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Novas regras endurecem nomeação de cargos e funções comissionadas

Pela leitura do decreto 9.727/19, há vontade do governo em dificultar o acesso a cargos públicos. Contudo, apesar do clamor público que o tema possui, na medida em que aparenta gerar maior legitimidade e profissionalização dos cargos, o que se percebe é que as nomeações exclusivamente políticas não serão afetadas. O apadrinhamento de cargos não foi tratado e tampouco se ratificou a impossibilidade da prática de nepotismo.

26/3/2019

Foi publicado recentemente o decreto 9.727/19, editado pelo presidente Jair Bolsonaro, que pretende endurecer as regras de nomeação de cargos comissionados, funções comissionadas e cargos de direção e assessoramento superiores na Administração Pública Federal. Como critérios gerais para a ocupação desses cargos, definiu-se que o seu ocupante precise ter idoneidade moral e reputação ilibada, perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado e não ser enquadrado nas hipóteses previstas na Lei da Ficha Limpa.

Com isso, os membros do Congresso Nacional, deputados e senadores, governadores e vice-governadores, prefeitos e vice-prefeitos que tenham perdido seu mandato por infringência a uma das vedações constitucionais que lhes são atribuídas no artigo 54 da Constituição Federal  - firmar ou manter contrato com autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou concessionária de empresa pública, por exemplo -, assim como toda e qualquer pessoa que tenha representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou decisão de 2ª instância, além de toda e qualquer pessoa que tenha sido condenada, em decisão transitada em julgado ou decisão de 2ª instância, pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;  de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando, não poderão ser nomeadas para ocupar os cargos em comissão ou de direção e assessoramento ou em função de confiança.

Além dessas hipóteses, a Lei da Ficha Limpa contempla outras impossibilidades, como os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, os que forem excluídos do exercício da profissão por decisão sancionatória do seu órgão profissional e até mesmo aqueles que tenham envolvimento com processo de liquidação judicial ou extrajudicial de estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro.

A despeito da grande vastidão de tipos previstos na Lei da Ficha Limpa, que o decreto 9.727/19 considera como inviabilizadores da nomeação para cargos temporários, a responsabilidade pela aferição dos critérios caberá à autoridade responsável pela indicação. Assim, o processo de nomeação ou designação será encaminhado a quem é responsável por promove-lo, devidamente instruído como o currículo e com informações e justificativas que comprovem o cumprimento dos critérios.

Contudo, essas informações serão prestadas pelo candidato que pretende ser nomeado, respondendo por sua veracidade e integridade. Não há uma comissão para realizar esse controle interno ou um processo de auditoria que apure o cumprimento dos requisitos. O candidato o informa à autoridade, que é responsável por auferir o cumprimento e a nomeação ocorre, caso haja regularidade ou aparência de regularidade.

Importante evidenciar que há critérios ainda mais específicos para a ocupação de cargos, de acordo com o seu nível. Assim, os cargos DAS e FC níveis 2 e 3, precisarão possuir experiência profissional de, no mínimo, dois anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, um ano; possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função; ser servidor público ocupante de cargo efetivo de nível superior ou militar do círculo hierárquico de oficial ou oficial-general; ou ter concluído cursos de capacitação em escolas de governo em áreas correlatas ao cargo ou à função para o qual tenha sido indicado, com carga horária mínima acumulada de cento e vinte horas. Perceba que esses critérios não são cumulativos, haja vista que basta que o candidato contemple um deles.

Já para os cargos DAS e FC nível 4, exige-se: experiência profissional de, no mínimo, três anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, dois anos; ou possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função.

Por fim, para os cargos DAS e FC níveis 5 e 6, os mais altos do Poder Executivo Federal, será necessário atender a pelo menos um dos seguintes critérios: experiência profissional de, no mínimo, cinco anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS de nível 3 ou superior em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, três anos; ou possuir título de mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função.

Entretanto, esses critérios de experiência e competência poderão ser dispensados pelo Ministro de Estado titular do órgão onde ocorrerá a nomeação, em razão das peculiaridades do cargo ou do número limitado de postulantes para a vaga.

A seleção desses candidatos poderá ocorrer pela realização de processo seletivo, mas a Administração Pública não se vinculará a esse resultado, haja vista tratar-se de cargos de natureza ad nutum e de confiança, cuja nomeação é ato discricionário.

Pela leitura do decreto 9.727/19, há vontade do governo em dificultar o acesso a cargos públicos. Contudo, apesar do clamor público que o tema possui, na medida em que aparenta gerar maior legitimidade e profissionalização dos cargos, o que se percebe é que as nomeações exclusivamente políticas não serão afetadas. O apadrinhamento de cargos não foi tratado e tampouco se ratificou a impossibilidade da prática de nepotismo.

A despeito da tentativa de inovar, o Governo Federal deveria se comprometer com a ocupação de cargos pela realização de concursos públicos, e a concessão de cargos em comissão, preferencialmente, aos servidores de carreira, de forma a afastar o efeito nefasto que os processos de terceirização, autorizados pelo Supremo, poderão gerar na administração da coisa pública. Também é importante que a Administração Pública se ocupe em garantir uma previdência pública que garanta a subsistência de seus servidores, e não a transferência da dívida pública aos mesmos, além da instituição de critérios de elegibilidade inalcançáveis.

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*Leandro Madureira é advogado de Direito Público e Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.

 

 

 

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