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A cultura de não fiscalizar e a tragédia de Brumadinho

Se a Vale tivesse investido em prevenção os cerca de R$ 11 bilhões bloqueados judicialmente por conta do acidente de Brumadinho, o Brasil não estaria vivenciando essa situação tão amarga e a própria companhia não estaria enfrentando todas as consequências.

11/2/2019

A tragédia de Brumadinho, além de toda a consternação nacional e da solidariedade de todos, merece uma reflexão importante sobre esse tipo de problema no Brasil: nesse caso da barragem da Vale, como acontece com numerosos outros empreendimentos e obras em nosso país, a legislação de entrada, alvarás, autorizações e licenças ambientais parecem em conformidade. No entanto, a fiscalização e o acompanhamento são capengas. Essa contradição é marcante na cultura brasileira.

Há no país mais de 30 órgãos com capacidade de fiscalização ambiental, muitos deles até mesmo com sobreposição de competências. Talvez seja este um dos problemas, pois algo que muitos cuidam acaba sendo relegado, com a diluição das responsabilidades. Uma questão que lembra a velha máxima de que "cachorro com muitos donos morre de fome". Ministério Público, Agência Nacional de Água, Agência Nacional de Mineração, Ibama, Tribunais de Contas.... Todos poderiam e deveriam fiscalizar, mas não fizeram. Tantos organismos onerosos para o Estado e nenhum cumpriu sua missão em Brumadinho.

O Brasil tem uma legislação forte para todo o processo de liberação de obras e empreendimentos, mas peca muito no acompanhamento, fiscalização e prevenção. Tivemos, há pouco tempo, o rompimento da barragem de Mariana, do mesmo grupo empresarial da Vale, que também foi um evento gravíssimo. À época, houve toda uma reverberação, alertas e discursos de autoridades e analistas. Porém, passado o impacto, o tema foi esquecido e se manteve a ausência de fiscalização e acompanhamento.

O Brasil tem, ainda, a Política Nacional de Segurança em Barragens, instituída pela lei 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece procedimentos para a segurança de barragens destinadas à acumulação de água, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais. No entanto, a norma não foi implementada em termos práticos.

O acidente de Mariana, em 2015, deveria ter despertado toda a atenção para o tema. Porém, apesar de sua gravidade, a questão continuou relegada a segundo plano. O Ministério Público, por exemplo, poderia ter se aprofundado no conteúdo dessa lei específica e, com base nela, averiguar tudo o que estava acontecendo nas centenas de barragens existentes no Brasil. Mas, não fez isso. E agora, de maneira triste e dramática, estamos descobrindo que a barragem de Brumadinho, não era segura e estável, como se classificava até ocorrer a tragédia.

Temos, portanto, um sério problema cultural de fiscalização. O Brasil gasta muito com legislação de entrada e punição. Demoniza as situações quando ocorrem, indeniza e aplica sanções legais, mas não investe e se empenha em fiscalizar e prevenir. Normalmente, os órgãos de controle glosam os recursos destinados à fiscalização, entendendo a prevenção como gasto e não investimento.

Observa-se esse problema até em questões mais simples, como a prevenção de passivo trabalhista nas prestadoras de serviço para órgãos públicos. Cortam-se essas despesas, sob alegação de que seria desnecessário um provimento para algo que não está ocorrendo. Porém, quando ocorre (e acontece!), é preciso punir e indenizar.

Se a Vale tivesse investido em prevenção os cerca de R$ 11 bilhões bloqueados judicialmente por conta do acidente de Brumadinho, o Brasil não estaria vivenciando essa situação tão amarga e a própria companhia não estaria enfrentando todas as consequências, como a perda recorde do valor de uma empresa na Bolsa de Valores, danos gravíssimos para sua imagem e processos criminais e indenizatórios que se seguirão.

O mesmo se aplica aos órgãos e autoridades competentes, que também poderiam ter evitado a tragédia se cumprissem de modo adequado seu dever legal de fiscalizar. Quando aprenderemos?

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*Fernanda dos Reis é sócia-titular da Caodaglio & Reis Advogados.

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