I. Introdução
O advogado Dan Guerchon publicou artigo muito interessante sobre as patent trolls1, onde relata a origem dessa expressão:
“O termo troll ao que tudo indica, se originou na mitologia nórdica, que o descrevia como sendo uma criatura horrenda, cruel e estúpida. Uma das aparições desse monstro na literatura popular é no conto infantil norueguês intitulado De tre bukkene Bruse (Os três Cabritos Rudes), que retrata a história de três cabritos que, ao comerem toda a grama da região onde habitavam, decidem se deslocar para outra localidade.
Para chegar a essa outra área, entretanto, havia um rio que só era possível atravessar por meio de uma ponte, sob a qual vivia um troll que comia todos que passavam por ali. Em resumo, os dois primeiros cabritos (mais novos) que passam pela ponte conseguem enganar o troll, enquanto o último acaba chifrando a criatura e derrubando-a no rio caudaloso.
A relação do troll com o sistema de patentes se deu graças a um concurso promovido por Peter Detkin, na década de 1990, quando ocupava um alto cargo na Intel na área de patentes. A competição consistia basicamente em inventar uma nomenclatura expressiva para um fenômeno que vinha crescendo nos EUA nesta época: litigantes de patentes que não utilizavam suas patentes.
Assim como outras empresas de tecnologia, a Intel vinha enfrentando diversos processos judiciais de violação de patentes, ajuizados por empresas que apenas adquiriam patentes sem qualquer intuito de utilizá-las. Essas empresas não criavam nada novo, limitando-se a adquirir patentes de companhias muitas vezes em processo de falência para poder pleitear acordos, licenças e/ou indenizações de terceiros.
O termo patent troll surgiu por acaso em uma conversa casual de uma das funcionárias da Intel, Anne Gundelfinger, e seu marido, Mark Davis. Adaptando o antigo conto norueguês, ele sugeriu que aqueles que adotam a prática descrita acima se assemelhariam a um troll, que se esconde embaixo de uma ponte e cobra uma taxa a todos que desejam utilizá-la, mesmo sem ter despendido qualquer esforço na sua construção. Ou seja, a ponte seria a tecnologia, objeto do Registro de Patente, que permitiria ao patent troll impedir terceiros de utilizá-la, ainda que não a tenha criado e não a utilize.
A adequação do termo foi precisa, sendo incorporado imediatamente ao vocabulário jurídico. Não é à toa que Anne Gundelfinger ganhou o concurso da Intel”
Citando Besser e Meurer, o autor destaca:
“... as pequenas empresas são encorajadas a transferir seus investimentos em invenção genuínas para mera obtenção de patentes amplas e vagas que podem eventualmente levar a uma possível, embora fraca, ação judicial.”
(tradução livre – grifos nossos)
E conclui:
“... constatou-se que muitas das patentes obtidas pelos patent trolls são patentes “fracas”, o que pode facilitar uma alegação de falta de atividade inventiva, pressuposto fundamental para concessão desse direito de exclusiva. Argumentos não menos importantes em uma eventual ação judicial são a litigância má-fé e o abuso de direito, previstos respectivamente nos arts. 142 do Novo Código de Processo Civil (Lei n° 13.105/2015) e 187 do Código Civil.”
