A privação da liberdade, mediante prisão, pode apresentar-se sob duas modalidades. Uma delas, como pena imposta judicialmente por motivo de condenação criminal. São as penas de reclusão, de detenção e de prisão simples. Constituem a prisão-pena, o carcer ad poenam. Numa outra modalidade, a custódia se faz como medida provisória, cautelar, para evitar a fuga de quem se ache processado ou envolvido em inquérito policial, ou em benefício da instrução criminal, ou ainda para garantia da ordem pública (nessas modalidades a custódia tem a denominação de prisão preventiva), desde que haja prova do fato delituoso e indícios suficientes da autoria. Outras espécies são as prisões decorrentes de sentença condenatória ainda recorrível e de pronúncia, e também de aprisionamento em flagrante delito. Essas prisões, inclusive a preventiva, são também chamadas provisórias ou processuais. Não têm o caráter de pena, mas de medida cautelar, um carcer ad custodiam.
Há ainda uma outra espécie, de finalidade preparatória, para o fim de providenciar-se o cumprimento de pena em estabelecimento prisional. Tem passado despercebida da doutrina e de obras didáticas, e foi por mim identificada (ou “descoberta”) e apontada em publicações.
Além dessas espécies tradicionais, uma mais recente, de curta duração e decretável na fase de inquérito policial, apareceu com a denominação de prisão temporária.
Depende, como as outras, exceto a prisão em flagrante delito, de ordem judicial, que há de ser fundamentada, como determina a Constituição Federal.
Em passado não muito distante, era mais frequente uma espécie conhecida como prisão para averiguações policiais, determinada por autoridade policial. Posto ilegalíssima, era de impressionante ocorrência.
Certamente com o propósito de melhor combater o crime organizado em crescimento no país, evitando-se ao mesmo tempo os inconvenientes e riscos das prisões ilegais, também mais presentes com a conscientização do exercício da cidadania, e sem dúvida alguma também para facilitar as prisões quando ainda seria impossível ou difícil a decretação da preventiva, criou-se a chamada prisão temporária, para crimes mais graves, regulada pela lei 7.960/89. Funciona assim: o delegado, ao invés de prender ilegalmente para averiguações, representa ao juiz para que decrete a temporária do investigado, ouvido o Ministério Público se não tiver sido ele quem fez a representação, pois que a isso também ele tem direito. Pronto. O juiz então decreta e o delegado prende logo, legalmente.
Acho que a emenda ficou pior que o soneto. Para essa prisão temporária não se exigem provas um tanto robustas como para a preventiva nem qualquer das finalidades desta. E a prisão, antes de condenação definitiva, é um mal a ser evitado. Só em caso de necessidade extrema seria tolerável. Nem seria assim tão difícil colher uma prova satisfatória para a decretação da preventiva, sendo caso dela. Depois, em último caso, se houver muita urgência, como, por exemplo, no caso de um suspeito perigoso fugindo, sua detenção direta pelo delegado poderá mostrar-se justificada pelo estado de necessidade, uma causa de exclusão da ilicitude.
Para o inocente seria mais seguro se não existisse a lei da temporária. O delegado, que não é bobo, não meteria a mão na cumbuca à toa; agora, com a temporária, estará apoiado nas costas largas do juiz, que não é responsabilizado pela injustiça que praticar.
Com efeito, receia-se que, apresentada a representação do delegado, o promotor opine pela decretação e o juiz passe logo o jamegão. Se a preventiva, que exige fundamentação mais rigorosa, muitas vezes é decretada sem ela, com a tolerância de tribunais, embora de legal só tenha uma aparência – comentei isso no livro Recursos, artigos e outros escritos, já no prelo –, imagine-se uma temporária!
Nascida de uma medida provisória do Executivo, essa prisão temporária, disciplinada por lei muito malfeita, a rigor só é possível, a meu ver, devido a uma brecha da lei, no caso de o investigado não ter residência fixa ou não fornecer elementos para o esclarecimento de sua identidade. Deve, assim, ficar limitada sua aplicação. Mesmo porque, fora desses casos não é tão essencial para as indagações policiais, servindo mais como coação para falar.
O pior é que a lei criou até um serviço de plantão permanente, de Ministério Público e juiz, em todas as comarcas, especialmente para atender aos pedidos de prisão temporária. Mas não incumbiu esse plantão de examinar pedido de revogação da prisão injusta ou desnecessária. Então, só restará a impetração de um habeas corpus, difícil de ser atendido com presteza por Tribunal de Justiça distante de uma longínqua comarca do interior.
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*José Barcelos de Souza é membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, aposentado.