Migalhas de Peso

Recuperação judicial do produtor rural

A decisão impulsiona fortemente questão de profundo interesse ao agronegócio e se trata de novo precedente que soma forças a outros tantos no sentido de que o produtor rural individual ou familiar possa requerer recuperação judicial mesmo que as obrigações tenham sido contraídas em nome de pessoa física, conforme brevemente se exporá.

4/4/2019

Recente decisão do STJ proferida pelo min. Marco Aurélio Belizze deferiu em 19/2/19 pedido de tutela provisória 1.920-MT para que débitos contraídos por produtor rural antes de seu registro na junta comercial sejam incluídos em pedido de recuperação judicial. A decisão impulsiona fortemente questão de profundo interesse ao agronegócio e se trata de novo precedente que soma forças a outros tantos no sentido de que o produtor rural individual ou familiar possa requerer recuperação judicial mesmo que as obrigações tenham sido contraídas em nome de pessoa física, conforme brevemente se exporá.

O núcleo da controvérsia cinge-se na interpretação dos dispositivos legais que regem a matéria no momento que estabelecem que somente poderá requerer recuperação judicial aquele que comprovar o exercício regular da atividade por mais de dois anos (art 48, LRF) e demonstrem registro mercantil na Junta Comercial (art. 51, V, LFR). Observe-se que o art. 971 do CC faculta ao produtor rural tal registro, não significando, com isso, que este não exerça atividade empresarial regular.

Conforme se depreende da redação do art. 971 do CC, o legislador admitiu que o exercício de atividade rural de forma profissional enquadra-se no regime do art. 966 do CC, mas não obrigou o empresário rural ao registro mercantil. Assim, não há obrigatoriedade de registro para a pessoa física que exerça a atividade rural de forma habitual, como sua principal profissão.

A LFR estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária (art. 1º da LREF), isto é, quem estiver regularmente inscrito no Registro Público de empresas (art. 51, V, da LREF). No entanto, a ausência de registro, conforme pontua Ivo Waisberg1, não impede a qualificação da atividade do produtor rural como empresarial, nem a regularidade dessa atividade, porque aquele que pratica a atividade rural sem registro exerce, indiscutivelmente, atividade regular, em face da facultatividade do registro.

Nesse aspecto, acrescenta-se que é indiscutível que o registro tem natureza declaratória e não constitutiva, na medida em que não é o registro na Junta Comercial em si que torna o sujeito empresário, mas sim o fato de exercer profissionalmente uma atividade econômica organizada para produzir ou circular bens ou serviços.

Considerando que o produtor rural tem a faculdade de registrar-se na Junta Comercial e, tendo em vista que exerce atividade empresarial rural, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o registro é uma mera formalidade, não podendo ser excluído da recuperação judicial o produtor rural que comprovar o efetivo exercício da atividade por mais de dois anos.

Em suma, ao contrário do que ocorre com o empresário mercantil (art. 967 do CC), o empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão não está obrigado a inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis, segundo texto expresso do art. 971 do CC. Dessa forma, para que cumpra com a exigência do art. 48 da LFR, basta que o Registro Mercantil seja realizado antes da distribuição do pedido de recuperação judicial.

Observa-se que a exigência de exercício da atividade por tal lapso temporal mínimo de dois anos justifica-se para evitar eventual oportunismo de empresas recém-constituídas que, com reserva mental, contraiam um endividamento expressivo visando valer-se de forma indevida dos benefícios da recuperação judicial. A utilização do registro como termo inicial para a contagem de tal prazo mostra-se absolutamente lógico. O que mostra-se ilógico é excluir a possibilidade da recuperação judicial do produtor rural que comprove a atividade regular por período superior a dois anos simplesmente por falta do registro prévio, visto que facultativo.

Com relação à comprovação do exercício regular, a redação do §2ª, do art. 48 da LFR é clara ao admitir, em caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, a comprovação do exercício através da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ). Verifica-se que não há na redação do referido artigo nenhuma limitação dos meios que podem ser utilizados como prova do exercício da atividade. Nesse sentido, o TJ/SP no julgamento recente do AI nº 2251128-51.2017.8.26.0000, admitiu a possibilidade de comprovação da atividade efetiva e regular por período superior a dois anos através de outros documentos que não apenas o DIPJ.

Dessa forma, o produtor rural pode comprovar o exercício regular da atividade por período superior a dois anos de diversas formas, tais como nota de produtor rural, comprovante de recolhimento de tributos, cópias de contratos bancários rurais ou dos quais se denote a natureza da atividade econômica desenvolvida, bem como de documentos contábeis.

A possibilidade de recuperação judicial tem sido admitida pela jurisprudência, a exemplo do recente julgado proferido pelo TJ/SP no AI nº 2251128-51.2017.8.26.0000, no qual o Tribunal deferiu o processamento de recuperação judicial proposta em nome de mais de 13 microempreendedores, reconhecendo a legitimidade dos produtores rurais e apontou que “não é necessária a inscrição na Junta Comercial há pelo menos 2 anos para que o empresário rural possa requerer a recuperação judicial, pois pode fazer prova do exercício da atividade rural por outro meio, que não a inscrição de seus atos constitutivos na Junta Comercial”.

Portanto, a conclusão lógica é que as dívidas em nome das pessoas físicas que foram contraídas no exercício da atividade rural devem integrar a recuperação judicial, sob pena de, na prática, esvaziar a sua viabilidade.

__________

1 WAISBERG, Ivo. A viabilidade da recuperação judicial do produtor rural. Revista do Advogado, São Paulo , n.131, p. 83-90, out. 2016.

__________

 

*Diego Fernandes Estevez é mestre em Direito pela PUCRS e sócio do escritório Estevez Advogados.

 

*Celiana Diehl Ruas é mestre em Direito pela PUCRS e sócia do escritório Estevez Advogados

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

"Se não têm pão, que comam brioche!"

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024