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As novas regras das ações promocionais de “compre e ganhe”

Apesar de sua importância para a economia, as “promoções comerciais” são reguladas por uma legislação desatualizada, marcada por forte intervencionismo estatal e com muitas lacunas que tornam sua aplicação um verdadeiro pesadelo para os Departamentos Jurídicos e advogados atuantes na área de mídia e entretenimento.

25/4/2019

A realização de ações promocionais é uma importante ferramenta de marketing, com presença marcante no dia a dia das empresas, das mais variadas áreas de atuação e segmentos de mercado. Desde que existe comércio, existem promoções de “compre e ganhe”, “junte e troque”, concursos, sorteios e diversos tipos de programas de fidelidade e incentivo, sempre com o intuito de alavancar vendas e promover as marcas e produtos.

Apesar de sua importância para a economia, as “promoções comerciais” são reguladas por uma legislação desatualizada, marcada por forte intervencionismo estatal e com muitas lacunas que tornam sua aplicação um verdadeiro pesadelo para os Departamentos Jurídicos e advogados atuantes na área de mídia e entretenimento.

A única lei federal que regula a matéria (lei 5.768/71), a pretexto de defender a “economia popular”, dispõe ser obrigatório o registro de promoções comerciais (“distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda”) que, em alguma medida, sejam realizadas mediante sorteio, vale brinde ou concurso. Buscando-se uma compreensão histórica sobre o motivo de concentrar no Estado a tarefa de “registrar” promoções, é possível identificar a combinação de um contexto político de alta centralização do controle de atividades particulares no domínio estatal com uma preocupação, legítima no momento histórico em que foi editada a lei, em reprimir atividades como rifas, jogo do bicho, sorteios informais e mecanismos de pirâmide financeira que, na década de 70, já tomavam corpo e ameaçavam o sucesso de planos econômicos pautados no curso forçado da moeda.

Entretanto, de 1971 para cá, muito pouco, ou quase nada, se modernizou na legislação. O Decreto regulamentador é de 1972 (decreto 70.951/72) e nada esclarece quanto à definição de quais promoções comerciais são de fato de registro obrigatório, pois na classificação de “sorteio, vale brinde e concurso” há diversas zonas cinzentas e o acréscimo de que “operações assemelhadas” também se sujeitam a registro não facilita a tarefa de quem tenta interpretar a norma e fugir da conclusão de que absolutamente tudo que se faz em promoções comerciais deve ser registrado. Se em diversas áreas da economia houve uma abertura e descentralização do controle estatal sobre atividades privadas, no campo das ações promocionais a regra que vale ainda é a do “registro” de promoções em órgãos públicos (historicamente, na Caixa Econômica Federal, na SEAE e na SUSEP – o que mudou recentemente, como veremos em seguida).

Quem já teve que registrar uma promoção sabe que o custo envolvido com o pagamento de taxas e contratação de garantias (como títulos de capitalização), aliado à demora na conclusão do registro, totalmente incompatível com a dinâmica do marketing e com a vida curta de determinadas promoções, tornam praticamente uma necessidade buscar, fora dos casos claros de realização de sorteios, meios de se evitar o registro.

Após o início da década de 70, a única regulamentação relevante veio em 2008, justamente para coibir o que, reconhecidamente, era o “mau uso” de uma das poucas brechas legais, que era a caracterização de sorteios como “concursos culturais”. A portaria 41 do Ministério da Fazenda impõe uma séria de restrições à realização dos concursos culturais, que se por um lado descaracterizam como concurso cultural ações de claro sorteio (aquelas em que o sorteado, para ganhar o prêmio, tem que responder uma pergunta pro forma, na linha de qual a marca de margarina que dá mais prêmios para a sua família?), por outro impõe restrições que praticamente inviabilizam os concursos culturais. Para ficar nos exemplos mais gritantes, pois o tema merece um artigo específico, a partir dessa norma um concurso cultural não pode conter qualquer forma de propaganda da promotora além da mera identificação da empresa, os prêmios não podem ser produtos ou serviços do organizador e sequer pode haver “exposição” do participante a produtos, serviços ou marcas da promotora. Qual a contrapartida de quem promove o concurso se nada disso é permitido?

A mais recente regulamentação, em vigor desde o final de 2018, é a Nota Informativa SEFEL 11/18, que foi editada para coibir o uso de uma das mais tradicionais formas de ação promocional não sujeitas a registro: as ações de “compre e ganhe”. Esta regulamentação surge como o primeiro ato da SEFEL (Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria), que foi criada em 2018, como resultado do desmembramento da antiga SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) em duas secretarias, a SEFEL e a SEPRAC (Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência). Com a criação da SEFEL, esta secretaria passou a ser responsável pelas atividades de registro de promoções comerciais que antes eram de competência da Caixa Econômica Federal (CEF), ficando ainda ressalvada a competência da SUSEP para o registro de promoções vinculadas a títulos de capitalização.

