Legitimação e competência no Mandado de Injunção - a busca pela efetividade dos direitos fundamentais
Hugo Filardi*
No plano estadual, o Mandado de Injunção pode ser instituído pelas Constituições dos Estados, observando-se o princípio da simetria entre os entes federativos. Partindo da orientação da CRFB, a competência para julgamento do Mandado de Injunção utilizado para supressão de lacuna normativa estadual é dos Tribunais de Justiça estaduais.
Contudo, a orientação do Poder Constituinte Originário sob a frágil assertiva de coadunar a impetração do Mandado de Injunção ao Juiz Natural e a isonomia, colide frontalmente com o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, impedindo que os jurisdicionados afetados por inércia normativa do Estado possam exercer eficazmente o direito à ordem jurídica. A competência fixada de forma rígida e restrita, regulada pelo órgão que deveria suprir a omissão normativa não satisfaz os anseios de uma sociedade que cada vez mais clama por inclusão.
Toda medida que tem por escopo o afastamento dos debates jurídicos e provimentos jurisdicionais do cenário de realidade fática em prol de tecnicismos desprovidos de legitimidade somente serve para disseminar a idéia de falta de credibilidade do Poder Judiciário para interferência nos atos sociais e propaga a sensação de desproteção dos jurisdicionados perante atos totalitários, inconstitucionais e ilegais.
Deve ser ressaltada a importância da adesão dos jurisdicionados à ordem jurídica vigente para a perfeita operacionalização do Estado Democrático de Direito e funcionamento das Instituições. A Democracia pressupõe interesse e participação dos cidadãos, que ativamente devem influir no aprimoramento do Estado e evolução na distribuição de justiça. Ao se manifestar sobre o sentimento constitucional, preconizando a interdependência necessária entre razão e emoção, PABLO LUCAS VERDÚ1 sustenta que o "Estado Social e Democrático de Direito cobra sentido e enche de conteúdo, assim, mediante o reconhecimento e concretização dos valores através de uma ação legislativa, administrativa e judicial que se harmonize com os sentimentos do Direito e do justo na sociedade".
O Direito não deve ser justificado apenas pela técnica jurídica, mas pela disseminação do ideal do justo e de proteção dos mais frágeis em regime de equiparação social interna no Estado. A legitimidade do exercício da tutela jurisdicional deve ser o objetivo primordial do Poder Judiciário, buscando assim alicerçar o regime democrático. Assim, mostra-se completamente dissociada da legitimação do Estado Democrático de Direito, a competência para julgamento do Mandado de Injunção fixada pelo órgão inerte.
Como o comando decisório no Mandado de Injunção deve ser dirigido ao órgão a suportar a efetividade da norma constitucional "energizada" pelo Poder Judiciário, o pólo passivo do writ deve ser constituído pelo órgão que sofrerá o ônus de se submeter ao direito efetivado pela concessão do pedido de supressão da lacuna normativa originada da inércia estatal. Afinal, como bem esclarece NELSON NERY JÚNIOR2 "o impetrante tem o direito mas não sabe como exercê-lo. Cabe ao juiz determinar o modus faciendi a fim de que o impetrante não fique privado de seu direito constitucionalmente garantido, a pretexto de que não há norma inferior que o regulamente".
Justamente pelo pedido constante no writ ser no sentido de assegurar um direito já consagrado pela CRFB, nos distanciamos dos doutrinadores que "enxergam" - de forma obtusa - o Mandado de Injunção como uma ação para apenas evidenciar uma omissão normativa. A omissão normativa não deve nem em tese impedir o exercício pleno de uma norma constitucional por falta de regulamentação, sendo papel do Poder Judiciário não a edição de norma jurídica, mas sim alcançar o topoi adequado para dar plenitude da Constituição ao caso concreto.
O jurisdicionado está exausto de evasivas governamentais, sendo a crença na efetividade da Constituição a alternativa mais coerente e acertada para a consolidação de um Estado Democrático de Direito calcado na soberania popular e respeito aos direitos fundamentais. Assim, não há caminho senão construirmos uma tese do Mandado de Injunção indicando como legitimado passivo o órgão que deva suportar o ônus da efetividade da norma despida de regulamentação e não o órgão que deveria regulamentá-la.
Afastando a impressão clara do leitor de que tenho como objetivo nesse ensaio esmiuçar as fragilidades decorrentes da atuação do Supremo Tribunal Federal como defensor da omissão governamental, destacamos o acerto jurisprudencial na acolhida do Mandado de Injunção coletivo. Mas de que adianta ampliar a legitimação ativa e o canal de discussão político-jurídica se sabemos que ao final o STF sempre adotará posição burocrática e em nada auxiliará na efetividade da norma constitucional sem regulamentação?
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1Verdú, Pablo Lucas. Sentimento Constitucional. Tradução e prefacio de Agassiz Almeida Filho. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1ª Edição, página 178.
2Nery Júnior, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005, página 151.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados