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Ausência justificada ao serviço para exame preventivo de câncer

Essas são as nossas primeiras impressões sobre o novo inciso do art. 473 da CLT, que, certamente, em sua aplicação, poderá trazer outras dúvidas, a considerar o leque de situações que o tema pode envolver.

27/12/2018

Foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União de 18/12/18 a lei 13.767, de 18 de dezembro de 2018, que “Altera o art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º e maio de 1943, a fim de permitir a ausência ao serviço para realização de exame preventivo de câncer.” Referida lei entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, em 18/12/18.

Vamos recordar que o art. 473 da CLT, agora alterado, apresenta as hipóteses legais relativas às faltas justificadas, estabelecendo que o empregado pode deixar de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário, em algumas situações definidas pelo artigo, a saber:

I. Falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou dependente (dois dias);

II. Casamento (três dias);

III. Nascimento de filho (um dia no decorrer da primeira semana);

IV. Doação de sangue (um dia a cada12 meses);

V. Alistamento militar (dois dias consecutivos ou não);

VI. Cumprimento do dever do reservista de se apresentar anualmente ao Serviço Militar (indefinido o número de dias);

VII. Nos dias de exame vestibular para ingresso em faculdades (indefinido o número de dias);

VIII. Comparecimento em juízo (indefinido o número de dias);

IX. Participação de representante sindical, em reuniões oficiais de organismos internacionais do qual o Brasil seja membro (pelo tempo que se fizer necessário);

X. Consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de esposa ou companheira (até dois dias);

XI. Acompanhamento de filho de até seis anos em consultas médicas (um dia por ano);

A nova lei acrescenta a essas hipóteses um novo inciso, que também considera faltas justificadas a ausência ao serviço: “XII – até 3 (três) dias, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de realização de exames preventivos de câncer devidamente comprovada”.

Dessa forma, o empregado pode, agora, ausentar-se do serviço, por até três dias a cada doze meses de trabalho, para submeter-se a exames preventivos de câncer, desde que comprove o fato para o empregador.

Numa rápida retrospectiva, a referida lei originou-se do projeto de lei da Câmara dos Deputados, que recebeu o número PLC 843/07, e PLC 158/08, no Senado; portanto, sua criação remonta ao longínquo ano de 2007, e é de autoria do deputado Daniel Almeida.

Dessa forma, o PLC tramitou por mais de dez anos no Congresso Nacional, tendo sofrido emendas no Senado e na Câmara que alteraram a feição original nesses mais de dez ano de tramitação.

Originalmente, dispunha a ementa do PLC: “Altera a lei 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de permitir a ausência ao serviço para realização de exame preventivo de câncer do colo de útero, de câncer da mama ou de câncer da próstata”, ou seja, pretendia-se focar a ausência justificada em casos específicos de câncer, considerando as campanhas mundiais de prevenção para esses tipos de câncer, tanto que o art. 1º do PLC dispunha que:

Art. 1° Esta lei inclui inciso ao art. 473, do decreto-lei 5.452, de 10 de maio de 1943, para permitir a ausência ao serviço sem prejuízo do salário para realização de exame preventivo de câncer do colo de útero, de câncer da mama ou de câncer da próstata.

Portanto, o texto original veio a ser modificado em sua tramitação no Congresso Nacional para simplificar o art. 1º e para permitir a generalização da natureza dos exames de prevenção de câncer, conforme ementa, art. 1º e art. 2º na nova lei, passando o benefício a abranger a hipótese de exame de qualquer tipo de câncer e não só o de colo de útero, mama e próstata, como originalmente se pretendeu.

Interessante notar que, embora tenha havido referida generalização quanto ao tipo de câncer, a justificação do PLC estava integralmente calcado nesses três tipos de doença, considerando as estatísticas que se tinha até então, quanto à grande ocorrência desses males. Para ilustrar essa assertiva, transcreve-se a justificação à apresentação do PLC:

“Justificação.