II. Precedentes
O mesmo autor, em nota de rodapé, à p. 46, menciona dois casos, relativos à telefonia, que tiveram curso no Brasil:
“Vale, aqui, relembrar um importante caso nesta seara: a empresa Vringo, uma entidade reputada como patent troll, adquiriu diversas patentes essenciais cobrindo a tecnologia 2G, 3G E 4G da Nokia, reconhecendo, porém, sua obrigação de conceder licenças mediante condições justas, razoáveis e não-discriminatórias (“FRAND” – fair, reasonable and non-discriminatory terms). Apesar disso, a empresa chinesa ZTE seguiu fabricando equipamentos de infraestrutura em telecomunicações que infringiam essas patentes, sob a alegação de que a Vringo agia em desacordo com os termos FRAND. Desta forma, a Vringo começou a ajuizar diversas ações de infração de patente contra a ZTE ao redor do mundo, incluindo uma que transitou no TJRJ sob o n°0126070-69.2014.8.19.0001. Independentemente do resultado deste processo, que terminou em um acordo homologado no dia 18/12/2015, fato é que este caso é um dos poucos que retratam a atuação de um patent troll no Brasil. CONTRERAS, Jorge L.; EIXENBERGER, Michael. The Anti- Suit Injunction – A Transnational Remedy for Multi-Jurisdictional SEP Litigation. Cambridge Handbook of Technical Standardization Law – Patent, Antitrust and Competition Law. University of Utah. 10 de maio de 2017. p.7. Disponível em <_https3a_ _ssrn.com2f_abstract="2966309"> . Acesso em 3 de abril de 2018. Mais recentemente, na ação de infração de patente n° 0025037-30.2018.4.02.5101, ajuizada pela TCT Mobile Telefones Ltda. contra a Telefonaktiebolaget L. M. Ericsson e o INPI, o juiz da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro menciona expressamente o termo patent troll em uma decisão interlocutória, fazendo referencia ao que foi suscitado pela autora na petição inicial. Assim escreve o magistrado: “Como causa de pedir, sustenta, em suma, que as patentes em apreço não são dotadas dos requisitos legais de novidade e de atividade inventiva, e que a empresa ré Ericsson, titular das patentes anulandas, vem causando danos irreversíveis à empresa autora, por meio de abuso de Direitos da Propriedade Intelectual, agindo como uma patent troll, por meio de ações judiciais e outras medidas contestáveis para obrigar as empresas de tecnologia a pagar royalties abusivos.” BRASIL. Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro. 13ª Vara Federal. Juiz Federal: Dr. Caio Watkins. Ação Cível n° 0025037-30.2018.4.02.5101.
Disponível em: <_https3a_ _procweb.jfrj.jus.br2f_portal2f_consulta2f_consprocs.asp="">. Acesso em 3 de abril de 2018. Caso o juiz venha a se manifestar acerca da prática do patent troll no julgamento do mérito desta ação, o tema terá finalmente um marco mais concreto nos tribunais brasileiros.”
III. O caso VIVO
A VIVO S.A. promoveu, perante a 9° Vara Federal do Rio de Janeiro, ação de nulidade de patente PI 9202624-9, de propriedade de LUNE LTDA. (proc. n°0513356-94.2004.4.02.5101).
Excertos da sentença da 1ª instância (datada de 4/10/2017) merecem ser transcritas:
“Professores da USP, UNICAMP, UFRJ, ITA, IME e UFF, mestres e doutores em engenharia eletrônica, foram absolutamente categóricos sobre a patente em questão, concluindo que a mesma não possui suficiência descritiva e atividade inventiva. Além das passagens já acima citadas, afirmam:
Portanto, o suposto equipamento sugerido na carta- patente visa permitir que as centrais eletromecânicas disponibilizem os mesmos serviços inteligentes já existentes nas centrais eletrônicas CPAs. (...).
A carta Patente PI 9202624-9 não oferece informações suficientes para que se construa Unidade Central, pois omite informações sobre a interface entre esta e o estágio (CD) da central eletromecânica (...)
Os novos conceitos e facilidades operacionais aos quais o relatório descritivo se refere, na realidade não são novos, pois se referem a gerenciamento e serviços do sistema telefônico já padronizados por órgãos internacionais, como ETSI bem antes de 07/07/92.
(Fls. 2632/2644 - parecer do Profs. Drs. Waldecir João Perrella e Alessandro Anzaloni – ITA)
A patente PI 9202624-9 omite informações essenciais e contém erros graves que impossibilitam que um técnico no assunto reproduza o referido equipamento sem a obtenção de informações adicionais. (...)
