No dia 30 de abril do ano de 2015, como se sabe, foi publicada, no Diário Oficial da União, a IN 1.562, a qual dispõe, em termos gerais, sobre a prestação de informações dos municípios e do Distrito Federal sobre o valor da terra nua – VTN à secretaria da RFB.
Nos termos da referida norma, especificamente com base em seu artigo 3º, essas informações "deverão ser fornecidas pelos municípios e pelo Distrito Federal, anualmente, até o último dia útil de julho de cada ano e devem refletir o preço de mercado da terra nua, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referem".
Nestes termos, vale destacar, rapidamente, os fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que recaem sobre a presente análise. Inicialmente, nos termos do artigo 153, VI, da Constituição Federal, compete à União instituir impostos sobre a "propriedade territorial rural". Ainda, o § 4º, III, do mencionado artigo, dispõe que o referido imposto "será fiscalizado e cobrado pelos municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal".
Isto é, por opção dos próprios municípios, o imposto incidente sobre a propriedade territorial rural poderá ser por eles fiscalizado e cobrado, na forma da lei. Mas, isso só será permitido desde que não acarrete a redução do valor do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
A referida delegação da capacidade tributária ativa, vale mencionar, também encontra fundamento no artigo 7º do Código Tributário Nacional, o qual preceitua que "A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição".
Por sua vez, a regularização da delegação acima destacada foi concretizada por meio da IN 1.640/16, a qual dispõe especialmente sobre a celebração de convênio entre a secretaria da RFB, esta em nome da União, o Distrito Federal e os municípios, para delegação das atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento de créditos tributários, e de cobrança relativas ao Imposto sobre a propriedade territorial rural.
Registre-se que a IN supracitada é uma norma administrativa emanada da própria secretaria da RFB, em que pese o texto constitucional mencionar o termo "na forma da lei".
No mais, em se tratando do produto da arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural, em seu artigo 16, a IN 1.640/16 ressalta que "O ente conveniado fará jus a 100% (cem por cento) do produto da arrecadação do ITR, referente aos imóveis rurais nele situados, a partir do cadastramento dos seus servidores nos termos do art. 15".
Logo, como benefício da efetivação do convênio com a União, o Distrito Federal e os Estados que optarem por fiscalizar e arrecadar os valores relativos ao imposto sobre a propriedade territorial rural, terão direito à totalidade dos valores que forem obtidos com a arrecadação.
Dentre os fundamentos acima apresentados, se pode verificar que seria o próprio Distrito Federal e os municípios em si que, com base no conteúdo da IN 1.562/15, devem fornecer à secretaria da RFB as informações referentes ao valor da terra nua – VTN.
Com base nessas informações, surgem os seguintes questionamentos: As informações que devem ser fornecidas pelo Distrito Federal e municípios, que perfazem o valor da terra nua – VTN utilizado pela União para calcular o imposto sobre a propriedade rural, fazem parte, após a formalização das opções, de suas atribuições de fiscalizar e arrecadar o referido imposto, com base na capacidade tributária ativa expressamente prevista na legislação? O fornecimento dessas informações estaria adentrando à competência exclusiva da União de instituir e formalizar as características do referido imposto? Não obstante o repasse total da arrecadação pela União ao Distrito Federal e municípios conveniados, consoante as disposições presentes da IN 1.640/16, seria constitucional os preceitos constantes na IN 1.562/15?
De início, conforme já mencionado acima, vale destacar que o fundamento constitucional do imposto sobre a propriedade territorial rural se encontra no artigo 153, VI, da Constituição Federal. A sua regulamentação infraconstitucional, por sua vez, em atendimento ao quanto disposto no artigo 146 do texto constitucional, se deu por meio do Código Tributário Nacional, em seus artigos 29 a 31.
Em se tratando da base de cálculo do imposto sobre a propriedade territorial rural, o artigo 30 do Código Tributário Nacional é expresso ao preceituar que "a base do cálculo do imposto é o valor fundiário", isto é, o valor correspondente à terra nua.
Nesse sentido, Hugo de Brito Machado preceitua que "base de cálculo do imposto é o valor fundiário do imóvel (CTN, art. 30). Valor fundiário é o valor da terra nua, isto é, sem qualquer benfeitoria. Considera-se como tal a diferença entre o valor venal do imóvel, inclusive as respectivas benfeitorias, e o valor dos bens incorporados ao imóvel, declarado pelo contribuinte e não impugnado pela administração, ou resultante de avaliação feita por esta"1.
No mais, por determinação da lei 9.393/96, especificamente em seu artigo 8º2, o valor da terra nua – VTN consiste no valor de mercado das terras, apurado por meio de laudo, em 1º de janeiro de cada ano, o qual deveria ser entregue, antes da IN 1.562/15, pelo próprio contribuinte do imposto.