A proposição que apresentamos para a apreciação desta Casa visa proporcionar aos trabalhadores de ambos os sexos a oportunidade de realizarem, sem preocupações quanto a perdas salariais, exames preventivos contra tipos de câncer de elevada frequência e mortalidade em nosso país. Segundo o sistema de informações sobre mortalidade do Ministério da Saúde, apesar da existência de métodos preventivos simples, eficientes e de baixo custo, apenas em 2004 foram registrados no Brasil: 9.876 óbitos por câncer da mama, 4.393 óbitos por câncer do colo do útero (além de 2.749 óbitos por câncer de outras partes do útero) e 9.590 óbitos por câncer da próstata. No caso das mulheres, a medida também fortalece as ações que visam reduzir a discriminação contra elas. Diante da relevância da matéria para a saúde dos trabalhadores brasileiros, solicito o apoio dos nobres Parlamentares para aprovar a proposição nesta Casa. Sala das Sessões, 25 de abril de 2007. - Deputado Daniel Almeida.”

Também foi alterado o texto original do PLC, no tocante aos dias de faltas justificadas para tal fim, passando do conceito de número de dias livres para a realização do exame, para um número limitado de dias, para um período de doze meses:

Com efeito, estabelecia o Art. 2º do texto original:

“Art. 2°. O art. 473, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n° 5.452, de 10 de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso: "Art. 473 -

X - nos dias em que estiver comprovadamente realizando exames preventivos de câncer do colo de útero, de câncer da mama ou de câncer da próstata."

Já o texto final aprovado, que se concentrou no Art. 1º da lei, dispõe:

“XII – até 3 (três) dias, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de realização de exames preventivos de câncer devidamente comprovada;

Tal ocorreu em razão de emenda oriunda do Senado Federal (PLC 158/08), para melhor disciplinar a questão relativa ao número de dias dedicados aos exames, limitando-os a três dias de ausência ao serviço, a cada doze meses de trabalho, para “evitar possíveis abusos”.

Leia-se, para melhor compreensão, o voto do relator do PLC junto à comissão de seguridade social e família da Câmara, que bem ilustra a motivação dessas alterações:

II - VOTO DO RELATOR

As alterações elaboradas pela Casa Alta aprimoram o texto do projeto de lei em tela. Com efeito, o art. 1º da versão original mostra-se efetivamente desnecessário, pois apenas repete informações já constantes da ementa da propositura.

Também a Emenda nº 2, que restringe o período de ausência ao trabalho permitido para a realização de exames preventivos, parece-nos adequada, pois evita possíveis abusos. De fato, não são necessários mais do que três dias para a realização desses exames. É claro que, para um paciente em que venha a ser diagnosticada qualquer doença maligna, será necessário período maior; todavia, nesse caso já não se trata mais de exames preventivos. Foge, portanto, ao escopo desta propositura.

Pelo acima, considerando o mérito das duas emendas do Senado, posicionamo-nos favoravelmente à aprovação de ambas.

Sala da Comissão, em de de 2011.

Deputado Eleuses Paiva Relator”

Pois bem.


Considerando esses aspectos, que bem demonstram a motivação da referida lei e o seu alcance, antecipamos algumas dúvidas que podem surgir na aplicação das novas regras e que podem encontrar respostas nessa digressão legislativa, combinada com a jurisprudência trabalhista.

Primeiramente, ressalte-se que, a exemplo de outras hipóteses contidas no art. 473, o período para aferição de ausências justificadas para os referidos exames preventivos de câncer é de doze meses, razão pela qual a contagem se fará mês a mês. Vamos recordar que a hipótese de contagem anual, prevista, por exemplo, no inciso XI do mesmo artigo, para o caso de acompanhamento de filho em consultas médicas, remete ao ano civil, que é o período de 1º de Janeiro a 31 de dezembro de cada ano, caso em que deve ser considerado o referido período para a aferição do direito à falta justificada.

Quanto ao se alcance, em termos de gênero beneficiado e de tipos de exames, observa-se que sendo na origem um benefício previsto para empregados e empregadas - tanto que se referia o PLC a câncer de colo do útero, mama ou próstata - e tendo a lei que se seguiu, estendido os exames preventivos a qualquer tipo de câncer, não se limita a sua aplicação aos referidos exames mais comuns de pesquisa de câncer, mas sim a qualquer tipo de exame preventivo da doença, além de dirigir-se a pessoas de forma indistinta quanto ao sexo. Assim, beneficiam-se empregados e empregadas independentemente de gênero.

