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A tendência de unificação de carreiras na administração pública

A impossibilidade de aumento de gastos do Poder Público, aliada à necessidade de otimização dos serviços prestados diretamente pelo Estado, evidencia a tendência de unificação de carreiras e cargos no âmbito do serviço público. É importante ressaltar, todavia, que tal movimentação não pode se dar em desrespeito à lei e aos ditames constitucionais que regem a atuação administrativa do Estado.

2/1/2019

Os debates travados no último período eleitoral expuseram a necessidade de revisitar aspectos centrais da atual organização administrativa do Poder Público, dentre os quais merecem destaque: a diminuição do tamanho da máquina estatal, a redução dos gastos com previdência e a otimização dos custos com o quadro de pessoal.

No âmbito do Poder Judiciário, a resolução 219 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscou atender a essas necessidades com a reorganização de atividades e redistribuição de servidores entre os diversos órgãos judicantes de primeiro e segundo graus.

Seu capítulo segundo dá conta de que o critério balizador dessa reorganização deve ser o tipo de atividade desempenhada (e não a nomenclatura do cargo, emprego ou função de origem). Ao final, em seu artigo 22, a resolução determina a adoção de providências tendentes à unificação das carreiras de cada Tribunal de Justiça, “sem distinção entre cargos efetivos, cargos em comissão e funções de confiança de primeiro e segundo graus”.

Parte de um projeto amplo de reforma administrativa, a unificação de carreiras na administração pública está diretamente relacionada com a forte e nova tendência de fusão de secretarias (no âmbito dos estados, municípios e do Distrito Federal) e de ministérios (no âmbito da União), como meio para alcançar a meta de “redução da máquina pública” que foi entoada e ganhou força durante as eleições de 2018.

Essa corrente de pensamento pode ser vista na proposta de Plano de Governo do candidato eleito, Jair Bolsonaro, registrada no TSE1, em que propôs a redução do Estado com a fusão de ministérios e privatizações de empresas estatais, e apontou como uma das razões para a lentidão, ineficiência e o aparelhamento do setor público a multiplicação de cargos e benefícios.

Mais recentemente, o interventor do estado de Roraima, Antonio Denarium (também eleito governador do estado nas últimas eleições), expôs publicamente a necessidade de reforma administrativa daquela unidade da federação, com a fusão e extinção de secretarias para cortar gastos e possibilitar a governabilidade pelos próximos 4 (quatro) anos2.

No âmbito do direito administrativo, a doutrina mais especializada conceitua carreira como “o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram”3 e cargos como “as mais simples e indivisíveis utilidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei”4.

De acordo com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, atualmente existem 278 categorias e carreiras apenas no Poder Executivo Federal5, o que torna impossível a administração da máquina pública segundo o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB/PE) – relator da conversão em lei da medida provisória 765/16, que reestruturou diversas carreiras do serviço público federal.

O alto número de cargos e carreiras existentes, com atribuições e responsabilidades demasiadamente especificados em lei, dificulta o remanejamento da força de trabalho ociosa pela administração, com os instrumentos atualmente previstos em lei, para áreas e lugares onde há verdadeiro risco de interrupção do serviço público por falta de pessoal.

Tanto é assim que, em 3 de julho de 2018, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão editou a portaria 193 (DOU de 4/7/18) que, a pretexto de disciplinar a composição da força de trabalho dos órgãos e entidades da administração pública federal “em caso de necessidade ou interesse público ou por motivos de ordem técnica ou operacional” (art. 2º, parágrafo único), adentrou em matéria de competência exclusiva do presidente da república (poder regulamentar) e possibilitou a livre (porém irrecusável) movimentação de servidores de diferentes carreiras para outros órgãos e entidades do Poder Público; desde que observada a “compatibilidade das atividades a serem exercidas com o cargo ou emprego de origem do agente público” (art. 7º, caput).

A despeito do exame de juridicidade da portaria 193/18, merecedor de um estudo próprio, a administração pública deixou clara a necessidade de remanejamento da força de trabalho para, em muitos casos, garantir a continuidade da prestação de serviços públicos básicos.

É certo que o estado moderno assume a responsabilidade instrumental para a satisfação das necessidades da sociedade e, por isso, deve atuar com observância da lei, mas sem perder de vista a ideia de eficiência6, que a própria Constituição da República confere status de princípio norteador da atividade administrativa direta e indireta (CR/88. Art. 37, caput):

A atividade da administração pública deve ter em mira a obrigação de ser eficiente. Trata-se de um alerta, de uma advertência e de uma imposição do constituinte derivado, que busca um Estado avançado, cuja atuação prime pela correção e pela competência.

Não apenas a perseguição e o cumprimento dos meios legais e aptos ao sucesso são apontados como necessários ao bom desempenho das funções administrativas, mas também o resultado almejado. Com o advento do princípio da eficiência, é correto dizer que administração pública deixou de se legitimar apenas pelos meios empregados e passou – após a emenda constitucional 19/98 – a legitimar-se também em razão do resultado obtido.7

A unificação de pastas e carreiras na administração pública, mais do que uma proposta de governo, deve buscar resultados concretos a partir da racionalização e aprimoramento da prestação de serviços pelo Estado, na medida em que aumentará o número efetivo de pessoal disponível (ocupantes do mesmo cargo e pertencentes à mesma carreira) para desempenhar as mesmas atribuições, independentemente da localidade e transitoriedade do problema/necessidade pública, a partir de expedientes previstos em lei e em sintonia com a Constituição da República – cessão, requisição, remoção e redistribuição.

O agrupamento de diversas carreiras e cargos, com base no conjunto comum de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional (Lei 8.112/90. Art. 3º, caput) municia o Poder Público de recursos humanos e técnicos para prover e reorganizar a administração federal, estadual, municipal e distrital, a cargo do respectivo chefe do Poder Executivo.

Em conclusão, a impossibilidade de aumento de gastos do Poder Público, aliada à necessidade de otimização dos serviços prestados diretamente pelo Estado, evidencia a tendência de unificação de carreiras e cargos no âmbito do serviço público. É importante ressaltar, todavia, que tal movimentação não pode se dar em desrespeito à lei e aos ditames constitucionais que regem a atuação administrativa do Estado, expressos no caput do art. 37 da Constituição da República.

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1 O caminho da prosperidade.

2 Reforma administrativa vai fundir e unificar secretarias.

3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29ª ed – São Paulo: Malheiros, 2004. p. 397.

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2016. p. 265.

5 Ministro do Planejamento defende MP que reestrutura carreiras do serviço público.

6 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. 5ª ed – Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 119.

7 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 933/934

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*Thiago Linhares de Moraes Bastos é advogado e sócio do Torreão Braz Advogados.

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