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Art. 942 CPC/15: pode o novo colegiado analisar toda a matéria, ou só a divergência?

O presente artigo tem por objetivo analisar o entendimento do STJ de que é possível, na técnica de ampliação do colegiado, a apreciação da integralidade do recurso pelos novos integrantes do julgamento.

2/4/2019

Introdução

Buscando reduzir o número de recursos sem prejudicar a segurança jurídica, o CPC/15 extinguiu os embargos infringentes (recurso existia apenas no direito brasileiro, previsto no art. 530 do CPC/731) que eram manejados em face de resultados “por maioria”, para tentar prevalecer as razões do voto vencido e “inovou” ao submeter o resultado não unânime à ampliação do debate, com a regra do julgamento automático prevista em seu artigo 9422. Não se trata, como se percebe pelo texto dos §§ 1º e 2º3, de novo julgamento (muito menos recurso), e sim de uma técnica – sendo esta a sua natureza jurídica (§3º4

O artigo não pretende analisar o ineditismo do legislador ao substituir os embargos infringentes, pela técnica da ampliação do colegiado (segundo Lenio Streck “embargos infringentes com remessa necessária5) e sim discutir a possibilidade de novo colegiado votar a respeito de matéria antes julgada por unanimidade. 

Nesse sentido, surge, de pronto, um questionamento interessante: Como compatibilizar a “ampliação do debate” com o vetusto princípio do tantum devolutum6, ou, na prática, caso o recurso possua outras matérias que, porventura, tenham sido julgadas de forma unânime, devem ficar os novos integrantes do colegiado limitados a matéria sobre a qual houve divergência? 

1. Cabimento da técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942 do CPC/15 

Quando o julgamento do recurso não for unânime (havendo pelo menos um voto divergente), restará impossibilitado o Desembargador Presidente do órgão colegiado de, desde logo, proclamar o resultado, pois, nesse caso, deverá aplicar a técnica de complementação de julgamento, prevista no artigo 942 do CPC. Sobre o objetivo desse novo debate, assim esclareceu o min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por ocasião do julgamento do REsp 1.771.815-SP:  

(...) O prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente (..) (STJ – 3ª Turma, REsp. 1.771.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j. 13/11/18) 

A parte sucumbente não precisa sequer requerer a aplicação do art. 942 do CPC, pois o prosseguimento do julgamento não unânime ocorre de forma automática e obrigatória. Embora haja previsão expressa (nos §§ 3º e 4º) acerca de quais hipóteses ensejam, ou não, a ampliação do julgamento, a questão foi bastante debatida, merecendo Enunciados na I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal (8/17)7 e também no Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC8.

No caso da apelação e do agravo de instrumento, a técnica de ampliação do colegiado se dará no mesmo órgão em que tenha sido iniciada apreciação do recurso, já no caso da ação rescisória, o emprego da referida técnica implica na transferência da competência para outro órgão, previsto no Regimento Interno do Tribunal. Nesse sentido leciona o professor Alexandre Freitas Câmara9

Neste caso, será preciso verificar se o órgão mais amplo é ou não formado pelos integrantes do órgão colegiado que deu início ao julgamento. Figure-se, por exemplo, caso de o julgamento ter sido iniciado em uma das turmas do STJ, prevendo seu regimento interno que a competência será transferida, nessa hipótese, para a Sessão. Ora, como os integrantes da Turma também compõem a Sessão, bastará tomar os votos faltantes. Pode acontecer, porém, de o regimento interno determinar a transferência da competência para órgão com função completamente distinta (por exemplo, seria possível que o regimento interno de um Tribunal de justiça previsse que a competência seria transferida de uma Câmara para o órgão Especial, sendo possível que nenhum integrante daquela seja membro deste). Nesta hipótese, o julgamento deverá ser reiniciado, e os votos proferidos no órgão de menor composição não deverão ser computados. Para que o sistema funcione adequadamente, então, será preciso que neste último caso o resultado não unânime seja proclamado e desse se lavre acórdão, do qual constará expressamente que a competência para o julgamento da ação rescisória estará transferida para o órgão de composição mais ampla. 

Embora o caput do art. 942 do CPC preveja a designação de nova sessão, o §1º estabelece, contudo, que a ampliação automática de julgamento pode ocorrer na mesma sessão, caso existam julgadores em número suficiente para reversão do julgamento não unânime. Enquanto não forem colhidos os votos da nova turma julgadora, o resultado não pode ser proclamado, inexiste a lavratura de acórdão parcial de mérito. 

