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A inversão do ônus da prova em processos judiciais envolvendo questões ambientais e a súmula 618 do STJ

A adoção desenfreada da inversão do ônus da prova não pode servir para simplificar a importância do estudo da relevância da prova nas ações em que se discute questões ambientais e tampouco pode servir para a aplicação indistinta de uma regra de inversão do ônus probatório, sem consideração dos elementos específicos de cada caso concreto.

5/12/2018

No dia 24 de outubro de 2018, a Corte Especial do STJ aprovou o enunciado da súmula 618, com o seguinte teor: “A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

Uma súmula aprovada pela Corte Especial ou por uma das seções do Tribunal tem a finalidade de consolidar, na forma de um enunciado, a jurisprudência do STJ1.

A proposta inicial debatida na Corte Especial pretendia a aplicação da inversão do ônus da prova a quaisquer demandas envolvendo questões ambientais. No entanto, durante a sessão de julgamento, os ministros debateram o teor do enunciado sobre a inversão do ônus da prova, especialmente se o enunciado deveria se referir a quaisquer demandas ambientais. Como se vê do teor do enunciado aprovado, optou-se pela redação que faz menção específica a ações “de degradação ambiental”.

Esse é um aspecto relevante da súmula, já que se faz referência apenas a ações de degradação ambiental, sem que exista, na legislação em vigor, um conceito da expressão “degradação ambiental”. Pelos precedentes indicados pela Corte Especial do STJ na publicação do enunciado da súmula, é de se entender que a Corte Especial limitou o conteúdo sumulado para os casos em que é discutida a responsabilidade por danos ambientais.

A limitação do entendimento aprovado na súmula 618 do STJ é relevante se considerarmos que as demandas judiciais envolvendo questões ambientais não são exclusivamente voltadas à busca pela responsabilização por danos ambientais. Não raras vezes, as ações judiciais discutem questões inerentes ao licenciamento ambiental de empreendimentos ou, até mesmo, aspectos formais de operação de determinadas atividades.

Com a redação aprovada pela Corte Especial, é defensável que a súmula 618 do STJ somente teria aplicação a ações visando à responsabilização civil por danos ambientais.

Apesar de se tratar de consolidação de entendimento reiterado das seções do STJ, o exame dos precedentes mencionados pelo Tribunal ao publicar o enunciado da súmula recomenda atenção para se verificar a extensão que será dada à súmula pelos juízes e Tribunais ao definirem a distribuição do ônus da prova em demandas ambientais.

Ponto relevante é que a aprovação da súmula pelo STJ tem a finalidade de consolidar o posicionamento do Tribunal sobre a matéria, ainda que não se trate de entendimento vinculante a outros juízes e tribunais. Aliás, a controvérsia sobre a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova não está inteiramente superada.

Grande parte dos precedentes que ensejaram a aprovação do enunciado da súmula 618 do STJ justifica a inversão do ônus da prova no princípio da precaução, que decorre do direito ao meio ambiente ambientalmente equilibrado previsto no artigo 225 da Constituição Federal, além de mencionarem a previsão legal da inversão no artigo 6º, inciso VIII, do CDC2.

Contudo, o enunciado aprovado pela Corte Especial do STJ não faz menção a requisitos para a concessão da inversão do ônus da prova, o que pode levar à sua aplicação em quaisquer casos de degradação ambiental, independentemente da verossimilhança de alegações do autor da demanda ou de maior facilidade do réu na produção da prova.

É de se esperar cautela para a aplicação da súmula 618 a quaisquer processos envolvendo degradação ambiental, para se evitar que a inversão do ônus da prova imponha responsabilidade excessiva ao réu da demanda, com dificuldade de exercício ao direito à ampla defesa.

A atribuição do ônus probatório no processo civil, inclusive nas demandas envolvendo relevantes questões ambientais, é etapa extremamente relevante do processo judicial. A adoção desenfreada da inversão do ônus da prova não pode servir para simplificar a importância do estudo da relevância da prova nas ações em que se discute questões ambientais e tampouco pode servir para a aplicação indistinta de uma regra de inversão do ônus probatório, sem consideração dos elementos específicos de cada caso concreto.3
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1 Conforme previsto no artigo 122 do Regimento Interno do STJ.

2 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

3 TORRES DE CARVALHO, Ricardo Cintra. A prova na ação civil pública. Ônus. Inversão. Distribuição da carga dinâmica. In: MILARÉ, Édis (Coord.). A ação civil pública após 30 anos. São Paulo: RT, 2015. p. 776.

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*Eduardo de Campos Ferreira é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP e associado da área contenciosa de Pinheiro Neto Advogados.

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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