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Os duzentos anos de Candido Mendes e o relegado pensamento jurídico-político católico no Brasil

Deve-se a ele a volumosa coletânea “Direito civil e eclesiástico brasileiro”, saída em 1866, em quatro tomos, e o laborioso “Código Filipino ou Ordenações do Reino de Portugal, anotadas e seguidas da legislação portuguesa e brasileira até 1870”, que publicou em 1874.

5/12/2018

Tem passado in albis o bicentenário de nascimento do grande jurista e político Candido Mendes de Almeida (1818-1881), completado em 14 de outubro. O problema do descaso com sua memória é o mesmo que se dá com os demais homens públicos brasileiros que, vivos, pertenceram ao Olimpo de nossas letras e tribunas e, mortos, parecem frequentar o Hades de nossos estudos jurídico-políticos. No caso específico de Candido Mendes desconhecê-lo é ignorar por completo a linhagem de pensadores do catolicismo enquanto orientação filosófica sociopolítica e jurídica.

Candido Mendes é um dos maiores maranhenses da história brasileira. Nascido em São Bernardo do Brejo dos Anapurus, no interior da antiga província que outrora compusera unidade política apartada da administração colonial lusitana na América — o estado do Grão-Pará e Maranhão —era filho de um capitão de corveta português e de uma sinhazinha local, pertencente a uma importante família da classe política.

Pertencendo à “classe média” daquele Maranhão agora já em processo de gradual conexão com a Corte do Rio de Janeiro, aonde foram residir a rainha enferma, D. Maria I, e seu filho regente, D. João, desde 1808, ao primogênito dos Mendes de Almeida caberia estudar Direito provavelmente em Coimbra na fase pós-adolescente, mas os sucessivos acontecimentos bragantinos no Rio e em Lisboa e, depois, em Minas Gerais e São Paulo, provocaram a emancipação política, entre agosto e dezembro de 1822.

O herdeiro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves tornou-se D. Pedro I do Brasil, providenciando sua coroação na antiga Capela Real, agora imperial, ao lado do Paço da Cidade, antigo Paço dos Vice-Reis. Junto a D. Pedro I, recebia simbolicamente a mesma sagração sua mulher, D. Leopoldina, a arguta arquiduquesa austríaca que se uniu à mente brilhante bonifaciana para tomar à frente do processo em que ainda, necessariamente, as ambiguidades eram a marca de uma independência dentro do sistema de União Pessoal, que tendia a ser restaurado se não fosse a incompetência das Cortes-Gerais em Lisboa.

Nesse novo cenário, sem dúvida de ebulição, o jovem Candido Mendes de Almeida — cujo pai se batera nas lutas de independência por Portugal e não pelo Brasil — se dirigiu para a Faculdade de Direito de Olinda, fundada poucos anos antes por D. Pedro I. Em 1839, obteve bacharelado e logo depois a licenciatura. Na graduação, foi colega dos baianos Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883) e Benevenuto Augusto de Magalhães Taques (1818-1881), do pernambucano Antonio Herculano de Souza Bandeira (1813-1884), do piauiense Francisco José Furtado (1818-1870) e de diversos outros que fariam renome no Direito Público e Privado do nascente Império do Brasil.

Atraído pela política, filiou-se Candido Mendes ao Partido Conservador e se elegeu deputado-geral pelo Maranhão nas legislaturas 1840-1843; 1850-1852; 1853-1856; 1857-1860. Primou sempre pela defesa incondicional dos direitos da igreja, da qual era filho devotado.

Em 1871, D. Pedro II o escolheu em lista tríplice para representar o Maranhão no Senado do Império, que era vitalício.

Com o avanço dos “ismos” do XIX (cientificismo, secularismo, anticlericalismo), a tendência dos homens públicos era descolar gradualmente as esferas da política e da religião. Mas havia óbices constitucionais, haja vista ser o país um Estado eclesial misto, no qual o catolicismo era não somente religião oficial, como seus templos e territórios jurídico-eclesiásticos coincidiam, na prática, com as circunscrições jurídico-eleitorais: era nas “assembleias paroquiais” das “freguesias” que ocorriam as eleições regionais e nacionais, conforme o caput do art. 90 da Carta Política de 1824.