Sobre a possibilidade de se resolver a questão numa mesma data, isto é, prosseguimento imediato do julgamento, Rodrigo Frantz Becker, citando levantamento feito pelo ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, afirma que 31 dos 32 tribunais da Justiça comum (Federal e Estadual) não possuem cinco desembargadores em suas câmaras/turmas, o que quer dizer que a cada vez que a técnica de julgamento houver de ser adotada, será necessário importar componentes de outros colegiados, que igualmente estarão sujeitos àquela mesma técnica de julgamento, dependendo, também, de julgadores de outros órgãos, e assim sucessivamente10

No “debate ampliado” os julgadores que participaram da votação originária podem modificar o seu posicionamento, sendo que, a despeito dessa previsão legislativa, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva asseverou: “aparentemente tornaria indubitável a possibilidade de alteração dos votos já proferidos”11. Importante mencionar também, que segundo o enunciado 599- FFPC12, a revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a técnica do julgamento do art. 942. 

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves13, há duas grandes inovações na substituição dos embargos infringentes pela técnica de julgamento em análise. Primeiro, não haverá mais razões e contrarrazões após o julgamento por maioria de votos, devendo os julgadores se valerem daquelas interpostas em razão do recurso de apelação ou agravo de instrumento e dos fundamentos do autor (petição inicial) e do réu na ação rescisória (contestação). Segundo, serão revogadas as previsões regimentais que renovam totalmente o órgão julgador dos embargos infringentes, de forma que os julgadores que estiverem envolvidos no julgamento não unânime terão participação obrigatória no julgamento ampliado. 

2. Os limites do novo julgamento segundo recente posicionamento do E. STJ (REsp 1.771.815-SP) 

Os juristas que se posicionaram a respeito deste assunto, em sua maioria, defendem a impossibilidade de os desembargadores convocados para a continuação do julgamento proferirem votos sobre as questões votadas de forma unânime na sessão originária.  

(...) Sorte diversa é reservada aos desembargadores convocados, os quais, a exemplo do que ocorria na apreciação do recurso de embargos infringentes, estão integrando a nova composição para a confirmação e ou alteração daqueles pontos em que não há unanimidade. Desse modo, em tudo que existia julgamento unânime, não estão autorizados novos votos14

Alguns, todavia, entendem que tais votos, direcionados a matéria unânime, seriam desprezáveis, levando em consideração que com a presença de dois novos desembargadores, seria impossível a reversão do julgamento já existente.   

Outros defendem a hipótese de ofensa ao princípio do juiz natural, pois permitiria que julgadores que não foram prefixados como competentes, exercessem o papel judicante. 

Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci15 entende que os novos integrantes do colegiado só podem proferir os votos nos limites da “devolutividade”, pois, caso contrário, ocorreria usurpação do princípio do juiz natural, que prevê um número X de componentes para o julgamento unânime e um número Y para julgar quando configurada divergência sobre algum capítulo da decisão.  

Outrossim, foi sugerido um enunciado (rejeitado pela plenária) na I Jornada de Direito Processual Civil do CJF, com o seguinte teor: "A técnica do julgamento ampliado (art. 942, CPC/2015) aplica-se apenas ao capítulo do julgamento em que houve divergência". 

Com a rejeição do enunciado, prevaleceu a posição de que é sim possível a análise da integralidade do recurso pelos novos julgadores. 

Começando a sanar as dúvidas até então existentes sobre a limitação da matéria a ser analisada na “continuação do julgamento”, o E. STJ, por meio do julgamento do REsp. 1.771.815-SP, decidiu ser possível a análise do recurso como um todo pelos novos integrantes do julgamento, podendo assim, ser também analisada a matéria que havia sido votada de forma unânime. 

No caso concreto, o recorrente afirmava que na primeira sessão de julgamento da apelação, os desembargadores integrantes da Câmara divergiram apenas quanto à extensão do provimento do recurso, porém, foram unânimes ao analisarem o capítulo que versaria sobre a nulidade da sentença, alegando que tal dissidência parcial não configura "julgamento não unânime", e - entre outros argumentos -, que os desembargadores que compunham o órgão julgador original não poderiam ter modificado os votos anteriormente apresentados e que a análise do recurso pelo colegiado estendido deveria se restringir aos capítulos em que há divergência. 

Quanto à possibilidade de os componentes da sessão originária alterarem seus votos não há o que se discutir, pois há previsão expressa no art. 942, §2º, do CPC e, ultrapassado esse ponto, verifica-se que toda a fundamentação para negar provimento ao recurso se concentrou no fato da técnica prevista no 942 do CPC não possuir natureza de recurso (não existe sequer o requisito voluntariedade para tanto). 

