Não há como negar, embora a cultura brasileira já possa reconhecer o e-sports como uma verdadeira modalidade esportiva, que uma das principais questões que tomam conta do cotidiano atual está relacionada a profissionalização da área, que naturalmente acaba por gerar reflexos em diversos pontos, entre eles, como não poderia deixar de ser, os aspectos jurídicos sobre o tema.
Portanto, de início, o primeiro exercício realizado consiste, naturalmente, na comparação entre os direitos que geram em torno de modalidade esportivas assim já incontestáveis, como o futebol e xadrez, com relação ao e-sports.
Logo, direitos sobre a propriedade intelectual, questões trabalhistas, cíveis, tributárias e temas próprios inseridos na lei Pelé fazem parte do debate em torno do e-sports.
Por outro lado, no que pese algum dos temas acima não gerar tanta polêmica, outros ainda são alvo de calorosas controvérsias.
Atualmente tramita projeto que pretende modificar a lei 9.616/98 para incluir, expressamente, os jogos eletrönicos sobre o manto do referido dispositivo legal, eliminando a maioria das questões ambíguas, a exemplo do Direito de Arena, foco do presente artigo.
Referido instituto jurídico está umbilicalmente relacionado ao direito indenizatório, já que decorre do direito patrimonial da imagem de um profissional que exerce atividade desportiva, cuja titularidade pertence as entidades de prática desportiva.
Assim, o Direito de Arena, embora esteja regulado pela lei do Direito Desportivo (lei 9.615/98) possui pontos de interação com diversos outros ramos do direito, já que está assegurado igualmente pelo Direito Civil, possuindo ainda relação com o Direito do Trabalho.
Na legislação, o Direito de Arena, tal como ele é, está previsto no artigo 42 da lei 9.615/98, que prevë a possibilidade das entidades de prática desportiva a possibilidade, de uma forma ampla, de comercializar o direito de reprodução das imagens dos jogadores profissionais durante a emissão, transmissão ou retransmissão, senão vejamos:
“Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem”.
Na prática, vale dizer que referido direito pertence aos clubes, na medida em que, enquanto estiverem dentro do local do espetáculo, ou seja, dentro da “arena”, o profissional envolvido terá sua imagem reproduzida mediante a autorização da entidade com a qual está vinculada.
Logo, por ser verba que está descrita em lei, ainda que a entidade seja titular do direito, há repasse obrigatório para os atletas no montante de 5%, desde que não haja convenção coletiva de trabalho em sentido contrário:
Art. 42. § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela lei 12.395, de 2011).
Nesse sentido, a profissionalização do atleta de jogos eletrônicos é tema que ganha força, pois há polêmicas sobre a obrigatoriedade desse pagamento, posto que, ainda que culturalmente a prática de reconhecer o e-sports como uma modalidade esportiva seja algo já aceito, a eventual ausëncia de uma regulamentação clara traz problemas no cotidiano desses atletas.
Uma dessas questões emblemáticas repousa na natureza jurídica sobre o Direito de Arena, já que há decisões para ambos os lados, ora reconhecendo sua integralização com o salário, ora o afastando, uma vez que pode ser compreendido também como indenização.
De todo modo, corrente que ganha cada vez mais força e novos adeptos repousa no fato de ser desnecessário qualquer espécie de “profissionalização” ou necessidade de regulamentação, haja vista que a aplicação da lei 9.615/98, no cenário desportivo eletrönico, independe, guardado entendimento contrário, de qualquer nova normativa incluindo o e-sports como modalidade desportiva.
E é justamente o que defende Helio Tadeu Brogna Coelho1, um dos expoentes e defensor dessa tese:
“Assim, pelo que foi exposto, verifica-se que mesmo sem a aprovação do projeto de lei 3.450/15, os contratos de cyber-atleta - ressalvadas posições divergentes, já atraem a aplicação da lei desportiva 9.615/98 por sua própria natureza, que trata, dentre os mais variados assuntos, do direito de arena (...)” .
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, é possível encontrar entendimento similar já adotado por confederações de e-sports, a exemplo da Confederação Brasileira de eSports - CBeS2:
“A ausência de uma norma específica não pode impedir a prática da atividade esportiva. Isso porque as manifestações sociais e esportivas sempre são antecessoras a qualquer regulamentação jurídica, e mesmo que necessária dentro de um sistema de organização e regulamentação das práticas no país, é preciso compreender as formas que essa atividade se desenvolve e sua adaptação interdisciplinar entre as demais leis já existentes.
Isso porque a própria lei 9.615/98 possui elementos de definição, regulamentação, direitos e obrigações perfeitamente adaptáveis à prática do eSports e da forma de relacionamento entre os atletas profissionais e suas equipes.Mesmo que algumas adaptações ou formas de aplicar a legislação devam ser observadas de forma específica ao eSports, por se tratar de uma prática disruptiva aos modelos comuns, a essência legal existente na lei 9.615/98 consegue suprir boa parte das lacunas jurídicas que cercam o eSports”.
Portanto, o que antes parecia algo destinado apenas aos denominados jogadores de atividades desportivas, isto é, aquelas reguladas pela lei 9.615/98, começou a ser incorporado para o cenário dos jogos eletrônicos, ainda que discussões em torno da sua natureza, alcance e aplicação sejam alvo de debates na teoria, pois na prática, os contratos com os jogadores podem já prever o pagamento e incidência do Direito de arena.
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2 Clique aqui Acesso em 26.11.2018
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*Caio Franco é advogado especializado em Direito Penal Econômico,pós-graduando em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento e Mídia.