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O entendimento recente do TJ/SP acerca da incidência de ITCMD sobre o perdão de dívida

Para as operações em que haja o perdão de parte da dívida, de forma justificável, dentro das práticas de mercado ou coerente com os fatos que rondam a operação de empréstimo em questão, mostra-se legítima a remissão do passivo, não devendo ser atingida pelo ITCMD, prejudicada a suspeita de simulação no negócio jurídico

29/1/2019

Um tema tributário de grande relevância para o dia a dia de pessoas físicas e empresas, que tem sido alvo de recentes decisões em diferentes Câmaras do TJ/SP, diz a respeito à incidência de imposto sobre doação e transmissão causa mortis (ITCMD) sobre o perdão de dívidas, já sendo possível constatar que a posição dominante neste Tribunal, vem sendo no sentido da incidência deste imposto.

Sobre esse assunto, os casos mais comuns são de empréstimos familiares, mais comumente entre pais e filhos, declarados no imposto de renda da pessoa física (IRPF) por credor e devedor e, na sequência, baixados no ano seguinte como perdão de dívida.

Esse movimento tem sido entendido pelo fisco estadual como uma simulação a uma doação, para se evitar a incidência do ITCMD, que tem alíquota de 4%, no Estado de SP, sobre o valor da transação.

Por outro lado, a alegação pelo lado dos contribuintes é a de que o perdão de dívida e a doação são institutos distintos, de acordo com o CC. Isso porque o perdão de dívidas está previsto no artigo 385, sobre adimplemento e extinção das obrigações. Já a doação, encontra-se no capítulo de contratos, no artigo 538 do mesmo Código.

Some-se à questão da diferença entre os dois institutos, da remissão e da doação, não haver disposição legal que trate da equivalência destes.

Todavia, além da diferença entre as duas ou operações, há que se ter em conta que o CC se orienta pelo aspecto volitivo do agente, seja, a sua real intenção e vontade. De modo que se uma operação que simule um perdão de dívida tiver claramente a intenção de mascarar uma doação, para evitar o pagamento de ITCMD, é aplicável a desconsideração do perdão de dívida, para caracterizá-lo como uma doação, com a consequente incidência do tributo e multa qualificada.

Para se aferir se uma operação de empréstimo com sucessivo perdão da dívida é legítima, o primeiro ponto que deve ser analisado diz respeito à pertinência e legitimidade do empréstimo realizado. Logo, uma vez que o empréstimo não seja descaracterizado, legítimo seria o perdão da dívida, desde que também se mostre justificável.

O tema ainda não chegou a ser analisado nos Tribunais superiores, porém, três turmas distintas do TJ/SP, as 4ª, 11ª e 13ª Câmaras de direito público, já tem entendimento exarado a favor do fisco, nas operações em que foi possível caracterizar o empréstimo como uma doação.

Maior destaque, neste sentido, para as operações entre entes familiares, como ocorreu com decisão transitada em julgado em novembro do ano passado, na 4ª Câmara do TJ/SP, em que houve votação unânime dos desembargadores negando o recurso de uma contribuinte, que declarou ter recebido empréstimo de seu pai para, no ano seguinte, receber o perdão da dívida, sem ter conseguido demonstrar que o empréstimo não se tratava efetivamente de uma doação.

Ademais, em outro caso julgado pela 13ª Câmara do TJ/SP, os desembargadores também foram unânimes ao negar recurso de um contribuinte autuado por não ter recolhido ITCMD. Contudo, neste caso específico, o contribuinte foi autuado por receber um perdão de dívida contraída com seu ex-sócio, todavia, a operação também foi descaracterizada como uma doação simulada.

Até o momento, a única decisão favorável ao contribuinte é da 9ª Câmara do TJ/SP, dada em 2016. No caso, o contribuinte alegou que contraiu um empréstimo com uma empresa no Japão e, no curso do contrato, houve uma remissão de parte da dívida.

O relator do processo, desembargador Nuncio Theophilo Neto, entendeu que não se pode equiparar o perdão de dívida com doação porque, de acordo com o artigo 538 do CC, "considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra". E o "perdão da dívida é remissão, forma de extinção de uma obrigação, nos termos do artigo 385 do CC".

Segundo a decisão, "a pretendida equiparação de uma figura contratual a uma mera forma de extinção de obrigação evidentemente representa violação ao princípio da legalidade tributária". A decisão foi acompanhada pelos demais desembargadores, de forma unânime.

Como vimos a questão merece maior atenção e exige cautela, principalmente quando envolver pessoas relacionadas, exatamente pela necessidade em demonstrar de maneira latente a questão da pertinência e legitimidade, sempre acompanhada de sua justificativa.

Conclui-se, portanto, que para as operações em que haja o perdão de parte da dívida, de forma justificável, dentro das práticas de mercado ou coerente com os fatos que rondam a operação de empréstimo em questão, mostra-se legítima a remissão do passivo, não devendo ser atingida pelo ITCMD, prejudicada a suspeita de simulação no negócio jurídico.

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*Luiz Mansur é advogado associado do escritório Melcheds || Mello e Rached Advogados.

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