamento de ação desconstitutiva do ato do Tribunal de Contas, na justiça competente, mas a obtenção, pelo candidato interessado, de algum provimento jurisdicional – cautelar, tutela antecipada – que suspendesse os efeitos da rejeição das contas.
Tal medida – ainda que provisória – evidentemente deveria ser emanada do juízo competente, e não da Justiça Eleitoral.
Com essa evolução, o useiro e vezeiro costume de se ajuizar qualquer demanda, com fundamento ou sem ele, pedindo a desconstituição do ato que rejeitou as contas, não será mais suficiente: o juiz deverá analisar se há fumaça de bom direito, se há verossimilhança, e proferir decisão antecipatória. Com isso, a matéria terá sido devidamente analisada pelo órgão jurisdicional competente e a Justiça Eleitoral exercerá a sua função e aplicará o direito levando em conta o que já decidido em sede própria.
Verifica-se, assim, que estamos no limiar de uma grande inovação, que poderá culminar na definitiva revogação da Súmula nº 1 do TSE.
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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados. Conselheiro Efetivo da OAB/RJ. Juiz Titular do TRE/RJ, na Classe dos Juristas
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