Candido Mendes destacou-se desde o início da carreira pública — foi professor de História e promotor de Justiça — como defensor das prerrogativas oficiais da religião católica, em meio a uma sociedade que ia, aos poucos, e sobretudo nas classes médias e altas urbanas, eventualmente aderindo a novas práticas religiosas ou simplesmente abandonando a fé cristã. É evidente exagero dizer-se que os brasileiros deixaram de ser católicos no século XIX, mas os preconceitos contra o clero, que reagia à secularização social, se faziam sentir fortemente.

Foi em decorrência do mais célebre dos episódios de conflito entre o episcopado e a burocracia imperial que Candido Mendes, então já reconhecido amplamente por sua erudição não somente jurídica, mas jornalística e geográfica — publicou em 1868 o Atlas do Império do Brasil, dedicado à Instrução Pública —, passa a atuar enquanto advogado de D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878) na famigerada “Questão dos Bispos”, uma espécie de Querela das Investiduras às avessas, na qual o titular da Sé de Olinda e Recife (D. Vital) e, depois dele, o da de Belém do Grão-Pará (D. Antonio de Macedo Costa), foram processados pelo Governo Imperial por terem ordenado aos seus diocesanos membros de irmandades católicas que abandonassem a pertença à Maçonaria. O assunto é sinuoso e complexo, mas a bem da memória de Candido Mendes diga-se que sua defesa dos prelados foi irreprochável e sua conduta em todo o processo muito honrosa. Em virtude da exposição durante o julgamento, e mesmo antes, cada vez mais lhe reputavam “ultramontano”, o adjetivo oitocentista que, não obstante o reducionismo, caracterizava católicos fieis ao Papado.

Deve-se a ele a volumosa coletânea “Direito civil e eclesiástico brasileiro”, saída em 1866, em quatro tomos, e o laborioso “Código Filipino ou Ordenações do Reino de Portugal, anotadas e seguidas da legislação portuguesa e brasileira até 1870”, que publicou em 1874.

Morto Candido Mendes de Almeida, em março de 1881, escreveu D. Pedro II à sua filha e seu genro — católicos mais fervorosos do que ele — que “muito senti a morte do Candido Mendes”. O irmão do finado, deputado João Mendes de Almeida (1831-1898), chefe do Partido Conservador em São Paulo e o filho deste, Dr. João Mendes de Almeida Junior (1856-1923) — um dos maiores jurisconsultos da história do Brasil —, continuariam a labutar pelo “catolicismo social”, que no caso concreto brasileiro misturava abolicionismo e indigenismo, sempre na preocupação catequética, batendo-se arduamente pelo Terceiro Reinado isabelino, abortado com a quartelada de 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro.

Dois filhos de Candido Mendes prosseguiram sua obra na antiga Corte: Fernando (1845-1921), senador estadual do Maranhão, e Candido Filho (1866-1939). Advogados e jornalistas notórios, acabaram se unindo a Rodolpho Dantas e Joaquim Nabuco no comando do Jornal do Brasil, o qual efetivamente passou a pertencer a Fernando Mendes de Almeida — que atuava como redator-chefe —, a partir de 1894. Ambos foram agraciados pela Santa Sé com o título de condes, em boa medida pelas gestões da então imperatriz exilada (D. Isabel) junto ao Papa Leão XIII e, depois, ao Papa São Pio X.

Fernando e Candido Mendes de Almeida Filho foram igualmente os fundadores do ensino jurídico privado no Rio de Janeiro, junto com o Visconde de Ouro Preto (1836-1912) e o Conde de Affonso Celso (1860-1938), ao estabelecerem a Faculdade de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro, em 1902. Dela provêm tanto a Faculdade de Direito da Uerj quanto a Universidade Candido Mendes, cujo reitor é o trineto homônimo do senador do Império.

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*Bruno da Silva Antunes de Cerqueira é historiador e advogado com formação na PUC-Rio e no UniCEUB, especialista em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes, indigenista especializado da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, e fundador e gestor do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora (IDII).

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