Migalhas de Peso

Competência do STJ para a ação rescisória contra decisão que impede a admissibilidade do recurso especial

CPC/15 permite expressamente a ação rescisória contra decisão que impede a admissibilidade de recurso.

4/12/2018

Entende-se que a decisão monocrática de ministro do STJ pode ser objeto de ação rescisória, a ser ajuizada no próprio STJ. Vejamos, por exemplo, este julgado, em que uma ação rescisória foi não apenas processada no STJ, como até mesmo julgada procedente, para rescindir uma decisão monocrática de ministro do STJ que, por sua vez, havia transitado em julgado, tendo sido inclusive proferida nova decisão de mérito para a causa no bojo desta ação rescisória:

5. Ação Rescisória julgada procedente para rescindir a decisão monocrática que julgou o REsp 213.218/PR e, em novo julgamento da causa, afastar da condenação os expurgos relativos a junho/1987 e fevereiro/91, dando parcial provimento ao Recurso Especial apenas para conceder o índice relativo às perdas de janeiro/89 (42,72%).” (STJ, AR 1.539/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 27/09/17, DJe 18/12/17 - Grifei)

Para que a competência de processar e julgar a ação rescisória seja do STJ, importa que, no âmbito desta Corte, tenha sido proferida decisão, com trânsito em julgado, tanto faz se monocrática ou colegiada. O entendimento bastante divulgado, principalmente sob a égide do CPC/73 e notadamente nos últimos anos, era o de que, para atrair a competência do STJ para a ação rescisória, tal decisão teria que, todavia, ser de mérito.

Por exemplo:

O Superior Tribunal de Justiça é competente apenas para julgar ação rescisória de seus próprios julgados, desde que tenha havido análise do mérito, analisando a questão federal controvertida no recurso especial.” (STJ - AgInt no REsp 1257128/MT, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 14/08/2018, DJe 27/09/2018 - Grifei)

Observe-se ainda que, se a decisão de mérito do STJ tiver sido reformada pelo STF em julgamento de recurso extraordinário, então já não será do STJ a competência para a ação rescisória, é claro, porque não foi a sua decisão que se tornou final, quando do trânsito em julgado, não podendo ser esta, assim, a decisão rescindenda, já que substituída pela decisão havida no STF.

A jurisprudência do STJ não vinha admitindo a ação rescisória contra a decisão deste Superior Tribunal que não apreciou o mérito do recurso especial. Há uma decisão do STJ que é bastante didática a esse respeito, e que transcrevo abaixo. Note-se que a decisão é de setembro de 2018, mas reporta-se ao CPC de 1973. In verbis:

I - Segundo a jurisprudência desta Corte, o cabimento da ação rescisória com fundamento no artigo 485, do CPC, é restrita às hipóteses em que o julgado rescindendo tenha enfrentado o mérito da demanda. II - No que se refere à ação rescisória de competência originária deste tribunal, exige-se a existência de decisão de mérito proferida por esta Corte Superior, o que não ocorreu na presente hipótese. III - É que a decisão monocrática proferida nesta e. Corte (fls. 49/58), e que se pretende rescindir, apenas manteve a decisão agravada por seus próprios fundamentos, porquanto o Recurso Especial interposto não superou o juízo de admissibilidade, tendo tido o seguimento negado, mantendo-se incólume o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, que julgou o mérito da ação. IV - Importante considerar que a simples interposição de recurso especial não transfere a este Superior Tribunal a competência para processar e julgar eventual ação rescisória. V - Para que surja a competência do STJ em matéria de causa submetida à tramitação de Recurso Especial é necessário que a questão federal (mérito) tenha in concreto sido apreciada e dirimida pela instância extraordinária. Incide, portanto, a súmula 515/STF. VI - Assim, fica claro que o interesse da autora é a rescisão de decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou o mérito da ação e não o acórdão proferido por esta Corte. Neste caso, a competência para rescindir essa decisão de mérito é do Tribunal Regional Federal da 4ª região. VII - Agravo interno improvido.” (STJ, AgInt na AR 5.000/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, 1ª Seção, julgado em 26/09/18, DJe 03/10/18) (Grifei)

O STJ tem, ainda, aplicado, por analogia, a súmula 515 do STF:

A competência para a ação rescisória não é do STF, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório.”