Nenhuma facilidade nova é descrita. A patente PI 9202624-9 apenas utiliza conceitos já conhecidos para introduzir facilidades disponíveis em centrais CPAs nas centrais eletromecânicas.
(Fls. 2592/2599 - parecer dos Profs. Drs. José Roberto de Almeida Amazonas e Paul Jean Etienne Jeszensky – USP; grifei)
Não é possível implementar, por um técnico no assunto especializado, as unidades protegidas pela reivindicação 1 da patente PI 9202624-9, sem que sejam necessários desenvolvimentos adicionais, complementações e correções, pois na descrição das unidades da patente foram usados diagramas em blocos, que por sua natureza oferecem informações superficiais e incompletas de funcionamento e de conexões. Além disso, existem blocos nestes diagramas, que não são definidos nem descritos no texto, como por exemplo, os blocos 33 e 43 da unidade central. (...)
A patente PI 9202624-9 não introduz novo conceito ou facilidade. Na verdade, os novos conceitos e facilidades operacionais, a que o inventor se refere, são a introdução de serviços avançados em centrais eletromecânicas instaladas no mercado brasileiro, serviços esses já existentes em centrais eletrônicas/digitais (CPAs). (...)
O objeto da patente PI 9202624-9 tinha como objetivo adaptar centrais eletromecânicas, para que as mesmas fornecessem serviços avançados, que já existiam na época do seu depósito nas centrais eletrônicas/digitais CPAs) (vide relatório descritivo da patente PI 9202624-9, página 3, linhas de 37 a 53).
(Fls. 2601/2613 - parecer dos Profs. Drs. Renato Baldini Filho e Celso de Almeida – UNICAMP; grifei)
Pelo até aqui exposto, pode-se concluir que grande parte das funcionalidades dos equipamentos motivo da patente PI 9202624-9 é semelhante a dos equipamentos motivo da PI 8803737 A. (...)
Assim, qualquer técnico em telecomunicações que obtivesse conhecimento das tecnologias descritas na PI 8803737 A e na Patente US 4.914.689 poderia conceber, sem maiores esforços, o equipamento objeto da PI 9202624-9.
(Fls. 551/576 - parecer do Profs. Drs. Ricardo Zelenovsky
– IME, Carmen Maria Costa Carvalho, Prof. Moacyr Brajterman e Julio Cesar R. Dal Bello – UFF).
A matéria contida na reivindicação 1, mesmo quando interpretada com base nas figuras e na matéria descrita no relatório descritivo da patente, não ensina um técnico no assunto a reproduzir o objeto reivindicado na reivindicação 1, limitando-se a descrever as funcionalidades das unidades que compõem o equipamento e o vínculo dessas unidades com os equipamentos pertencentes às centrais telefônicas. Nem a descrição, nem os diagramas contidos na patente especificam ou mostram os componentes utilizados.
Existem muitos erros e omissões que inviabilizam a reprodução do equipamento reivindicado, em particular no que diz respeito à Unidade Central, mesmo para uma implementação baseada em uma central ARF 10, tal como descrita na PI 9202624-9 (pag. 01, linhas 31 e 34 do relatório descritivo). Nesse sentido, considerando-se as particularidades inerentes à constituição e ao funcionamento dos modelos de centrais telefônicas eletromecânicas de cada fabricante, pode-se afirmar que cada tipo de central irá necessitar de um conjunto diferente de modificações para introdução do equipamento da PI 9202624-9, até mesmo para centrais de um mesmo fabricante, não podendo, portanto, o conteúdo da reivindicação 1 ser reproduzido por um técnico no assunto sem que desenvolvimentos adicionais sejam realizados para complementar e adaptar as funcionalidades reivindicadas. (...)