Ademais, considerando a amplitude que a lei deu às hipóteses de exames preventivos de câncer, devem ser considerados, dentre outros, os que envolvem pesquisa de: colo de útero (avaliação ginecológica, colposcopia, exame citopatológico de Papanicolaou), mamas (mamografia, exame médico), próstata (PSA, toque retal), estomago (endoscopia digestiva, biópsia), pulmões (raio-X de tórax, tomografia), pele (consulta dermatológica, exame laboratorial), intestino e colorretal (estudos radiológicos, sigmoidoscopia, colonoscopia).

Nesse passo, o empregador não poderá negar validade aos exames preventivos aplicáveis a todos os tipos da moléstia, inclusive aqueles realizados em exames médicos em consultório, a exemplo do toque retal para prevenção de câncer de próstata e consulta dermatológica, desde que o médico especifique expressamente no atestado tratar-se de exame médico preventivo de câncer.

Quanto ao número de dias para exame, vê-se que a lei fala em “até 3 (três) dias”, o que significa que poderão ser dias não consecutivos, até o limite de três dias no total, num período de “12 (doze) meses de trabalho”.

Nesse passo, os empregados deverão comprovar junto ao seu empregador, os dias de afastamento para a realização dos exames referidos, apresentando documentos hábeis para tanto, que comprovam a natureza de exame de prevenção ao câncer. Assim, poderá o empregador solicitar a comprovação de realização efetiva do exame, a partir de atestado fornecido pelo laboratório ou pelo médico, firmados, portanto, por profissional competente, onde fique devidamente especificado que o exame realizado no dia que se pretende justificar a ausência, foi realizado em dia específico para efeito de prevenção de câncer, já que a lei refere expressamente essa condição.

Entretanto, não será exigível do empregado e nem poderá ser condição para a comprovação da ausência justificada, a apresentação do resultado do exame preventivo, nem de seu conteúdo, considerando que informações dessa natureza pertencem exclusivamente ao paciente e ao eu médico.

Em relação ao cômputo dos doze meses referidos no novo inciso, chama-nos a atenção o texto, quando refere que o limite de três dias será contado “em cada 12 (doze) meses de trabalho”, pois o intérprete poderia considerar que o legislador pretendeu vincular a contagem do período considerando tempo de trabalho efetivo do empregado, situação em que não se computariam períodos descontínuos, quando o empregado esteve afastado do trabalho, com o contrato de trabalho suspenso.

Porém, verifica-se outra situação anteriormente prevista no mesmo art. 473, quando também foi utilizada a expressão “12 (doze) meses de trabalho”. Trata-se da hipótese de doação de sangue, prevista no inciso IV, do art. 473 da CLT.

Examinando-se o histórico de aplicação do referido dispositivo não notamos discussões na jurisprudência ou doutrina a respeito do tema. Ao contrário, parece-nos pacífico que a expressão “doze meses de trabalho”, não tem sido considerada como “doze meses de trabalho efetivo”, razão pela qual inclinamo-nos a considerar que o legislador quis mesmo referir-se ao período de doze meses de contrato de trabalho, independentemente de eventuais suspensões temporais.

Mais reforça essa conclusão o fato de o tema não ter sido discutido sob essa ótica no Congresso Nacional, pois o histórico legislativo acima resumido indica que o módulo de doze meses para exercício do direito de realizar exames preventivos de câncer foi utilizado no Senado como mero elemento limitador de tempo “para evitar abusos” dos empregados, como referido acima.

Outro aspecto que pode gerar algum tipo de questionamento, desta vez por parte das empresas que terão o encargo de bem aplicar a nova disposição, é a hipótese de poderem, ou não, estabelecer normas internas dirigidas aos empregados para exercício do direito, considerando ser bastante lacônico o dispositivo em análise, o que poderá ser uma preocupação para empresas que procuram disciplinar matérias como essa, buscando uma regularidade administrativa maior.

A princípio, nada impede que algumas regras sejam ditadas pelo empregador sobre a matéria, ínsitas ao seu poder de comando, desde que não agridam o direito que a lei quer proteger, qual seja, o direito à preservação da saúde de todos, por ato de prevenção, sem causar prejuízo salarial aos empregados.

Nessa linha, permite-se, a nosso ver, por exemplo, que se estabeleça por norma interna, uma sistemática razoável de procedimentos, onde o empregado se compromete, por exemplo, a pré-avisar o seu empregador, com alguma antecedência, quanto à data em que fará o exame preventivo de câncer e que, portanto, se ausentará do serviço, para que o empregador possa se organizar no setor respectivo.

