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O recente regulamento das Cotas de Reserva Ambiental

Apesar dessa momentânea incerteza quanto ao conteúdo jurídico de identidade ecológica, a iniciativa do Governo Federal diminui lacunas para a efetiva regularização de imóveis rurais e pode incentivar o desenvolvimento do mercado de venda de ativos ambientais.

7/1/2019

Em 28/12/18 foi publicado o decreto federal 9.640, que regulamenta a Cota de Reserva Legal – CRA, instituída pelo artigo 44 da lei federal 12.651/12. A CRA é um dos mecanismos de compensação de déficit Reserva Legal em imóveis rurais previstos novo Código Florestal. O embrião da CRA já era previsto no antigo Código Florestal (Lei federal 4.771/65, revogada pela lei federal 12.651/12 – "Novo Código Florestal"), sob a denominação de "Cota de Reserva Florestal", mas nunca foi regulamentado pelo Governo Federal. Após a entrada em vigor do Novo Código Florestal, apenas alguns estados vinham utilizando o instrumento com base em seus próprios regulamentos.

O objetivo da CRA é permitir aos proprietários de imóveis rurais que, até 22 de julho de 2008, tinham áreas de Reserva Legal em extensão inferior àquela estabelecida no artigo 12 do novo Código Florestal, compensar déficit de reserva legal por meio da aquisição da CRA.

O regulamento detalha os procedimentos de emissão, registro, transferência e cancelamento da CRA. Caberá ao Serviço Florestal Brasileira – SFB a emissão da CRA mediante registro em bolsas de mercadorias de âmbito nacional ou em sistemas de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central do Brasil.

O excedente de remanescente de vegetação nativa primária ou secundária em qualquer estágio de regeneração ou recomposição ou de área em processos de recuperação ambiental pode ser comercializado como um ativo ambiental, desde que o imóvel rural serviente esteja com sua área de Reserva Legal registrada e aprovada no Cadastro Ambiental Rural – CAR. 

No que diz respeito ao exame técnico da área com excedente de vegetação nativa, o decreto federal exige que o órgão ambiental estadual analise o estágio de regeneração ou recomposição das áreas que, em tese, estão aptas para a compensação de Reserva Legal. Ao final do processo, laudo comprobatório deverá ser emitido por autoridade pública ou entidade credenciada, visando a assegurar o controle pelo SFB.

O decreto federal prevê que, independentemente da situação ambiental da vegetação nativa destinada para a compensação de Reserva Legal, não poderá ser emitida CRA nos casos em que (i) a inscrição do imóvel rural no CAR for cancelada; (ii) houver sobreposição do CAR do imóvel rural serviente a terras indígenas, projetos de assentamentos da reforma agrária ou outros imóveis rurais; e (iii) a vegetação nativa do imóvel serviente estiver localizada em área de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN.

Em relação às hipóteses de cancelamento da CRA e consequente perda da condição de regularidade ambiental no Sistema de Cadastro Ambiental Rural – SICAR, o decreto federal exige que a efetiva manutenção das condições de conservação da vegetação nativa da área que deu origem ao título seja comprovada. A este respeito, busca-se evitar que seja criado um mercado de “títulos sem lastro", em que a venda de CRA não corresponda à efetiva conservação da vegetação nativa no imóvel serviente. Além disso, o decreto Federal prevê o cancelamento da CRA caso ocorra o cancelamento do registro imobiliário do imóvel rural. Como decorrência dessas hipóteses, é de se esperar um fortalecimento do mercado de ativos ambientais, uma vez que a negociação tende a ser precedida de auditoria técnica e jurídica, visando a garantir a segurança jurídica da compensação de Reserva Legal.

Outro ponto relevante para a instrumentalização da CRA relaciona-se ao posicionamento do STF. Em 28/2/18, foi concluído o julgamento das ADIns 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e da ADC 42, que buscavam a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de dispositivos da lei federal 12.651/12, de expressões contidas em tais dispositivos ou sua interpretação conforme a Constituição.

Muito embora até o momento não tenha sido publicado o acórdão do julgamento, em relação ao artigo 48, § 2º, da lei federal 12.651/12, que dispõe sobre a CRA como mecanismo de compensação de Reserva Legal, o STF, por maioria, determinou dar interpretação conforme a Constituição Federal, para permitir a compensação de Reserva Legal apenas entre áreas com “identidade ecológica”.

Já em relação ao artigo 66, §6º, o STF decidiu pela constitucionalidade do dispositivo, o qual prevê que as áreas a serem utilizadas para compensação de Reserva Legal deverão estar localizadas no mesmo bioma. O STF, contudo, fez ressalva específica quanto aos critérios para a CRA. Em tese, enquanto para os demais mecanismos de compensação de Reserva Legal (servidão ambiental, regularização fundiária de Unidades de Conservação, por exemplo) será utilizado o critério geográfico “bioma”, para a CRA seriam utilizados os critérios “identidade ecológica” (art. 48) e “bioma” (art. 66). Vale frisar que o novo Código Florestal não contém o termo “identidade ecológica”, conceito que tampouco está previsto em norma de âmbito federal.

Embora a lei federal 4.771/65, revogada pelo novo Código Florestal, previsse no artigo 44, inciso III, que a compensação de Reserva Legal poderia ocorrer por outra área equivalente em “importância ecológica e extensão”, desde que pertencente ao mesmo ecossistema e estivesse localizada na mesma microbacia, apenas com base na discussões havidas na plenária do STF, inexistem elementos concretos que permitam concluir que “identidade ecológica” e “importância ecológica” teriam o mesmo significado jurídico e técnico para fins de aplicação do novo Código Florestal e da CRA, segundo entendimento do STF.

De toda forma, tendo em vista as enormes dificuldades práticas para viabilizar a compensação em microbacias, é possível que a decisão do STF tenha o efeito de legitimar a premissa de localização para a compensação de Reserva Legal via CRA com base na similaridade ecológica segundo o critério de bacias hidrográficas, como já ocorre em alguns Estados.

Apesar dessa momentânea incerteza quanto ao conteúdo jurídico de identidade ecológica, a iniciativa do Governo Federal diminui lacunas para a efetiva regularização de imóveis rurais e pode incentivar o desenvolvimento do mercado de venda de ativos ambientais. A publicação do acórdão do julgamento pelo STF poderá diminuir a insegurança jurídica envolvendo a instrumentalização das CRAs.

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*André Vivan de Souza é sócio de Pinheiro Neto Advogados.

*André Marchesin é associado de Pinheiro Neto Advogados.






*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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