O equipamento da patente não introduziu nenhum novo conceito, ou nova facilidade, constituindo-se apenas em uma proposta para contornar as limitações construtivas apresentadas pelas centrais eletromecânicas para prestar serviços para as quais não foram originalmente projetadas, ou não estavam equipadas. A patente PI 8106464 - "Detector de chamadas telefônicas", publicada em 13/09/1983 e a sua correspondente US 4,754,475, descrevem um sistema de identificação do número do assinante chamador, que só não é idêntico ao equipamento descrito na PI 9202624-9 pelo fato das funções de sinalização atribuídas à Unidade Detectora Especial (identificada pelo numeral 30) instalada junto ao aparelho do assinante na patente americana, terem sido transferidas para a Unidade Central da PI 9202624-9, instalada na central telefônica e não junto ao aparelho do assinante. Além disso, as diversas normas ITU-T e ETSI demonstram que o conceito de chamadas com identificação do número do assinante chamador para centrais CPA já era conhecido antes do depósito da PI 9202624-9, conforme reconhecido no próprio relatório descritivo da patente. Portanto, não existe um novo conceito ou uma nova facilidade, mas apenas a descrição de um equipamento para a implementação de um conceito já conhecido, que não pode ser reproduzido por um técnico no assunto sem que desenvolvimentos adicionais sejam feitos para complementar e adaptar funcionalidades reivindicadas às características da central telefônica eletromecânica na qual se pretenda instalar o equipamento da PI 9202624-9. (...)
(Fls. 2615/2630 - parecer do prof. Dr. Marcello Luiz Rodrigues Campos – COPPE/UFRJ)
Destaco, ainda, a eloquente manifestação dos professores da USP acima citados sobre o objeto deste litígio:
É necessário registrar que é lamentável haver a necessidade de tanta gente, séria e ocupada, perder tempo para responder ao óbvio, somente em virtude de ações descabidas que expressam a má-fé e mau-caráter de seu autor.
A Carta Patente nº PI 9202624-9 é um atentado ao nosso idioma, é um desrespeito pela forma confusa como foi escrita e um descalabro técnico que omite informações, comete erros primários e utiliza conceitos de forma equivocada. (fls. 2591; grifei)
“A Vivo também trouxe os pareceres de fls. 1876/1952 e 2477/2505 de seu assistente técnico, Eng. Clóvis Silveira, criticando o laudo pericial e concluindo que a PI 9202624-9 não atende aos requisitos de patenteabilidade, não sendo o seu objeto aplicável à telefonia celular (móvel). Afirma o assistente que a matéria da aludida patente é tão somente um dispositivo (não um método ou fluxo de dados), que acoplado a uma central eletromecânica, produz efeito já integrado ao estado da técnica, existente nas centrais telefônicas mais avançadas, Centrais com Programa Armazenado, ou CPAs, à época do depósito do pedido de patente, ou seja, a informação do "número do assinante A junto ao terminal do assinante B" já foi revelada nas patentes anteriores US 4,914,689 e PI 8706046. Nos subsídios ao exame pericial apresentado às fls.1462/1482, o mencionado assistente enfatizou que "a pretensa invenção consistiu no que claramente se poderia chamar de uma gambiarra2, no caso, uma adaptação feita em uma tecnologia ultrapassada para obter um resultado similar ao que é proporcionado pela nova tecnologia”
Ressalto que a necessária suficiência descritiva não é um aspecto meramente formal ou de pouco importância no exame de patentes. É fundamental que o inventor descreva o invento corretamente, pois isso é intrínseco ao sistema de patentes. A completa descrição da invenção à sociedade é o que impulsiona o desenvolvimento tecnológico, sendo isso, entre outros fatores, o que justifica a concessão de um temporário “monopólio” ao titular da patente, garantido pelo Estado. É o que explica a doutrina de Luiz Guilherme Loureiro:
A descrição da invenção tem um papel fundamental no sistema de patentes. Com efeito, a patente tem por objetivo conceder ao inventor ou sucessor o monopólio exclusivo da invenção por determinado prazo (...), como prêmio ou estímulo à contribuição que trouxe progresso técnico da sociedade. Após o decurso desse prazo, a invenção pode ser explorada livremente por qualquer pessoa, ou seja, ele “cai no domínio público”. Portanto, é fundamental que ela seja descrita de forma pormenorizada a fim de permitir a sua reprodução após o término do prazo de proteção e de possibilitar que a sociedade tenha inteiro conhecimento da invenção. (...)
