Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em relações entre um usuário de bem público e a concessionária que o administra
Marcos Venicius de Oliveira
Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme*
Primeiramente é importante trazermos a definição de consumidor. O art. 2° do CDC dispõe:
“Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.(grifa-se)
É mister ressaltar que o pedágio não caracteriza consumo entre o usuário e a administradora da rodovia, tendo em vista que o pagamento não passa de tributação, conforme verificamos na definição de Plácido e Silva:1:
“Pedágio. Na terminologia jurídica, pedágio exprime propriamente a tributação ou taxação devida pela passagem por uma estrada ou rodovia, por uma ponte ou qualquer outro lugar, onde o trânsito não se faça livre e gratuito.
O pedágio pode ser cobrado pelo próprio governo ou por um particular, em conseqüência de concessão, que lhe é atribuída pelo governo, a respeito de estradas ou vias de comunicação particular.
O pedágio é também conhecido pelo nome de imposto de barreira, em face do sistema adotado para a sua cobrança: uma barreira posta em meio da estrada, pela qual não passa a pessoa ou veículo, sem que pague primeiro a taxa, que lhe é exigida.”
Neste sentido, tem-se que a finalidade de um pedágio é o pagamento de um valor por parte daquele que por ali circula e trafega, objetivando exclusivamente a utilização da via pública.
Partindo-se deste raciocínio, verifica-se que o valor do pedágio pago por aquele que utiliza a rodovia, destina-se à tão somente a utilização daquele bem que é público, não podendo definir o usuário como consumidor, conforme reza o artigo 2° do diploma acima aludido.
É possível se afirmar neste sentido, que a cobrança de pedágio tem como fato gerador exclusivo a utilização de uma rodovia, a qual trata-se de um bem público, e não a sua conservação.
Neste sentido, paga-se o pedágio para se utilizar a rodovia com a finalidade de trânsito e circulação, e não objetivando a aquisição de um serviço de melhoria.
No momento em que o usuário da rodovia paga o pedágio, não se adquire um serviço de conservação ou de melhoria da rodovia, mas tão somente permite-se que aquele usuário utilize-se da rodovia para ali transitar.
Portanto, não há que se dizer sobre a lesão de direito do usuário da rodovia, uma vez que o serviço a que se destina a cobrança de pedágio nunca deixou de ser prestado, qual seja a utilização e circulação pela rodovia. A conservação da rodovia não é um serviço prestado ao usuário da rodovia, pois quando se paga o pedágio está se pagando tão somente pela utilização e circulação daquela via.
Ocorre que as receitas auferidas nos postos de pedágio são geralmente aplicadas na conservação e melhoria das rodovias, entretanto, o fim a que se destina o pedágio bem como o fato ensejador de sua cobrança é tão somente a utilização de um bem público. Neste sentido, não pode o usuário exigir que as melhorias na rodovia sejam um pressuposto da receita de pedágios, até porque na relação existente entre a Concessionária e o Usuário, o Contrato de Concessão objetiva que a Concessionária explore onerosamente a utilização de um bem público, permitindo ao usuário que dele se utilize.
Já no que se refere à relação entre Poder Concedente e Concessionária, nesta relação sim a contra-prestação é a conservação da rodovia, ou seja, o Poder Público concede à concessionária o bem público a fim de que o explore onerosamente, e como contra-prestação a Concessionária o conserva e mantém.
Isto posto, a relação eventualmente inadimplente em relação à falta de conservação da rodovia, é uma relação a ser dirimida entre Poder Público Concedente e Concessionária, e não entre Concessionária e usuário, o qual apenas pode exigir a utilização e circulação na Rodovia, sendo assim parte manifestamente ilegítima.
Vale ressaltar aqui, entendimento do ilustríssimo doutrinador Luciano Amaro2 em sua obra Direito Tributário Brasileiro, na qual é contundente ao afirmar que o fato gerador da cobrança de pedágio é a utilização e não a conservação de vias públicas:
“ O fato gerador do pedágio é a utilização da via pública e não a conservação desta. A utilização há de ser efetiva e não meramente potencial (simples colocação da via à disposição). Não se pode dizer que o fato gerador seja o “serviço” (de restauração) que o Poder Público execute, pois esta tarefa é meio (para manter a via pública utilizável) e não fim da atuação estatal. A utilidade que o Estado propicia ao indivíduo não é o conserto, mas sim a utilização da estrada. Noutras palavras, a coisa ou fato estatal a que se liga o pedágio não é uma prestação de serviço (de conserto), é a estrada, com cuja utilização se concretiza o enlace do indivíduo à obrigação tributária.
Isto posto, resta claro que o que objetiva a cobrança do pedágio é tão somente aferir valores pela utilização da rodovia, que se trata de um bem público, sendo assim, o objeto deste serviço é a utilização da estrada.
Conclui-se assim, que a conservação não é o fato gerador (ensejador) da cobrança de pedágio, sendo apenas uma relação aparte entre Poder Concedente e Concessionária, e desta maneira não poderá ser a conservação de uma rodovia, exigida como uma contra-prestação do pedágio pago pelo usuário.
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1In Vocabulário Jurídico – Vol. III, 12ª ed., Ed. Forense, p. 336.
2In Direito Tributário Brasileiro, pg. 48, 3ª ed., Ed. Saraiva.
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* Advogados do escritório Tojal, Serrano & Renault Advogados Associados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião do escritório Tojal, Serrano e Renault Advogados Associados para qualquer operação ou negócio específico. O artigo reflete a opinião pessoal dos autores.
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