Diante da crescente discussão sobre as alterações legislativas para expandir a possibilidade dos acordos judiciais na esfera penal, nos termos existentes em outros países (plea bargain), sobretudo em razão da recente proposta do “projeto de lei anticrime” apresentada pelo atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, mostra-se necessário amadurecer e ampliar as discussões sobre o tema.
Os defensores do projeto supramencionado entendem que a realização de “acordo penal”, e consequente aplicação imediata das penas, desafogará o Poder Judiciário.
Para estes, a confissão do investigado/acusado é suficiente para aplicação imediata da pena, independentemente da instrução penal.
Neste caso, a pena poderia ser fixada, e aplicada, pelo representante da acusação, sendo, apenas, homologada pelo juiz, conforme ocorre nos delitos de menor potencial ofensivo, que são aqueles cujas penas máximas são iguais ou inferiores a 2 (dois) anos.
Importante frisar que, nos delitos de menor potencial ofensivo, o acordo pode ser firmado, independente do reconhecimento da culpa.
Muito embora não seja a intenção da presente discussão, importantíssimo ressaltar que a admissão da culpa e/ou responsabilidade dos delitos, geram consequências relevantes, não só na esfera penal, mas também em outras áreas do direito.
Diante disso, o que chama atenção é perceber que até mesmo os estudiosos mais preparados admitem, e sustentam, como se possível fosse, a necessidade da aplicação de formulas matemáticas para solucionar, como em um passe de mágica, os conflitos jurídicos na esfera penal.
Conforme é notório, as legislações produzidas de afogadilho, com propostas milagrosas, na grande maioria, aumentaram a distribuição de injustiça. Soluções mágicas não são boas opções para acabar com a demora na tramitação dos processos, sobretudo os criminais.
Neste sentido, qualquer mitigação da análise jurisdicional, sem dúvida, aumentará a injustiça, inexistindo a possibilidade de ser admitida, tampouco utilizada, como solução para combater a demora processual.
Assim sendo, mesmo que o investigado/acusado admita a culpa dos fatos imputados (ou investigados), por óbvio, a questão não estará resolvida, tendo em vista que a descoberta da autoria não coloca fim à demanda.
Isso porque, conforme é de conhecimento, a legislação impõe uma pena mínima e máxima para cada crime, existindo, ainda, questões fáticas que podem diminuir ou elevar a reprimenda (circunstâncias atenuantes e agravantes ou qualificadoras).
Da mesma forma, conforme se observa no mundo jurídico, a classificação da conduta pode alterar significativamente a quantidade da pena e, até mesmo, a forma de seu cumprimento.
Neste contexto, existem homéricas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, que sempre existirão, por se tratar de convicções pessoais.
Assim, mesmo com a existência do processo, em casos de simples compreensão, nos quais o investigado/acusado admita a responsabilidade, as divergências continuarão gigantescas. E, com mais razão, nos processos com maior complexidade, as divergências serão ainda maiores.
Neste tocante, poderíamos citar diversos exemplos.
Imaginemos um acidente de trânsito, que resultou em morte, no qual se discute se o crime foi praticado com culpa (existência de imprudência, negligência ou imperícia) ou com dolo (vontade na prática criminosa ou em razão do autor ter assumido a responsabilidade do resultado).
Neste caso, a pena pode variar de 2 a 4 anos, no homicídio culposo no trânsito, ou de 6 a 20 anos, no homicídio doloso, que pode ser, ainda, de 12 a 30 anos, se for considerado qualificado.
Da mesma forma, existe grande diferença de pena nos crimes tributários. Nos delitos financeiros, a pena pode variar de 6 meses a 5 anos, dependendo dos fatos imputados. Além disso, a depender da classificação dada aos fatos, podem se tratar de mero inadimplemento administrativo.
Outro exemplo bem didático são casos que envolvem entorpecente, uma vez que a classificação da conduta pode modificar consideravelmente a pena.
