A operação Lava Jato que simboliza a luta contra o Petrolão - maior escândalo de corrupção da história do Brasil e comprovadamente um dos maiores do mundo contemporâneo, pois estima-se que os prejuízos financeiros dele decorrentes seriam superiores a 45 bilhões de reais – completa 5 (cinco) anos em março de 2019.
Uma provocação possível para tentar prospectar os próximos passos e etapas, não somente da Lava Jato, mas principalmente da cruzada anticorrupção brasileira por ela estimulada é: o que ainda precisa ser feito para tornar o combate à corrupção no país mais efetivo, em termos de investigação, processamento e responsabilização daqueles agentes públicos e privados envolvidos em atividades de desvio de recursos financeiros e enriquecimento ilícito, com danos aos cofres públicos e à população em geral?
Para começar, essencial é destacar que embora seja possível apontar excessos de atuação aqui e ali, o modelo investigativo de força-tarefa empregado pela Lava Jato, marcado pela cooperação interinstitucional do Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita Federal e Magistratura Federal – e em vários momentos cooperação internacional e transnacional com órgãos similares de países como Suíça e Estados Unidos - é indubitavelmente o modelo mais exitoso e por isso mais propício a alcançar efetividade nas operações anticorrupção no Brasil.
Ainda em números de 2018, a Lava Jato é apontada como responsável por recuperar mais de 13 bilhões de reais para os cofres da Petrobrás, isso sem considerar outros acordos e ações judiciais levadas a efeito pela Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, e outros órgãos, que passaram a atuar após a eclosão do escândalo, às vezes de modo autônomo, às vezes em parceria com a Lava Jato.
Entretanto, esta constatação que ao mesmo tempo representa motivo de elogio – o modelo de força-tarefa anticorrupção há de ser estimulado e propagado não somente em nível federal, mas sempre que possível nos níveis estaduais e municipais – igualmente enseja certa preocupação, pois é fato notório que a Lava Jato vem passando por um processo de acentuada institucionalização, configurando segundo muitos uma estrutura organizacional e funcional autônoma, ou pelo menos com forte independência em relação aos próprios órgãos dos quais seus agentes fazem parte.
Exemplo deste recente capítulo da “instituição Lava Jato” é o acordo que o MPF do Paraná firmou com a Petrobrás –
Esta “institucionalização” e independência da Lava Jato é boa para o futuro do combate à corrupção no país, ou enfraquece os órgãos públicos que constitucional e legalmente detêm os melhores atributos e competências para esta finalidade?
Outro ponto que merece atenção é que, embora em nível federal a Lava Jato tenha realizado inúmeras ações anticorrupção, inclusive fomentando outras operações dela decorrentes ou nela inspiradas - todas com resultados bastante plausíveis! – não se assiste no âmbito das Polícias Civis e dos Ministérios Públicos estaduais um esforço e projeção no mesmo sentido e extensão. Ainda são pífias as operações de nível estadual que nem de longe têm a repercussão que tem a Lava Jato e operações federais similares, e talvez isso se deva à falta de estrutura e organização destes órgãos; forte dependência das Polícias Civis em relação ao Poder Executivo estadual; baixa capacitação, motivação e especialização desses agentes em ações anticorrupção. Este é um quadro deficitário que atualmente encobre parte considerável dos inúmeros desvios de recursos e conluios ainda perpetrados por agentes públicos e privados em Estados e Municípios brasileiros, e que demanda soluções rápidas e eficazes.
No que diz respeito à atuação do Judiciário, não há dúvidas de que merecem aplausos a seriedade no tratamento e a renovação jurisprudencial das matérias ligadas ao enfrentamento anticorrupção que vem ocorrendo sobretudo nos Tribunais Regionais Federais e Superior Tribunal de Justiça incumbidos de julgar os recursos judiciais dos condenados e julgados no âmbito da Lava-Jato. Todavia, ainda não percebemos uma real especialização dos magistrados estaduais e mesmo federais, em nenhuma instância – por exemplo, via criação de Varas Especializadas em Crimes de Lavagem de Dinheiro, Crimes Organizados e de Corrupção – que obviamente já deveria ter sido objeto de análise dos Tribunais, ao menos em sede de política judiciária.
Afora isso, com exceção dos casos Lava Jato, os processos continuam morosos, e não são poucos os casos em que é decretada a prescrição dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro ou redução das penas por força da idade avançada dos condenados, o que é péssimo em termos de avaliação da opinião pública quando o tema é corrupção e impunidade.
