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O crédito tributário na recuperação judicial: A (im)possibilidade da prática de atos constritivos e expropriatórios em sede de execução fiscal

O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.

22/3/2019

A lei 11.101/05, ao regular o instituto da recuperação judicial, tem como objetivo precípuo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor empresário, respaldada no princípio da preservação da empresa.

Sob o prisma da lei recuperacional e, máxime, do Código Tributário Nacional, consignou-se, expressamente, que o crédito tributário, dotado, em regra, de incontestável indisponibilidade, não será objeto de transferência e/ou renúncia, o que, por conseguinte, afasta a sua sujeição aos efeitos da Recuperação Judicial, uma vez que, acaso assim não o fosse, os efeitos da novação alcançariam dito crédito.

Com efeito, seguindo a expressa previsão constante no art. 187 do Código Tributário Nacional, bem como no art. 29 da lei de Execuções Fiscais, o legislador recuperacional prevê a continuidade das execuções fiscais promovidas em desfavor do devedor, as quais, ressalvada a hipótese de concessão de parcelamento, não serão suspensas em virtude do deferimento do processamento da Recuperação Judicial. É o que se extrai da singela leitura do §7º do art. 6º da lei 11.101/05.

Ocorre que, malgrado a legislação vigente institua a autonomia da execução fiscal no procedimento recuperatório, os tribunais pátrios têm flexibilizado a abrangência de seu efeito, de modo a abrandar, também, a preferência conferida ao crédito tributário que, por óbvio, não pode tolher da recuperanda a possibilidade de cumprimento do respectivo plano.

Nesse contexto, a partir de uma interpretação sistemático-teleológica, o STJ fixou o entendimento no sentido de que os atos constritivos e expropriatórios, que visem à satisfação do crédito tributário assumido pelo devedor empresário em Recuperação Judicial, não poderão ser praticados pelo juízo da execução fiscal, devendo ser submetidos ao crivo do juízo recuperacional.

A esse respeito, registra-se que as reiteradas decisões proferidas pelo STJ culminaram na edição do enunciado 7, publicado na edição 37 da Jurisprudência em Tese do STJ, no sentido de que o deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.

Questiona-se, em um primeiro momento, se a impossibilidade de continuidade da pretensão executiva fiscal, ainda que, teoricamente, não suspensa, se coadunaria com as prerrogativas conferidas ao crédito tributário, uma vez que, obstar a adoção de atos constritivos e/ou expropriatórios, no curso da execução fiscal, poderá significar, na prática, suspender o processo executivo.

Aliás, a despeito das inúmeras decisões proferidas pela Colenda Corte Superior, a matéria ainda vem sendo debatida perante os Tribunais Estaduais que, não raras as vezes, fundamentados na impossibilidade de suspensão da execução fiscal, deixam de acolher os pleitos voltados a obstar as constrições e as expropriações decorrentes da pretensão executiva fiscal1.

Ao que tudo indica, ao menos no âmbito do STJ, o entendimento será pacificado, uma vez que, no ano passado, a referida Corte suspendeu o processamento dos feitos que envolvem tal controvérsia, para fins do julgamento de três apelos, os quais serão apreciados sob o rito dos recursos repetitivos2.

A divergência existente cinge-se, basicamente, na dicotomia representada, de um lado, pela supremacia da execução fiscal, que visa resguardar o indiscutível interesse público representado pelo crédito tributário3 e, de outro lado, pelo também inegável interesse público e social inerente aos procedimentos recuperacionais, consubstanciados, notadamente, no princípio da preservação da empresa, com a consequente manutenção da atividade empresarial e da fonte produtora, bem como dos postos de trabalho, além da satisfação da comunidade de credores.

É certo que a lei 11.101/05 atenuou o viés privatístico conferido ao revogado instituto da concordata, concebendo um procedimento harmônico aos preceitos constitucionais que regem a atividade econômica e que, em última instância, objetivam o desenvolvimento da coletividade.