Isso porque, no tráfico de drogas, a pena prevista é de 5 a 15 anos, podendo ser reduzida em 1/6 a 2/3, quando o acusado for primário, possuir bons antecedentes, não pertencer a nenhuma organização criminosa e/ou não se dedicar ao crime (figura privilegiada).
Já a pena aplicada por portar substância ilícita para uso próprio, pode ser uma simples advertência ou prestação de serviços à comunidade.
Assim sendo, nos casos relacionados à entorpecentes, a pena pode variar de uma simples advertência até 15 anos, no regime fechado, sendo crime equiparado a hediondo e, portanto, é imposto por muitos magistrados, ao contrário do que entende o STF, o cumprimento de 2/5 da pena no regime fechado.
Diante destes exemplos, torna-se claro a dificuldade de uma padronização dos julgamentos nos processos penais, uma vez que os processos precisam ser analisados individualmente, levando-se em conta suas peculiaridades.
No cotidiano jurídico, observa-se que a distribuição da justiça não é uma tarefa fácil, tampouco existe uma formula mágica que pode ser aplicada para se chegar a melhor conclusão.
Na pratica, não é difícil encontrar processos em que a denúncia imputa diversos crimes e, depois de finalizada a instrução processual, a própria acusação se convence da existência de apenas um deles, ou mesmo que acusado não foi a autor do delito.
Outrossim, com muita frequência, ocorre a desclassificação de um crime doloso para um culposo, ou a retirada de uma qualificadora, entre outras situações que só se concretizam ao final da instrução criminal.
Importante ressaltar que, conforme se veicula na mídia, em diversos processos ocorrem divergências de convicção entre os magistrados, não sendo raro a reforma de decisões pelas instâncias superiores, situação que demonstra que os mesmos fatos e as mesmas provas podem gerar interpretações diversas.
Neste contexto, resta evidenciada a impossibilidade de se usar formulas mágicas, ou matemáticas, para se pôr fim à demanda.
Na realidade, existe uma grande dificuldade de visualizar o processo como uma garantia contra possíveis abusos e desmandos do Estado.
Ao que parece, esta resistência está arraigada na população, na medida em que, quando se pensa no processo penal, logo se imagina o criminoso mais cruel, ou o político mais odiado, e, por isso, sustenta-se que o procedimento deve ser o mais célere, sem a necessidade de se respeitar as garantias, ou mesmo a desnecessidade de se possibilitar o exercício de defesa plena. Processo para que? Eles são culpados mesmo.
No entanto, quando acontece com um dos nossos entes queridos, ou até mesmo conosco, não parece justo a aplicação dessa “regra”...
O processo, que era visto como a maneira mais rápida para se chegar à condenação, passa a ser tratado como a única forma do exercício de defesa, bem como o único instrumento para a distribuição de justiça ou do reconhecimento da absolvição.
Nestes casos, sentenças ou propostas formuladas pela acusação não serão sequer admitidas. A análise jurisdicional, obrigatoriamente, será atribuição do magistrado.
Diante destes fatos, o pior equívoco seria tentar encontrar fórmulas matemáticas que poderiam ser utilizadas como soluções mágicas para colocar fim às discussões jurídicas na esfera penal.
Ocorre que, a área jurídica, sobretudo na seara criminal, não pode ser tratada como uma ciência exata, ou de maneira simplista.
Isso porque, as questões jurídicas precisam de muita atenção e tentar simplificá-la é um grande erro.
Ademais, resta claro que os processos intermináveis são inadmissíveis, porém é de suma importância encontrar mecanismos que assegurem a rapidez sem comprometer a distribuição de justiça.
Por mais ilógico e custoso que possa parecer, sobretudo para os estudiosos e adoradores das ciências exatas, o devido processo legal, ainda assim, é o único e o melhor procedimento para se garantir a justa análise do caso, e, sem dúvida, deve ser aprimorado e não extinto!
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