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Breve reflexão sobre a cláusula DDR e o seguro de transporte

O direito de dispensa de regresso não é salvo-conduto à desídia operacional do transporte rodoviário.

7/3/2019

Há algum tempo o mercado de seguros trabalha com uma nova figura contratual na carteira de transportes, com reflexos imediatos nas relações negociais e importância invulgar ao Direito do Seguro.

Trata-se da cláusula DDR, ou seja, dispensa do direito de regresso.

Um benefício legal concedido pela seguradora ou pelo segurado de uma apólice do ramo de transportes, mediante anuência da seguradora, ao transportador rodoviário, no sentido de não ser operado contra ele o ressarcimento em regresso das indenizações pagas pela seguradora ao segurado em casos de sinistros de transportes.

Em tese, o benefício gera maior intimidade entre todos os atores do transporte de cargas e ganhos legítimos para a seguradora.

O benefício, também em tese, tem o caráter de fazer a seguradora selecionar melhor os transportadores à seu serviço, beneficiando quem faz jus pela excelência na prestação de serviços.

Tudo isso, como dito, em tese.

Infelizmente, a prática revela-se menos otimista e o bom pragmatismo, com resultados positivos e ganhos aos envolvidos todos cedem espaços a um quadro geral bem nebuloso e oneroso ao mercado segurador, com prejuízos imediatos, sobretudo no campo do ressarcimento.

Para melhor abordar os reflexos perigosos das cláusulas DDR – Dispensa do Direito de Regresso, convém conhecer adequadamente sua natureza jurídica e sua espinha dorsal.

A saber:

Por se tratar de um aspecto relacionado à “disposição de direitos”, a estipulação da cláusula DDR deve ser formalizada com o máximo cuidado, e mediante detalhamento cuidadoso, sob pena de subsistir prejuízo ao direito do segurador.

Abordaremos a questão sob a ótica de que o DDR será concedido apenas em operações que envolvam a estipulação de programas de gerenciamento de risco – PGR.

Sim, porque sem o atrelamento do Programa de Gerenciamento de Risco, a concessão do benefício perde o sentido e se transforma numa carta em branco ao transportador para agir de qualquer modo no mundo dos fatos.

Como já comentado ao início deste estudo, entendemos recomendável que o eventual PGR estipulado entre as partes integre e se insira no texto da apólice, e não se caracterize apenas pelo documento apartado.

Não obstante, o PGR também deve ser formalizado, em estilo contratual, através de documento separado, devidamente assinado pelas partes.

A questão fundamental que subsiste da consulta (quando “quebrar” a DDR) diz respeito a interpretações no âmbito legal do tema “responsabilidade civil”.

Melhor explicando:

A DDR foi criada e se justifica pela formatação de determinada operação de transporte e seguro, objetivando o atendimento de condições específicas de custo logístico.

Desse modo, as partes embarcador, transportador e segurador pactuam conceder ao transportador a “isenção de responsabilidade reparatória” por eventuais perdas ocasionadas à carga que compõe o objeto do seguro.

Usualmente, tal exoneração de responsabilidade se aplica a evento “roubo de carga”.

Para que tal exculpação seja válida e efetiva, o transportador deve comprovar ter cumprido todo o protocolo operacional estipulado no PGR.

Mais ainda, deve também evidenciar que não agiu com dolo ou culpa grave.

Em teoria, o dispositivo da DDR está acima relatado.

No entanto, severos conflitos e disputas judiciais se materializaram nos últimos anos em razão de obscuridades nas definições de determinados conceitos na apólice, como por exemplo “culpa grave”.

A utilização de conceitos genéricos, sem que haja a estipulação clara de seu significado no corpo do contrato de seguro (ou mesmo no contrato do PGR), representa risco legal considerável ao segurador.

O modelo de carta de DDR hoje utilizado pelo mercado segurador em geral é vago ao não definir com clareza o contexto do conceito de “culpa grave” (há apenas a definição de “dolo”).

Empregar velocidade incompatível com trecho de via; utilizar veículo sem condições de trânsito/operacionais adequadas; empregar desvio de rota, são alguns dos fatores que levam à interpretação de “culpa grave”.

Um ponto que é bastante sensível e que tem dado margem a extensas discussões e disputas contenciosas diz respeito à obrigatoriedade do transportador em cumprir as normas e regulamentações de trânsito.

Majoritariamente, tais normas são ditadas e regulamentadas pelo CÓDIGO BRASILEIRO DE TRÂNSITO – lei federal 9.503/97.

É muito importante subordinar a conduta do transportador ao atendimento integral das normas de trânsito, sob pena de vulnerabilizar os direitos da apólice.

É evidente que todos estão sujeitos ao cumprimento das normas de trânsito, mas como a natureza do contrato de seguro, muitas vezes, presta-se a cobrir exatamente a responsabilidade civil do transportador, sempre surge o questionamento de que as infrações, deliberadas ou não, de trânsito devem estar também cobertas, com o que não concordamos.