Afastou-se, então, a conhecida limitação do tantum devolutum pois, como mencionado alhures, a ampliação do colegiado não consiste em (novo) recurso e sim em “técnica”, de modo que não há se falar em efeito devolutivo. Seguindo esse entendimento já defendia Leonardo Carneiro da Cunha16

Justamente por não ser um recurso, a ampliação do julgamento prevista no art. 942 do CPC não tem "efeito devolutivo". Significa que os novos julgadores, convocados para que o julgamento tenha prosseguimento, não estão limitados a decidir sobre o ponto divergente. O julgamento está em aberto, não se tendo encerrado. Quem já votou pode alterar seu voto e quem foi convocado pode decidir sobre tudo que está pendente de deliberação definitiva. Se o julgador que já proferiu o voto afastar-se ou for substituído, não poderá ter seu voto alterado (CPC, art. 941, § 1º). 

A técnica ora analisada não deve ser encarada como encerramento de um julgamento seguida de outro, mas, sim, como continuidade com acréscimo de novos integrantes, que, por isso mesmo, analisarão o recurso na integralidade, não estando limitados aos capítulos em que houve divergência a motivar o novo debate. 

Não se pode permitir a influência do fantasma dos embargos infringentes, pois a técnica em análise apenas interrompe o julgamento e, como já dito, não o encerra, de modo que os julgadores continuarão discutindo as razões recursais na integralidade, como se tivessem feito um pequeno intervalo (quando postergados para uma segunda sessão). 

Dessa forma, ausente o efeito devolutivo, repita-se, que é exclusivo de recurso e o esclarecimento de que não se deve fantasiar a existência de dois julgamentos, não existe a possibilidade de se falar em ofensa ao princípio da segurança jurídica, que poderia ser em algum momento levantada. 

Como se percebe, então, a ampliação do julgamento não possui objetivo de simplesmente ampliar o quórum para decidir sobre a matéria divergente, mas sim proporcionar um aprimoramento no debate, já que não houve consenso na turma julgadora originária.  

Conclusão 

Diante da implementação da técnica de ampliação do colegiado, verifica-se que até mesmo por possuir natureza jurídica de técnica e não de recurso, não é aplicado o efeito devolutivo, de modo que os novos julgadores podem debater e votar levando em consideração a integralidade do recurso e não apenas a matéria inicialmente divergente. 

Logo, não há qualquer nulidade processual, procedimental ou ofensa a princípios constitucionais, o fato de os julgadores resolverem no julgamento continuado alterar as matérias anteriormente decididas de forma unânime, já que o julgamento não foi encerrado - apenas postergado - e, além disso, os desembargadores que compunham a sessão originária também podem alterar seus posicionamentos (ressalvada a hipótese do art. 941, §1º), ou seja, no julgamento continuado tudo pode mudar. 

__________

1 CPC/73 – Art. 530: Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) 

 2 CPC/15 – Art. 942: Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. §  

3 CPC/15 – Art. 942: (...) § 1o Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado. § 2o Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento. 

4 CPC/15 – Art. 942: (...) 3o A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: (...). 

5 O que é isto - Os novos embargos infringentes? Uma mão dá e a outra...

6 O princípio do tantum devolutum quantum appellatum é manifestação do princípio devolutivo. Assim, pelo referido princípio, a parte dispõe do seu direito para apelar somente daquilo que desejar (evidentemente, no limite do que perdeu) e o Tribunal, em atenção ao princípio da inércia, somente poderá conhecer da parte do julgado que foi atacada pelo recurso. (Art. 515 do CPC/73 – Art. 1.013 do CPC/15) 

7 CJF – I Jornada de Direito Processual Civil:  Enunciado 62 – Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança. Enunciado 63 – A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado. 

8 FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis: Enunciado 552 - Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais. 

9 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 454. 

10 Artigo 942 do novo CPC pode massacrar a divergência nos julgamentos

11 STJ – 3ª Turma, REsp. 1.771.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j. 13.11.2018 

12 FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis: Enunciado 599 - (art. 942) A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942. (Grupo: Ordem do processo nos tribunais e regimentos internos) 

13 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 10.Ed. Salvador: JusPodivm,2018. p.1433.

14 Tereza Arruda Alvim Wambier... [et al.]. Breves comentários ao novo código de processo civil/coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.344. 

15 Limites da devolução da matéria objeto da divergência no julgamento estendido

16 O julgamento ampliado do colegiado em caso de divergência (CPC, art. 942) e as repercussões práticas da definição de sua natureza jurídica

__________

*Gabriela Soares Cavalcanti é advogada do escritório Chalfin, Goldberg, Vainboim & Fichtner Advogados Associados.

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