De acordo com a Nota Informativa, passa a ser necessária a autorização e registro de ações de “compre e ganhe” quando configurada a presença de ao menos um dos seguintes elementos:

- a distribuição gratuita de prêmios estiver sujeita a limitação de estoque;

- a premiação for aplicável apenas aos primeiros que cumprirem o critério de participação;

- quando houver quantidade fixa de prêmios;

- se a promoção estabelecer qualquer outro critério de participação além da compra dos produtos ou serviços da promotora;

- se a promoção de “compre e ganhe” for “realizada concomitantemente” com alguma outra promoção sujeita a registro;

- a promoção for realizada por mais de uma empresa, com benefício em detrimento de outras; e

- quando condicionar a entrega do prêmio a alguma modalidade de álea ou pagamento pelos participantes, além da compra dos produtos ou serviços da promotora.

Diante dos termos da Nota Informativa, temos algumas situações hipotéticas que ilustram a aplicação da regra de autorização/registro: (i) limite quantitativo de prêmios (os 100 primeiros clientes que comprarem ganham, por exemplo); (ii) limite de um prêmio por CPF; (iii) condicionamento do prêmio a curtidas da marca em redes sociais, compartilhamento de fotos, inscrição no canal oficial da marca no Youtube, etc.; (iv) exigência de que o cliente, além de adquirir o produto/serviço, pague mais algum valor para receber o prêmio (variação da modalidade de “compre e ganhe” conhecida como self liquidate).

Como se vê, as restrições são diversas, tornando praticamente inviável a realização de ação de “compre e ganhe” sem registro. É muito difícil para qualquer empresa criar uma promoção oferecendo brindes sem estabelecer um limite na quantidade oferecida, especialmente se o brinde não for um produto da própria empresa. Uma saída muito utilizada para viabilizar as ações de “compre e ganhe” era a realização de parcerias com a empresa fabricante do brinde, mas até isso parece ter sido “proibido” pela Nota Informativa, com sua redação confusa ao vedar promoção de “compre e ganhe” “realizada por mais de uma empresa, com benefício em detrimento de outras”.

Outra restrição que causa muitas dúvidas é a vedação a que a promoção de “compre e ganhe” “seja realizada concomitantemente com promoção comercial autorizada”. Ao eleger um critério temporal (“concomitantemente”), a SEFEL não estabeleceu nenhuma vinculação do “compre e ganhe” com a outra “promoção comercial autorizada”. Será que o simples fato de uma empresa registrar uma promoção (um sorteio, por exemplo) impediria ela de, ao mesmo tempo, realização ação de “compre e ganhe”? Não parece, nem de longe, uma interpretação razoável.

Vale lembrar que a falta de registro de promoções comerciais, nos termos da lei 5.768/71, pode implicar em multa de até 100% do valor dos bens prometidos como prêmio e a proibição de realizar novas ações promocionais pelo prazo de até 2 anos. A dúvida sobre como aplicar as restrições estabelecidas na realização das ações de “compre e ganhe” pode ter consequências bastante graves.

O fato é que, observando-se esta “Nota Informativa”, ela claramente vai muito além de meramente “informar”. Uma Nota Informativa não pode criar direitos ou obrigações, e a pretexto de “esclarecer a operação de distribuição gratuita de prêmios comumente denominada pelo mercado ‘comprou ganhou’”, a SEFEL torna obrigatório o registro de operação comercial que não se enquadra na lei 5.768/71. A lei trata apenas de quatro tipos de operação (sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada), não dispondo sobre o “compre ganhe”, e tem por finalidade a “proteção à poupança popular”, restringindo a realização de ações comerciais nas quais o elemento sorte ou performance são preponderantes. Nas ações de “compre e ganhe”, não há álea nem competição, pois todos aqueles que participam da promoção são premiados, não havendo a hipótese de o participante não ser contemplado.

Assim, aguarda-se como as empresas irão reagir a essa nova regulamentação (muitos, diante dos exageros das restrições, estão simplesmente deixando de fazer promoções de “compre e ganhe”) e como a recém-criada SEFEL vai aplicar a Nota Informativa, e com qual grau de razoabilidade e rigor. Em havendo autuações e aplicação exacerbada da Nota Informativa, o caminho da judicialização do tema será inafastável. 

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*Marco Gasparetti é sócio de FKG - Forbes, Kozan e Gasparetti Advogados e especialista na área de mídia e entretenimento.

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