A lei de locações é clara ao tratar com acuidade que a cessão da locação, total ou parcialmente, dependerá do consentimento prévio e escrito do locador, senão vejamos:
"Art. 13 – A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador."
Nas locações em shopping centers os lojistas são selecionados levando em consideração o tenant mix que se pretende atender, sendo da essência do negócio o caráter intuitu personae da contratação.
Para o locador/empreendedor de shopping center é extremamente relevante saber, conhecer e aprovar quem vai operar o negócio, pois o todo harmônico desses empreendimentos depende do bom desempenho de todos os lojistas. Isso sem mencionar que o empreendedor tem todo o interesse no desempenho dos locatários na medida em que recebe aluguel percentual baseado no faturamento dos comerciantes.
Foi diante deste cenário que nos contratos de locação e/ou nas normas gerais de shopping center, balizados pelo art. 54, da lei Federal 8.245/91 (lei de locação) – "Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei." – que foi contemplada a previsão da cobrança da "taxa de transferência" quando ocorre cessão da locação a terceiros, independente da forma, e também quando houver alteração, direta ou indiretamente, da maioria ou mais do capital votante da sociedade que seja locatária.
Também nos atemos para análise ao que dispõem os artigos 112, 113 e 114 do Código Civil Brasileiro:
"Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem."
"Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."
"Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente." (Grifo e negrito nosso)
Os tribunais pátrios não possuem divergência quanto a possibilidade de oposição do locador quando houver alteração do locatário, bem como a legalidade da cobrança da taxa de transferência.
Contudo, em recentes julgados sobre a matéria os tribunais pátrios, apesar de reconhecerem que a alteração do quadro societário de uma locatária, pessoa jurídica, possa trazer repercussões de ordem econômica, assim como, impõe ao locador uma contratação não autorizada, em um contrassenso, tem relativizado a cláusula que permite a cobrança da taxa de transferência.
Em julgado proferido pela 16ª Câmara Cível do TJ/RJ, constou: "E simplesmente dizer que essa cobrança se justifica pelos benefícios proporcionados nesse modelo de exploração comercial é totalmente ilógico se esses mesmos benefícios já são retribuídos através de outras exigências próprias do contrato de locação em shopping center." Assim, segue abaixo o julgado:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO COM PESSOA JURÍDICA CUJOS SÓCIOS, NO DECORRER DO PACTO, CEDERAM AS SUAS COTAS A TERCEIROS. A ALTERAÇÃO NO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA NÃO ENSEJA IRREGULARIDADE, TENDO EM VISTA QUE O CONTRATO FOI CELEBRADO COM A ENTIDADE PESSOA JURÍDICA CUJOS SÓCIOS, PESSOAS FÍSICAS, COM ELA NÃO SE CONFUNDEM. A REALIZAÇÃO DE OBRAS NO ESTABELECIMENTO NÃO ENCONTRA VEDAÇÃO NO CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE, INCLUSIVE, ESTABELECE A INEXISTÊNCIA DO DIREITO DE INDENIZAÇÃO OU DE RETENÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INFRAÇÃO CONTRATUAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível 0004524-39.2013.8.19.0209 – TJRJ - Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto - Décima Sexta Câmara Cível – data do julgamento 8 de março de 2016).
Em continuidade do julgamento retro, o i. des. salienta ainda a possibilidade de oposição a transferência do controle acionário, contudo, com as seguintes ponderações:
"Não se está afirmando, e isso é óbvio, que ao shopping não é permitido se opor à cessão das cotas da empresa lojista, porquanto esta alteração subjetiva na sociedade pode, sem sombra de dúvidas, trazer consequências negativas ao contrato de locação, sendo a principal delas o inadimplemento. Não é por outra razão que o contrato de locação, acertadamente, permite a intervenção do locador no negócio de transferência das cotas, sobretudo para que faça – como de fato fez – análise criteriosa do perfil socioeconômico dos novos sócios, a fim de se manifestar quanto à manutenção ou não do pacto locatício."
O julgado reconhece que a alteração do controle acionário indiscriminada traz consequências aos contratos, dentre elas, possível inadimplência, já que não houve prévia análise da situação financeira do novo sócio, contudo, afasta a possibilidade de cobrança da taxa de transferência por ausência de contraprestação que a justifique.
Portanto, não restam dúvidas de que a alteração do quadro societário sem prévia autorização do locador configura infração contratual passível de imposição da penalidade de despejo e, por consequência, aplicação da multa prevista por infração contratual, anda que, erroneamente, haja discussão acerca da possibilidade de cobrança da taxa de transferência.
Não se pode deixar de analisar a matéria e a repercussão dessa permissão sob a ótica das locações em shopping center. Ainda que a pessoa jurídica tenha personalidade, não restam dúvidas de que os sócios que a compõe e sua administração são de extrema relevância ao sucesso do negócio. Em uma estrutura em que a tenant mix e o know-how dos empresários envolvidos é imprescindível para a contratação da locação, não se pode deixar de considerar que a alteração do quadro societário pode comprometer não só a relação direta com o locador mas também com os demais lojistas, que também levaram em consideração as demais operações no mix para contratação da locação.
Desta forma, não há que se falar acerca da ilegalidade da cobrança da taxa de transferência, menos ainda quanto a oposição expressa do locador quanto á alteração do quadro societário da empresa locatária, em especial, quando houver alteração de seu controle acionário, permitindo a penalidade de despejo e, por consequência, a aplicação da multa prevista em virtude de infração contratual.
Caso o locador opte pela manutenção da locação, é devido pagamento da taxa de transferência, vez que a alteração do quadro societário ou seu controle acionário nas locações em shopping center demandarão as mesmas providências, custos e riscos inerentes à alteração do locatário, casos em que não restam dúvidas quanto a legalidade da cobrança da referida taxa.
Assim, como as demais infrações contratuais, as penalidades de despejo e imposição de cobrança de multas e taxas, visam coibir atitudes que confrontam as cláusulas previamente contratadas em total dissonância com a vontade das partes, bem como resguardar, a segurança jurídica das relações e, no caso em tela, as particularidades da locação em shopping center.
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*Alessandra Lopes do Amaral é advogada do escritório PL&C Advogados.