Vale registrar que a súmula 515/STF foi aprovada em sessão plenária de 03/12/69, quando, portanto, ainda não havia sido criado o STJ (DJ de 10/12/69, p. 5933; DJ de 11/12/69, p. 5949; DJ de 12/12/69, p. 5997).

A Constituição Federal dispõe (art. 105, I, “e”) que ao STJ cabe processar e julgar as ações rescisórias de seus julgados.

Rememoremos que o STJ realmente tem julgados nos quais constou o entendimento de que não seria cabível a ação rescisória contra decisão que não apreciou o mérito do recurso especial. Neste sentido: “Não cabe ação rescisória de acórdão que não conheceu de recurso especial, deixando de apreciar o mérito da questão federal controvertida" (STJ, AR 2874/SP, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, 3ª Seção, DJ 02.05.2006, p. 247 - Grifei). No caso concreto (AR 2874/SP), o recurso especial não havia sido conhecido por incidência da Súmula 7/STJ.

Da Corte Especial do STJ, retiramos este outro julgado, de poucos meses antes de restar revogado o CPC/73:

Descabimento de ação rescisória ante o não preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 485 do CPC, mais especificamente, a existência de decisão que tenha examinado o mérito da controvérsia” (STJ, AgRg na AR 5.630/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 16/09/2015, DJe 05/10/2015 - Grifei).

Todavia, o CPC/15 trouxe estes dispositivos contidos nos incisos I e II do § 2º do seu art. 966:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar manifestamente norma jurídica;

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:

I - nova propositura da demanda; ou

II - admissibilidade do recurso correspondente.” (Grifei)

A questão que se impõe não é se é cabível a ação rescisória contra a decisão que não seja de mérito. O texto da lei é claríssimo, pelo seu cabimento, ao menos nestas duas hipóteses.

A hipótese do inciso I do § 2º do art. 966 é, por exemplo, aquela em que a decisão reconhece a falta do interesse processual do autor (falta do interesse de agir) e transitou em julgado.

Mas, estou concentrado no inciso II deste § 2º do art. 966, notadamente quanto ao tema da competência do STJ para esta ação rescisória.

No caso, então, podemos vir a ter ação rescisória ajuizada contra decisão havida no STJ, monocrática ou colegiada, referente ao não conhecimento de recurso especial (sem, portanto, haver decisão de mérito do STJ a ser rescindida).

A procedência desta ação rescisória, ajuizada com fundamento no inciso II do § 2º do art. 966 do CPC/15, desconstituirá a decisão que impediu o conhecimento do recurso especial e este, então, será conhecido e julgado, pelo STJ.

No bojo desta ação rescisória, fundada no inciso II do § 2º do art. 966 do CPC/15, ocorre, portanto, apenas o juízo rescindendo, não devendo ser exigido do autor que formule, na petição inicial, o juízo rescisório. É que a nova decisão a respeito da matéria de mérito será, exatamente, a que vier a ser proferida no julgamento do recurso especial, que terá sido finalmente destrancado em razão da procedência da ação rescisória.

A base de pensamento para a fixação da competência para a ação rescisória fundada no inciso II deste § 2º do art. 966 do CPC/15 será a de que a mesma deve ser estabelecida no juízo que proferiu a decisão negativa de admissibilidade do recurso especial. Não há complicação quando há decisão proferida no STJ, a respeito, seja monocrática ou colegiada, de não conhecimento de recurso especial, com trânsito em julgado. A competência para a respectiva ação rescisória é do próprio STJ. E até já temos julgado do STJ de ação rescisória proposta nestes moldes: foi julgada improcedente, todavia foi conhecida e processada, que é o que nos interessa quanto a saber que o STJ acolheu a competência nova que lhe foi trazida por este dispositivo do CPC/15.