A insuficiência de descrição conduz à nulidade da patente. A descrição é considerada suficiente quando o técnico do assunto puder executar a invenção. Ela é suficiente quando permite o conhecimento da invenção reivindicada e possibilita sua utilização ou reprodução. (LOUREIRO, Luiz Guilherme de A. V. A Lei de Propriedade Industrial Comentada. São Paulo: Lejus, 1999, p. 82-83. grifei)
Por isso a lei é bastante clara em exigir que o relatório da patente (i) descreva de modo clara e suficiente a invenção, (ii) que essa descrição possibilite sua realização por técnico no assunto e (iii) que indique a melhor forma de execução, conforme art. 24 da LPI. A PI 9202624-9, a toda evidência, não cumpre isso, conforme os pareceres técnicos supracitados.
Sobre tal questão, embora o perito tenha conclusão diversa, ele próprio afirma, por diversas vezes ao responder os quesitos nº 46 a 63 (fls. 4746/4751), que não é possível apontar a existência de certa informação técnica no relatório da patente, escancarando a deficiência descritiva da PI.
Quanto à atividade inventiva, também sobram argumentos técnicos que indicam a ausência de tal requisito na PI 9202624-9, conforme acima transcrito. E o perito judicial, mesmo confrontado com tais argumentos, tenta refutar dizendo que a PI 9202624-9 se diferencia de todas as anterioridades apresentadas (conforme diversas passagens dos esclarecimentos de fls. 5497/5750). Ocorre que diferenciar-se de anterioridades significa apenas que a PI 9202624-9 é nova, mas não que, diante do estado da técnica (todo o conhecimento disponível no momento do depósito, em seu conjunto), possua atividade inventiva. Nesse passo, parece-me certo que a patente do PBX-KAN (PI 8803737) não antecipa totalmente a PI 9202624-9, que, portanto, possui novidade. Todavia, é inequívoco para este Juízo que, diante do estado da técnica vigente (representado por todas as tecnologias e conceitos então conhecidas sobre unidades e centrais telefônicas, identificadores de chamadas etc.), não houve atividade inventiva na elaboração da PI 9202624-9.
Logo, resta claro que a PI 9202624-9 não atende ao requisito de atividade inventiva e de suficiência descritiva dos arts. 8º, 13 e 24 da LPI, “tendo em vista que não há dados suficientes para o técnico no assunto promover a efetiva realização da invenção.
Como a PI em questão contraria tais normas, deve ser declarada completamente nula, desde a data de seu depósito em 07/07/1992, conforme disposto nos arts. 46 e 48 da LPI.
Assim, diante de todo o conjunto probatório, resta evidente que a patente de invenção PI 9202624-9, sob o título "Equipamento controlador de chamadas entrantes e do terminal telefônico do usuário", não atende aos requisitos de atividade inventiva e suficiência descritiva previstos nos artigos 8º, 11 e 13 da Lei nº 9.279/96, deve ser declarada nula, desde a data de seu depósito em 07/07/1992, conforme disposto nos artigos 46 e 48 da LPI.”
Anteriormente a LUNE LTDA. promovera contra a VIVO S/A duas ações cominatórias por violação da mesma patente, que tiveram curso em Brasília sob n.os 2001.01.1.108597-2 e 2001.01.108596-4 perante a Segunda Vara Cível daquela comarca.
Ambas tiveram desfecho idêntico, conforme parte final da sentença de 1ª instância abaixo transcrita:
“Destaco que embora a questão seja extremamente complexa em tese, na prática a análise é feita acerca da proteção de invento devidamente depositado no ente estatal competente para analisar suas peculiaridades quanto ao ineditismo e demais requisitos.