Também pode ser estabelecida a regra, por exemplo, de que o empregador apenas aceitará documentos originais de comprovação da realização dos exames e dentro de determinado prazo, ou que estes serão exigidos no original para conferência pelo setor de pessoal.

Entretanto, tais regras estarão sempre no campo do que é exigível apenas do ponto de vista meramente administrativo, não podendo eventual transgressão do empregado a tais regras significar o não atendimento à lei, a ponto de o empregador negar-se a abonar as ausências justificadas.

Vale dizer, portanto, que, nos dois exemplos acima, mesmo que o empregado transgrida a regra interna de avisar antecipadamente o empregador quanto à data do exame, ou apresente documentos comprobatórios fora do prazo estabelecido pela administração, deve o empregador ponderar que, embora violadas as regras internas, não houve transgressão por parte do empregado à norma legal que dá ensejo ao direito, cabendo aí, quando muito, leves sanções administrativas, mas não a perda do direito.

Aliás, o TST, em hipótese semelhante que envolvia doação de sangue, decidiu exatamente nesta linha, conforme ementa que ora é transcrita:

“RECURSO DE REVISTA – AUSÊNCIA NA EMPRESA DO EMPREADO – DOAÇÃO VOLUNTÁRIA DE SANGUE – PAGAMENTO DO DIA NÃO TRABALHADO – PROVIMENTO – O art. 473 do estatuto legal consolidado enumera as hipóteses em que é permitido ao empregado deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo dos seus salários, destacando, em seu inciso IV, o caso relativo à doação voluntária de sangue, que permite àquele ausentar-se por um dia em cada doze meses de trabalho. Atentando para o texto da lei, as únicas condições apresentadas para que o empregado venha a ausentar-se do seu trabalho quando procede à doação de sangue são a comprovação do ato e a observância de um período de doze meses entre uma e outra ausência. Se a empresa contava com um conjunto de normas e procedimentos aplicáveis ao seu pessoal, a inobservância das condições ali estabelecidas para a doação voluntária de sangue – comunicação prévia do ato ao superior e obtenção de autorização – poderia acarretar, no máximo, alguma sanção de ordem administrativa. O não-pagamento do salário obreiro relativo ao dia de seu afastamento afronta o dispositivo consolidado acima indicado, não merecendo amparo a pretensão da empresa Recorrente. Recurso de Revista conhecido e desprovido. (TST – RR 592.092/99.6 – 15ª R. – 1ª T. – Relª Juíza Maria de Assis Calsing – DJU 22.08.2003 – p. 492).”

Advirta-se, também, que não se trata de um direito que vai se acumulando com o passar do tempo a favor do empregado, pois se não exercido por este dentro do período legal de doze meses, não se acumula para o período seguinte, mesmo que o empregado tenha, por exemplo, se submetido a exames apenas por um dia no período e tenha sido abonado tão somente o dia de ausência ao serviço.

Além disso, não é lícito ao empregado considerar que, por ter se submetido a exame preventivo de câncer em determinado dia, sem ausentar-se do trabalho, poderia depois apresentar ao empregador a comprovação de sua realização, pretendendo, assim, gozar folga em outro dia, uma vez que o espírito da lei, nesse caso, não teria sido atendido e, dessa forma, não caberia a pretendida troca por folga em dia aleatório.

Ressalte-se, também, que a lei não prevê qualquer tipo de indenização para a hipótese de o empregado eventualmente resolver trabalhar no dia em que submeteu-se a exame preventivo de câncer, pois o que a lei estabelece é que o empregado se ausente do serviço sem prejuízo de sua remuneração, exatamente no dia, ou dias em que vai se submeter a exames preventivos de câncer. Se não o fizer, espontaneamente, não pode exigir posterior indenização pelo empregador.

Por fim, não poderá o empregador exigir que o empregado compareça ao serviço no dia em que se submeter aos exames preventivos, mesmo que o empregado não tenha dispendido todo o período da jornada para tanto, pois a legislação não trata da hipótese de aproveitamento parcial do trabalho, já que a liberação é garantida por toda a jornada.

Essas são as nossas primeiras impressões sobre o novo inciso do art. 473 da CLT, que, certamente, em sua aplicação, poderá trazer outras dúvidas, a considerar o leque de situações que o tema pode envolver.

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*Marco Antonio Aparecido de Lima é sócio administrador da Lima & Londero Advogados.

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