Vejamos:

AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. ERRO DE FATO. ART. 966, VIII, DO CPC/15. DECISÃO RESCINDENDA QUE INADMITE RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. DEMANDA ORIGINÁRIA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. ALEGADA FALHA NA DIGITALIZAÇÃO. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. Pedido de rescisão de decisão da Presidência do STJ que não conheceu do agravo em recurso especial, tendo em vista a ausência de juntada do instrumento de mandato conferindo poderes ao advogado subscritor do recurso. 2. Cabimento de ação rescisória contra decisão que, embora não seja de mérito, impeça a admissibilidade do recurso correspondente (art. 966, § 2º, II, do CPC/15). 3. No âmbito de ação rescisória, o erro de fato, aferível pelo exame das provas já constantes dos autos da ação matriz, se configura quando o julgado que se pretende rescindir admita fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, o que inocorre no caso dos autos.

4. DEMANDA RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE.” (STJ, AR 5.930/PR, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, julgado em 28/02/18, DJe 08/03/18 - Grifei)

Problema é que tal competência não fica clara em relação à decisão de presidente ou vice-presidente de TJ ou de TRF, que tenha inadmitido recurso especial, mas não tenha sido objeto de agravo em recurso especial, tendo, portanto, transitado em julgado. A competência, no caso, é do STJ, para eventual ação rescisória? Penso que não

Conforme jurisprudência, “O juízo de admissibilidade do recurso especial é procedimento bifásico, não estando o STJ adstrito ao exame preliminar realizado pelo Tribunal de origem” (STJ, EDcl no AgRg no Ag 804.369/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 26/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 647 - Grifei).

Compete aos TRF processar e julgar, originariamente, as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região (Constituição, art. 108, I, “b”); também, compete aos Tribunais de Justiça dos Estados processar e julgar, originariamente, as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes estaduais que lhe são vinculados.

A prolação do primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial, pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF, exaure as instâncias ordinárias, portanto ainda é do âmbito de competência destes tribunais. Se não há agravo contra tal decisão, inexiste abertura da competência do STJ, para o segundo juízo de admissibilidade do recurso especial (CPC/15, art. 1.042, § 4º). Exemplo disto é que, quando a parte interessada não interpôs agravo contra a decisão de inadmissão do seu recurso especial no tribunal de origem, o STJ julgou improcedente a Reclamação Constitucional ajuizada sob argumento de usurpação de competência da Corte Superior (STJ, Rcl 1.196/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Seção, julgado em 13/11/02, DJ 16/12/02, p. 226).

Assim, se apenas houve decisão do presidente ou vice-presidente, de TJ ou de TRF, é no respectivo tribunal, parece-me, que terá que ser ajuizada a ação rescisória que se fundamente no inciso II do § 2º do art. 966 do CPC/15, já que, contra a decisão que inadmitiu o recurso especial, não foi interposto o agravo do art. 1.042 do Novo CPC, de modo que inexiste, na hipótese, julgado do STJ, nem mesmo na matéria processual, a confirmar a aplicabilidade da alínea “e” do inciso I do art. 105 da Constituição Federal.

A respeito das diferenças entre o agravo do art. 1.042 do CPC/15 e o agravo interno referentes ao juízo de admissibilidade de recursos excepcionais, veja meu artigo publicado no Migalhas.1

Conforme previsto no § 2º do art. 966, a ação rescisória do inciso II do § 2º do art. 966 pode ser ajuizada pelas razões previstas nos incisos do caput do próprio art. 966 do CPC/15.

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1 ARAÚJO, Thiago Cássio D’Ávila. Do agravo em recurso especial e em recurso extraordinário. Disponível em: Clique aqui.

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*Thiago Cássio D’Ávila Araújo é professor de Direito em Brasília/DF.

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