Nesse norte, destaco que a própria ANATEL reconhece que a patente de propriedade da autora, reconhecida regularmente pelo INPI, eis que o ato administrativo se presume válido e eficaz, é a base do padrão nacional de telecomunicações do país. (fls. 2346/2365)
Isso suficientemente não fora. Impende destacar que o técnico daquele Instituto, melhor que ninguém, tem condições de fazer a análise técnica desprovida de qualquer interesse particular.
Outrossim, afastadas as questões jurídicas controversas, não é de bom alvitre que o Judiciário trate acerca dos requisitos para registro de patente, como ineditismo ou demais questões técnicas, eis que o Estado já dispõe de ente próprio para tal desiderato.
Desta forma, havendo nulidade da patente, como alhures descrito, esta deve ser levantada em demanda própria, não cabendo o julgamento nesse feito a título incidental dadas as peculiaridades do caso.
DISPOSITIVO
Forte em tais razões JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pleito inicial com fulcro no art. 5º, inciso XXIX, da CF/88 c/c arts. 42, 44, 129 e 130, da Lei Nº 9.279/96, bem como no art. 333, inciso I e II, do CPC, para condenar as Requeridas a absterem-se de comercializar, sob qualquer pretexto, telefones celulares que disponham de identificador de canal chamador, característica de uso indevido da PATENTE PI9202624-9, relativa ao equipamento controlador de chamadas entrantes e do terminal telefônico do usuário; suspender os serviços que presta a seus usuários, relativo à identificação do canal chamador; pagar à Autora LUNE multa pecuniária, diária, a contar do trânsito em julgado da sentença, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) para o caso de descumprimento do preceito cominatório, enquanto perdurar atraso no seu cumprimento; pagar indenização à Autora LUNE, à guisa de royalties, a ser apurada em liquidação de sentença por arbitramento, da análise e verificação dos extratos e contas telefônicas emitidos pelas Requeridas, com base no número de aparelhos já vendidos e no número de usuários do serviço identificador de chamadas, durante o período quando houve a violação dos direitos da Autora LUNE, qual seja, desde o início da indevida exploração do sistema de identificação de chamadas até sua efetiva cessação.”
Em ambos os casos a VIVO apelou, logrando cassar as sentenças, acolhendo o acordão as preliminares de cerceamento de defesa (grifos nossos).
Efetivamente, dos dois acórdãos idênticos unânimes, Rel. CRUZ MACEDO da 4ª Turma Cível, apelações n.os 20010111085964APC e 20010111085972APC, transcreve-se as ementas:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA CASSADA.
1. Configura-se cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova pericial, quando fica evidenciada a necessidade de se averiguar se as centrais telefônicas e os telefones móveis negociados pelas rés, empresas de telefonia móvel, violam (ou violaram) as reivindicações incorporadas pela patente PI 9202624-9, de titularidade da autora, haja vista que se discute nos autos a proteção de propriedade industrial de sistema de identificação de chamada em serviço de telefonia.
2. Apelo provido. Sentença cassada.”
Dos relatórios dos acórdãos, destaca-se:
“No mérito, defende a inexistência de contrafação.
Aduz que a apelada não detém qualquer direito sobre o sistema utilizado para identificação de chamadas na rede celular, porquanto a patente dela se refere apenas a um aparelho para ser acoplado a centrais eletromecânicas, empregados em telefonia fixa.
Adverte que uma patente não protege uma ideia em si, mas o modo pelo qual ela é concretizada.
Discorre que são os pontos característicos da patente que determinam o objeto da invenção e constituem a medida do direito de inventor, de tal modo que “só se pode falar em infração parcial de uma patente no caso infração total de ao menos uma reivindicação independente” e, no caso dos autos, destaca “a completa diferença entre o sistema descrito na patente da apelada e o sistema utilizado pela apelante”, mormente por utilizarem protocolos distintos.
