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O SAMPAPREV e a necessidade de preservação de garantias constitucionais

Atualmente tramitam na Justiça Federal diversas ações judiciais para impugnar os atos que atentaram contra o direito de opção, com o objetivo de impor ao Estado o cumprimento da Constituição da República, cujas regras são aplicáveis a todos os entes da federação, incluindo o município de São Paulo.

4/1/2019

O direito à previdência social está descrito no art. 6º, caput, da Constituição da República, dentro do título dos direitos e garantias individuais, como um direito social. O artigo subsequente, em seu inciso IV, ratifica a necessidade da aplicação desse direito às relações trabalhistas urbanas e rurais, ao lado de outras garantias constitucionais, como o salário mínimo e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).

Para Miguel Horvath Júnior, o direito à previdência social tem por fim assegurar o mínimo existencial a seus destinatários, de modo que sua legislação (infraconstitucional) tem caráter cogente e natureza de ordem pública para proporcionar a paz social1.

Tais garantias, dentre outras, são expressamente aplicáveis aos servidores públicos, conforme a previsão contida no art. 39, § 3º, do texto constitucional:

Art. 39. § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Incluído pela EC 19, de 1998)

O Constituinte originário preocupou-se em distanciar o servidor público dos demais trabalhadores da iniciativa privada, ao estabelecer, com relação àqueles, direitos e obrigações próprias decorrentes do exercício da função pública a cargo do Estado. Diferentemente das relações trabalhistas, cujo plexo de direitos e obrigações são previamente definidos por instrumento contratual, as relações entre os servidores e a Administração Pública é de natureza estatutária, definida em lei, de forma que o Estado deterá o poder e a prerrogativa de alterar unilateralmente o regime jurídico regente dessas relações2.

Com relação à previdência social, a Constituição da República diferencia o regime dos servidores públicos dos demais trabalhadores, ao estabelecer no art. 40 um regime próprio de previdência para os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Importante ressaltar que o atual regramento do regime de previdência dos servidores públicos é fruto de sucessivas reformas previdenciárias que, ao longo dos anos, tornaram mais rígidos os requisitos para a concessão do benefício previdenciário, bem como diminuíram as vantagens a ele agregadas.

Merece destaque a reforma previdenciária efetuada por meio da EC 20/98. Ao introduzir o § 14 no art. 40, a Constituição da República passou a admitir a possibilidade de incidência de um teto máximo para os benefícios de aposentadoria dos servidores públicos da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, equivalente àquele existente no regime geral da previdência social, desde que o Poder Público institua um regime de previdência complementar em favor de seus servidores.

É nesse contexto que a câmara municipal de São Paulo aprovou a criação do SAMPAPREV, um regime de previdência complementar destinado aos servidores municipais. Na prática, isso significa que a aposentadoria paga pelos cofres municipais aos novos servidores estará limitada ao teto regime geral da previdência social (atualmente no valor de R$ 5.645,80).

No entanto, é importante ressaltar que tal modificação nas regras de aposentadoria deve respeitar as balizas impostas pela própria Constituição, na medida que não poderá ser aplicada de forma indistinta a todos os servidores dos quadros municipais.

Isso porque os servidores que entraram em exercício em momento anterior à data de implementação do novo regime de previdência apenas se submeterão às novas regras se assim decidirem, mediante a formalização do direito de opção a que alude a própria Carta Magna:

Art. 40. § 16 - Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar.

O ingresso no "serviço público" a que se refere o § 16, acima transcrito, não se limita ao órgão instituidor do novo regime de natureza complementar ou da aposentadoria do servidor (no caso, o município de São Paulo).

Os servidores egressos de outros entes da federação (advindos da União, Estados, municípios e do DF) e que ingressaram nos quadros municipais sem quebra de vínculo (sem interrupção temporal entre os cargos) deverão ter considerada a data mais remota de ingresso no serviço público para a fixação do regime previdenciário aplicável.

Além dos servidores que já se encontrarem em exercício na data de implementação do novo regime, existem aqueles que em razão do cargo ocupado possuem direito à aposentadoria com critérios e requisitos diferenciados, cujas legislações ainda possibilitam o cálculo de seus benefícios com regras próprias.

É o caso dos servidores que exercem atividades de natureza policial, que detém direito ao repasse da aposentadoria com proventos integrais e paritários, independentemente do momento de ingresso no serviço público. Para tais trabalhadores, o constituinte reservou tratamento especial no art. 40, § 4º, da CR/88, apartando o regime de previdência desses servidores com relação aos demais.

A preocupação quanto à forma de instituição do novo regime, no âmbito do município de São Paulo, se deve em razão do cometimento de vários equívocos por outros entes da federação. A título de exemplo, quando da instituição do regime de previdência complementar pela União Federal (FUNPRESP), o direito de opção foi relativizado para incluir todos os servidores públicos que ingressaram em seus quadros funcionais, independentemente da origem funcional ou da natureza das atividades desempenhadas.

Por essa razão, atualmente tramitam na Justiça Federal diversas ações judiciais para impugnar os atos que atentaram contra o direito de opção, com o objetivo de impor ao Estado o cumprimento da Constituição da República, cujas regras são aplicáveis a todos os entes da federação, incluindo o município de São Paulo.

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1 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2005. fls. 111/112.

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 33ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2016. fl. 286.

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*Thiago Linhares de Moraes Bastos é advogado e sócio do escritório Torreão Braz Advogados.

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