Ainda no início do curso de direito, os estudantes se deparam com a expressão em latim "pacta sunt servanda", a qual, para leigos, pode soar como algo de difícil compreensão em um primeiro momento. Em poucas palavras e direto ao ponto, ela significa que, das partes que celebram um contrato, espera-se que cumpram o que foi pactuado. Nem mais, nem menos.
O direito privado visa a fornecer instrumentos para que os contratantes prevejam ou ao menos possam calcular o futuro. No âmbito empresarial, tal característica se revela como de grande importância, pois afeta diretamente os custos de transação envolvidos na celebração de contratos.
Porém, ninguém consegue prever tudo que pode acontecer em um negócio, destacando-se a emergência da chamada incompletude contratual. Nos contratos de longa duração, o problema é mais visível. Afinal, com o passar do tempo, as circunstâncias da celebração tendem a se modificar, seja por mudanças nos rumos comerciais das partes contratantes ou até mesmo devido a instabilidades político-econômicas. Não são raras as vezes em que tudo isso não encontra previsão contratual.
Em tempos de incertezas, resguardar-se contratualmente sobre fatos imprevisíveis pode facilitar a futura performance contratual e estabilizar relações jurídicas duradouras. Nesse sentido, é importante ter em mente quais são as ferramentas oferecidas pelo direito para lidar com eventos futuros não previstos pelas partes.
Nos sistemas jurídicos de tradição romano-germânica, como o nosso, desempenham papel importante as chamadas cláusulas gerais, estabelecidas em lei, que servem, sobretudo, para ajustar relações jurídicas que se encontram em desequilíbrio. Essa é uma diferença importante com relação aos sistemas de tradição anglo-saxônica, nos quais é comum a prática de contratos em que as partes almejam prever o máximo de situações possíveis, o que resulta na criação de instrumentos contratuais longos, contendo cláusulas contratuais que visam a transformar o futuro em texto escrito.
O apego da comunidade empresária aos instrumentos contratuais de origem anglo-saxônica indubitavelmente influenciou o desenvolvimento da prática brasileira de elaboração de contratos. O mercado já começa a exigir que os contratos não deixem de apresentar soluções para os problemas mais prováveis. Como resultado dessa necessidade, já se pode verificar, na prática contratual, o uso de novas e interessantes metodologias que combatem o problema da imprevisibilidade.
A cláusula de hardship integra este time de instrumentos contratuais que visam a dar mais previsibilidade ao que se espera de um contrato. Estas cláusulas servem para determinar, desde logo, como o contrato deverá se readequar diante de fatos supervenientes em relação ao momento que o contrato foi celebrado.
Também há na nossa prática contratual cláusulas que visam a prefixar valores de câmbio, dando fim à preocupação dos contratantes em relação ao negócio celebrado ser prejudicado por flutuações cambiais – que, como se sabe, são causadas pelas mais variadas razões.
A cláusula resolutiva expressa é outro instrumento útil para contratos empresariais. Essa cláusula permite extinguir a relação contratual se um dos contratantes praticar certa hipótese de descumprimento. Embora presente em grande parte dos contratos, ela ainda é mal redigida na maioria das vezes e, consequentemente, não consegue dar o efeito desejado na hora em que sua aplicação se faz necessária. Entretanto, se elaborada com atenção e de forma mais específica, a cláusula resolutiva pode dar solução ágil e eficiente para situações de descumprimento contratual.
Ademais, é comum que as partes busquem realizar a adaptação de contratos pela via jurisdicional. Considerando que a inserção de cláusulas arbitrais já é uma realidade para contratos empresariais complexos, recomenda-se que as partes delimitem de maneira precisa se o tribunal arbitral a ser constituído em caso de disputa terá jurisdição para adaptar o contrato em discussão.
Assim, hoje em dia, o advogado ou advogada que lida com contratos minimamente mais sofisticados precisa, de uma vez por todas, abandonar o uso de "modelos" contratuais simplistas, facilmente obtidos por meio de uma pesquisa na internet. Além de contribuírem para a depreciação da atividade técnica envolvida na elaboração de um instrumento contratual, tais "modelos" repetem equívocos históricos da nossa prática, dificultando a satisfação das necessidades patentes da comunidade empresária – principalmente em relação a fatos imprevisíveis. Afinal, apegar-se ao "pacta sunt servanda", em tempos de incertezas, facilita – e muito – o controle das expectativas dos contratantes.
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*Fábio M. R. Cavalcante é mestrando em Direito pela Humboldt-Universität zu Berlin, graduado em Direito pela USP e professor de Arbitrageme Direito Empresarial.
*João Pedro Biazi é mestre em Direito Civil pela USP, mestrando em Direito Privado pela Università degli Studi di Roma "Tor Vergata", graduado em Direito pela USP, professor de Direito Civil e sócio do escritório Biazi Advogados.