Nessa linha, entende ser desimportante a idealização do inventor, pois a relevância estaria nas definições das “reivindicações como sendo o seu invento, para o qual requereu a proteção legal”. Salienta que, nos termos do artigo 41 da Lei n° 9279/96, a proteção conferida a uma patente será determinada pelos limites de suas reivindicações (relatório descritivo e desenhos), a fim de que se possa compreender e avaliar o alcance da patente. Defende que o objeto da patente em questão “não abrange os sistemas de telefonia celular, nem suas técnicas, padrões, protocolos, componentes e modo de operação”, bem como aponta supostas diferenças entre os sistemas em análise.
Assenta que o próprio comportamento da apelada revela que a sua patente em epígrafe não alcança a telefonia móvel, afinal ela pleiteou, “junto ao INPI, a concessão da patente PI 9504016-1, relativa a ‘sistema de identificação terminal chamador PARA TELEFONES CELULARES”, a qual, inclusive, restou indeferida pela citada autarquia. Então, entende que deve ser aplicado por analogia o parágrafo único do artigo 78 da Lei n°9279/96, para o qual, “extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público”.
Sobre a necessidade de perícia, manifestou-se o relator:
“De fato, Senhor Presidente, a matéria destes autos tem uma complexidade que podemos notar pelas sustentações orais. Cada uma traz argumentos que impressionam. E há um conhecimento técnico aqui que precisa ser emitido, neste processo, por pessoas que tenham especialização. O juiz vai avaliar se essa prova o convence, mas, na realidade, precisa de um apoio técnico para definir se o sistema de identificação de chamada utilizado pela telefonia celular se utiliza do invento produzido pelo engenheiro (que o desenvolveu, inclusive, na nossa cidade, na época da Telebrasília, se não me engano).”
Ou, ainda:
“Destarte, reafirma-se a inarredável necessidade de produção de prova técnica por perito do Juízo, procedida da definição da parte incumbida do ônus de produzi-la.
Posto isso e também amparado nas razões expostas pelo eminente Relator, provejo o recurso, nos dois processos, para invalidá-los, a ambos, a partir, inclusive, da fase instrutória, que deverá ser reaberta para realização de perícia, com a prévia definição da parte sobre a qual recai o onus probandi. Não custa registrar que ficam anulados todos os atos subsequentes, com destaque para a decisão, em embargos declaratórios à sentença, concessiva de antecipação de tutela.”
Nos casos acima referidos, no Rio de Janeiro e Brasília, a VIVO S/A foi representada pelo escritório paulista Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.
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1 Os polêmicos patent Trolls. Conceito, críticas e atuação no Brasil,inRevista da ABPI n. 152, jan/fev. de 2018, pp.42 e segs.
2 No sentido de improviso ou improvisação, gambiarra é o próprio ato de constituir uma solução improvisada. No contexto da cultura material, gambiarra é o procedimento necessário para a configuração de um artefato improvisado. A prática da gambiarra envolve sempre uma intervenção alternativa, o que também poderíamos definir como uma “técnica” de re-apropriação material: uma maneira de usar ou constituir artefatos, através de uma atitude de diferenciação, improvisação, adaptação, ajuste, transformação ou adequação necessária sobre um recurso material disponível, muitas vezes com o objetivo de solucionar uma necessidade específica. Podemos compreender tal atitude como um raciocínio projetivo imediato, determinado pela circunstância momentânea."... "O uso informal do termo [como improviso] denota uma propensão cultural relacionada ao que se costuma chamar de jeitinho brasileiro... O termo é utilizado em diversas áreas profissionais como informática, programação, eletrônica, engenharia civil, ... geralmente se referindo a soluções improvisadas, adaptações, ajustes, muitas vezes como uma solução que não se utiliza de métodos, plano ou projeto. A gambiarra é muitas vezes entendida de forma pejorativa como algo em condições precárias, provisório, ... (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gambiarra) [n.d.]
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