O atendimento aos ditames da norma é imprescindível ao contexto de controle do risco, de modo que se o transportador cometer infração, deverá responder pelo dano derivado de tal falta, quebrando-se a concessão da dispensa do direito de regresso dada pelo segurador.

O clausulado mais específico, fechado, definido, impede e impedirá o abuso interpretativo e a desídia operacional do transportador.

Ele saberá de antemão que tem em seu favor um benefício clausular, mas este benefício não poderá ser convertido em algo abusivo, ao arrepio da boa técnica de transporte e da legislação vigente.

Temos notado nos últimos anos que quantidade significativa de conflitos em torno do tema PGR se estabelece exatamente em razão de falha e omissão na deliberação de a QUEM cabe o acionamento/ solicitação do PGR ao início das operações de transporte.

Em algumas formatações dos programas de PGR (na maioria deles), cumpre ao segurado a conduta de acionar formalmente o gerenciador, dando o “start” nos aplicativos do PGR naquela operação de transporte, então selecionada para estar sob controle.

Já em outras, convenciona-se que um funcionário/preposto do gerenciador será alocado para trabalhar internamente na operação do transportador, cabendo a ele a conduta de solicitação dos aplicativos de segurança.

Em inúmeras vezes quando essa cadeia de obrigações e responsabilidades não ficou clara, resultando na omissão de um por supostamente entender que ao “outro” caberia a ação, houve severo prejuízo ao processo, não raro restando ao segurador o ônus de pagar um sinistro por falta de um alinhamento formal adequado.

Assim, tanto quanto a especificação técnica do PGR, deve ser dada absoluta ênfase ao aspecto comissivo do processo, estabelecendo-se modo claro e objetivo quem é o agente responsável pela seleção, critério e acionamento do programa, a cada transporte.

No que se refere à formalística, entendemos que o estilo “ata de reunião” é bastante adequado, nomeando-se os agentes (segurador, segurado, corretor, transportador e gerenciador), estipulando-se as condições, e ponderando que todos os termos do PGR integram a apólice, tendo estrita relação com as garantias nele previstas.

Entendemos que nesse documento (ata do PGR) deve estar previsto de modo conciso e objetivo que o cabal e criterioso cumprimento das regras perfaz obrigação plural das partes, sendo que a infração ou falha no seu desempenho incorrerá em medidas de responsabilização civil, independente dos instrumentos excludentes de responsabilidade eventualmente pactuados (DDRs).

Mas, uma vez concedida à cláusula DDR sem os cuidados acima delimitados, como lidar com ela?

É muito importante ter em foco as particularidades do caso concreto.

Conforme as particularidades, a validade e a eficácia de uma cláusula DDR serão ou não convalidadas.

O fato é que a cláusula DDR não é um salvo-conduto para as arbitrariedades do transportador, tampouco passaporte ao ato ilícito.

Nunca é demais lembrar que o transportador de cargas assume uma obrigação de resultado, delineada pelas obrigações objetivas de guardar, conservar e restituir.

O transportador, portanto, ao se valer de uma cláusula DDR não pode atentar contra esse dever geral de cuidado que, por sua vez, encastela outros três de ordem objetiva: guardar, conservar e restituir (entregar a coisa confiada para transporte na mesma condição em que a recebeu).

O benefício, em verdade, só terá amplamente a validade e a eficácia inicialmente cogitadas se o transportador se mostrou zeloso, seja em relação ao programa de gerenciamento de risco, seja em relação à cautela geral que se espera de um transportador.

Ora, um transportador que teve um veículo transportador tombado na pista porque o seu motorista empregou velocidade manifestamente incompatível com o lugar, alargando as fronteiras da probabilidade de evento, não poderá de forma alguma alegar a isenção de regresso em seu favor.

A culpa grave inibe, de pleno Direito, a validade e a eficácia da cláusula DDR.

Não fosse assim, a injustiça estaria configurada e o ressarcimento em regresso definitivamente prejudicado, em detrimento do que é conforme o melhor Direito e o que é justo.

Em resumo, podemos dizer que a cláusula DDR existe, é válida e eficaz, desde que observados os procedimentos regulares para o transporte de uma determinada carga. Não é uma carta de alforria ao transportador para dela fazer uso ainda que eivado de culpa grave (evidentemente que o dolo sequer precisa ser comentado).

Para que a natureza jurídica da cláusula seja preservada e sua razão ontológica seguida à risca, é imprescindível as balizas ora destacadas, objetivas e subjetivas, e a especial sensibilidade do operador do Direito no sentido de entender o que de fato é a cláusula DDR, para o que ela serve e qual sua razão de não.

E nos casos em que ela não foi devidamente utilizada, a imediata perda do binômio validade-eficácia é a medida de rigor, premiando-se de pleno direito o direito de regresso contra o transportador.

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*Paulo Henrique Cremoneze é sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados.

*Christian Smera Britto é advogado e técnico em transporte.

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