Em dezembro de 2018, foi publicado provimento do Conselho Federal da OAB que regulamenta uma atividade que vem ganhando corpo nesses tempos de solução negociada para atos de corrupção: a investigação defensiva ou comumente investigação interna.
É certo que a atividade de investigação, como bem destacado pelo provimento, presta-se a produzir material destinado a orientar a atuação do cliente frente a diversas hipóteses elencadas no seu art. 3º, a saber: (i) pedido de instauração ou trancamento de inquérito; (ii) rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa; (iii) resposta a acusação; (iv) pedido de medidas cautelares; (v) defesa em ação penal pública ou privada; (vi) razões de recurso; (vii) revisão criminal; (viii) habeas corpus; (ix) proposta de acordo de colaboração premiada; (x) proposta de acordo de leniência; (xi) outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
Neste rol de finalidades, conquanto haja expressa ressalva no caput do art. 3º quanto à natureza exemplificativa, ressente-se a ausência de referência expressa às ações de improbidade e outros expedientes – administrativos e judiciais – relacionados à aplicação de penalidades da Lei Anticorrupção e demais instrumentos do direito administrativo sancionador. Há uma menção ao acordo de leniência, sem especificar se a referência é àquele previsto na lei 12.846/13 ou o da Lei Antitruste (lei 12.529/11) ou mesmo àquele recentemente regulamentado pela lei 13.506/17 (no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e Comissão de Valores Mobiliários).
A leitura do provimento transparece seu enfoque a partir de uma visão da investigação interna como um instrumento de suporte à atuação na instância criminal, como destacado no art. 1º:
“Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.”
Todavia, o alcance dessa atividade estende-se para além das fronteiras criminais ou mesmo pode ser instrumento de atuação em casos que não despertem a atuação da justiça criminal, por exemplo, em hipótese que se limita ao campo administrativo-sancionatório ou à improbidade administrativa.
Mesmo com essa restrição que pode ser facilmente superada a partir da interpretação do provimento, sua edição deve ser louvada como um passo importantíssimo para a proteção da atuação dos profissionais que se dedicam à atividade e, sobretudo, aos constituintes que buscam, nos resultados de uma investigação interna bem feita, a segurança para a atuação em casos que envolvem violação – em maior ou menor grau – a tipos penais e ao direito administrativo sancionador.
Um exemplo sobre como a regulamentação é positiva para a atividade é o art. 6º, que expressamente impõe o dever de sigilo sobre o resultado de investigações e coloca o constituinte como destinatário final do material, somente autorizando sua divulgação com anuência expressa.
Identicamente, ao estabelecer que a atividade é privativa da advocacia (art. 7º, do provimento), estende proteção legal (EOAB, art. 7º, II) ao material de trabalho – incluindo não apenas o relatório final, mas também as notas e demais apontamentos tomados durante as diligências. Melhor seria que houvesse expressa menção a essa proteção a tudo quanto fosse coletado durante as diligências de investigação interna, em ordem a resguardar mais claramente o exercício da atividade. Entretanto, a referência do art. 7º já é um bom argumento para evitar que o trabalho do advogado como investigador não venha a ser usado contra o constituinte (nemo tenetur se detegere).
Como mencionado no título deste artigo, entende-se que agiu bem o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao regulamentar a investigação interna. Há, contudo, aperfeiçoamentos a serem realizados, em ordem a conferir segurança jurídica à atividade.
Uma questão relevante que poderia ter sido abordada é a manutenção do sigilo do art. 6º mesmo na hipótese de consulta a outros profissionais, por exemplo, que deverão conduzir o processo de aproximação e de negociação de eventual acordo de colaboração ou de leniência com as autoridades. Parece intuitiva a manutenção do sigilo legal, mas seria melhor um detalhamento dessas hipóteses de sua persistência, mesmo em casos de transferência para outros profissionais.
Outro ponto a ser objeto de reflexão é que o provimento abarca as investigações para fins de negociação de acordos de colaboração ou de leniência, mas não necessariamente aquelas que deles decorram, em razão de pactuação expressa com as autoridades. Haveria diferença de tratamento, por exemplo, quanto ao sigilo em se tratando de umas ou de outras? A mim, parece-me que não haja tal diferenciação, mas uma menção mais clara no provimento poderia afastar qualquer espécie de dúvida que possa surgir nas diversas aplicações do instituto.
Mas, poderia ser tratado aqui, quanto ao aperfeiçoamento do provimento, mas a hora é de saudar a sua edição, como um relevantíssimo passo para conferir segurança aos profissionais e constituintes que necessitam da investigação interna como instrumento de tomada de posição nas complexas relações que se estabelecem entre empresas, indivíduos e o Estado.
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*Igor Sant’Anna Tamasauskas é sócio de Bottini & Tamasauskas Advogados. Doutorando e mestre em Direito do estado pela Universidade de São Paulo.