Nesse contexto, as recentes decisões da Colenda Corte Superior homenageiam o princípio da preservação da empresa, de modo a impossibilitar o bloqueio de ativos financeiros e a realização de hastas públicas que retirem das recuperandas a posse de bens primordiais ao regular seguimento de suas atividades4.

Sob essa ótica, entende-se apropriado o posicionamento firmado pelo STJ, especialmente se considerado que, para que seja impossibilitada a adoção de atos constritivos e expropriatórios que visem à satisfação do crédito fiscal, tem o devedor empresário o onus probandi de demonstrar que, de fato, aquele determinado ato obstará a continuidade de sua atividade empresarial. Não basta, portanto, a mera alegação de violação ao princípio da preservação da empresa, tornando-se imperiosa a comprovação cabal do risco de comprometimento do procedimento recuperacional.

É certo, outrossim, que o conceito de bem essencial é dotado de considerável subjetividade, de modo que, em muitos casos, os devedores empresários buscam se escudar em tal proteção para, unicamente, retardar o regular prosseguimento da execução fiscal, subvertendo-se, assim, a correta aplicação do princípio da preservação da empresa.

Por outro lado, a interpretação legalista que permite ao Fisco prosseguir com os atos constritivos e expropriatórios no bojo da execução fiscal compromete, sobremaneira, o processo de soerguimento do devedor empresário e, sobretudo, inviabiliza a implementação do próprio instituto da Recuperação Judicial.

Em suma, ainda que não consolidado, o entendimento majoritário do tema sob análise prestigia o princípio da preservação da empresa e se coaduna com as demais diretrizes implementadas pela lei 11.101/05, eis que, de fato, possibilita a efetiva e concreta viabilidade de soerguimento da empresa, sem, contudo, retirar do Fisco a possibilidade de receber o crédito que lhe é devido.

Não obstante as reiteradas decisões do STJ, o momento atual – com a tramitação do PL de lei  18/16, que tem como escopo implementar alterações substanciais na lei 11.101/05 – apresenta-se oportuno para a consolidação de tal posicionamento, por meio de mudanças legislativas que corroborem o entendimento jurisprudencial dominante.

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1 Nesse sentido foram as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento dos Agravos de Instrumento autuados sob os ns. 2115804-89.2017.8.26.0000 (Rel. Des. Rubens Rihl. Diário de Justiça Eletrônico. São Paulo, 23 ago. 2017) e 2135827-56.2017.8.26.0000 (Rel. Des. Renato Delbianco. Diário de Justiça Eletrônico. São Paulo, 29 set. 2017), assim como pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento n. 0007364-42.2016.4.03.0000 (Rel. Des. Fábio Prieto. Diário de Justiça Eletrônico. São Paulo, 21 dez. 2017).

2 REsp n. 2017/0226711-8, REsp n. 2017/0158996-9 e REsp n. 2017/0226694-2.

3 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 704676/SP. Rel. Min. Carmen Lúcia. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 12 nov. 2012.

4 Conforme decisões proferidas nos autos do AgInt no AREsp n. 1053565/RS (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 11 mai. 2017), REsp n. 1659669/RS (Rel. Min. Herman Benjamin. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 12 mai. 2017) e AgInt no REsp n. 1612859/RS (Rel. Min, Francisco Falcão. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 17 ago. 2017).

É relevante mencionar, ainda, que tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 7366/2014, cujo objetivo é, justamente, alterar a Lei vigente para obstar a adoção de atos constritivos e expropriatórios em desfavor do devedor empresário, sujeito ao procedimento recuperacional, em virtude de execuções fiscais movidas pelas autoridades fazendárias.

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*Natália Cristina Chaves é professora de Direito Empresarial da Universidade Federal de Minas Gerais.

*Lucas Badaró Guimarães é advogado e sócio do escritório Passos Sociedade de Advogados.

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