No que diz respeito à atuação do STF, muitas decisões essenciais foram tomadas nestes anos de avanço da Lava Jato, com destaque para a constitucionalidade das delações premiadas, restrição do foro privilegiado para agentes políticos, cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância. Um tema que precisa ser decidido com urgência é a prevalência da competência para a análise inicial dos crimes de caixa 2 entre a Justiça Comum e a Justiça Eleitoral. Se a competência ao final for prolatada a favor da Justiça Eleitoral, há risco real de aniquilamento da própria Lava Jato, uma vez que este “conflito” é recorrente em inúmeros dos fatos ali investigados.
De outro lado, nos inquéritos e processos criminais de competência originária, a atuação do STF prossegue sendo alvo de críticas contundentes, pois nestes cinco anos praticamente não houve julgamento de agentes políticos envolvidos em processos da Lava Jato, o que faz crescer consideravelmente a percepção de impunidade generalizada dos “corruptos poderosos”.
Ademais disso, resta não resolvido o difícil tema da investigação e processamento, não somente de juízes, desembargadores e ministros supostamente envolvidos em práticas de corrupção, mas também de ministros e conselheiros de Tribunais de Contas, agentes públicos de alta cúpula e até advogados. Esta é uma barreira que o Judiciário precisa transpor para que não pairem dúvidas sobre a sua verdadeira intenção de contribuir ativamente para a redução dos altíssimos índices de corrupção e impunidade ainda dominantes na opinião pública brasileira. Este não pode mais ser um “tema proibido” no Judiciário, cujo protagonismo na luta anticorrupção foi fortemente impulsionada pela Lava Jato.
Entendo que a maior transparência dos assuntos públicos, hoje evidenciada também em virtude da Lava Jato, aliada ao combate da corrupção, violência e crime organizado, todos temas alçados ao topo da Agenda Pública brasileira – inclusive orientando fortemente o resultado das eleições gerais de 2018 – trazem consigo a obrigatoriedade de enfrentamento dos pontos de atenção acima expostos. Tais pontos, ao lado de muitos outros, provavelmente foram considerados para que em 2019 o Brasil descesse para sua pior colocação no ranking do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional que avalia 180 países: o país ocupa agora uma triste e vexatória 105ª posição, em companhia de Argélia, Armênia, Costa do Marfim, Egito, El Salvador, Peru, Timor Leste e Zâmbia ...
Finalmente, não podemos fechar um balanço dos cinco anos da Lava Jato sem registrar que a ela coube impulsionar e fortalecer – em conjunto com a edição e aplicação da lei federal 12.846/13, a lei anticorrupção-LAC - o movimento de renovação na forma de condução dos negócios público-privados no Brasil, representada pela nova cultura do compliance. Setores privado e público devem envidar todos os esforços para tornar suas ações aderentes à lei, ao Direito e à ética, prevenindo riscos e condutas fraudulentas e desviantes, além de responsabilizar direta e exemplarmente todos os envolvidos.
Também no setor público a Lava Jato surtiu efeitos extremamente positivos, disseminando políticas de governança e de integridade de órgãos e entidades públicas. Depois da LAC e do escândalo do Petrolão, vieram a lei federal 13.303/16 e o decreto 8.945/16 estabelecendo novos padrões de atuação e controle para as empresas estatais, notadamente a partir das noções de governança e integridade. Ainda no plano federal, veio o decreto 9.203/17 que amplia estes novos standards para a Administração direta, autárquica e fundacional.
No que diz respeito à prática da advocacia, a Lava Jato reforçou os ideais da ética profissional e estimula a formação de uma nova geração de advogados, os quais aceitam o desafio de permanentemente apoiar a propagação dos ideais de uma real competitividade em todos os setores do mercado em que atuam, afastando práticas consideradas espúrias que aniquilam a concorrência saudável entre as empresas.
Os 5 anos da Lava Jato merecem aplausos. No enfrentamento da corrupção no Brasil, a Lava Jato é um marco de suma importância, não mais sendo possível ignorar “o elefante na sala”. Sem prejuízo disso, a experiência pós-Lava Jato ainda está sendo vivida, e todos percebemos como é extensa e repleta de percalços a trilha rumo ao combate efetivo da corrupção. A Agenda Nacional Anticorrupção avançou sobremaneira em virtude da Lava Jato, e todos estamos muito mais conscientes do cancro que a corrupção representa para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Contudo, devemos permanecer vigilantes e proativos: o combate à corrupção não é uma tarefa exclusiva da Lava Jato e operações similares, e sim um dever de todos nós. Eis o maior legado da Lava Jato, até aqui.
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*Gustavo Justino de Oliveira é professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP. Árbitro, consultor e advogado especializado em Direito Público. Sócio do escritório Justino de Oliveira Advogados.