Pois bem. Adentrando aos questionamentos acima propostos, cumpre destacar que a forma que se dá a entrega das informações pelos municípios e Distrito Federal à secretaria da RFB é através de ofício ao delegado da Receita Federal da Unidade Administrativa com jurisdição na respectiva área (§ 4º, do artigo 3º, da IN 1.562/15).
Estes ofícios, evidentemente, não se consubstanciam como instrumentos normativos emanados dos respectivos Poderes Legislativo ou Executivo, mas, sim, como um documento de natureza administrativa com conteúdo extremamente relevante, o qual tem como função viabilizar a materialização efetiva da base de cálculo do imposto sobre a propriedade territorial rural.
Não obstante, em que pese o texto da IN 1.562/15 destacar que o procedimento de repasse de informações deveria ser feito através de ofício, certo é que alguns municípios o fazem por meio de decreto municipal, isto é, através de instrumento legislativo emanado do próprio Poder Executivo.
A título de exemplo, podemos mencionar o decreto municipal 11.102/17, IN que estipula o valor de terra nua –VTN do município de Lins.
Diante disso, podemos observar a existência de uma irregularidade na formalização do repasse de informações por estes municípios. Isso porque, ao se publicar um decreto municipal – IN – para tratar das informações relativas ao valor de terra nua – VTN, os referidos municípios estariam adentrando, consequentemente, à competência da União para legislar sobre o imposto sobre a propriedade territorial rural.
Tal afirmação também se confirma consoante as atribuições que emanam da delegação da capacidade tributária ativa em si, a qual tem o condão de conceder ao ente delegado apenas as funções de fiscalizar e arrecadar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do artigo 7º do Código Tributário Nacional já elucidado acima.
No mais, para os municípios que não se utilizam de decreto municipal para o fornecimento de informações à RFB – aqueles que o fazem por meio de ofício –, nos parece que há também uma interferência na competência da União para instituir e estruturar o imposto sobre a propriedade territorial rural.
Isso porque, esse repasse de informações claramente também ultrapassa as delegações das funções de fiscalizar e arrecadar tributos, características inerentes da capacidade tributária ativa.
Registre-se que, a IN 1.562/15 dispõe apenas do procedimento de repasse de informações, ao passo que somente com o advento da IN 1.640/16 é que houve a regulamentação da delegação das funções de arrecadar e fiscalizar, de forma optativa, aos municípios e Distrito Federal.
Tais fatos demonstram que o repasse de informações pelos municípios e Distrito Federal – seja por meio de ofício ou de decreto municipal – iniciou-se muito antes da formalização da possibilidade de delegação da capacidade tributária ativa relativa ao imposto sobre a propriedade territorial rural, o que por sinal, consequentemente, materializa que a real intenção da União foi atribuir aos municípios e Distrito Federal, primeiramente, a atribuição de lhe fornecer dados relativos à base de cálculo do imposto.
Por outro lado, importante destacar também que as informações prestadas pelos municípios e Distrito Federal se referem à base calculada do imposto sobre a propriedade territorial rural, e não especificamente sobre a base de cálculo do referido imposto. Até porque, a sua base de cálculo, como já exposto, encontra-se presente no artigo 30 do Código Tributário Nacional.
Não obstante, a celeuma que se observa é a efetiva estipulação pelos municípios e Distrito Federal dos valores correspondentes à base cálculo do imposto sobre a propriedade territorial rural – seja por meio de ofício ou de decreto municipal –, estipulação esta que não se encontra abarcada pela delegação, possibilitada pela legislação, da capacidade tributária ativa.
Por esses fundamentos, pode-se verificar que as informações prestadas pelo Distrito Federal e municípios, as quais se referem ao valor de terra nua – VTN, não estão abarcadas pelas atribuições de fiscalizar e arrecadar delegadas, por opção destes, pela União. Isso claramente – por conseguinte lógico – ultrapassa e muito o permissivo legal e constitucional.
No mais, é possível verificar também que o fornecimento dessas informações pelo Distrito Federal e municípios materializa suas intervenções à competência exclusiva da União para instituir e formalizar as características do imposto sobre a propriedade territorial rural.
Isso porque, caberia à própria União, por meio de seus órgãos administrativos, a efetivação do levantamento das informações necessárias para formalizar o critério quantitativo do referido imposto, o que, por consequência, limitaria o Distrito Federal e os municípios no cumprimento das características relativas à delegação, por opção, da capacidade tributária ativa.
O viés intervencional se verifica também, como visto, tendo em vista que alguns municípios lançam mão de decretos municipais para formalizar o repasse dessas informações para a União, consubstanciando, consequentemente, a efetiva regulamentação, por meio de instrumento normativo, de uma das características do imposto sobre a propriedade territorial rural.
O que, devido ao quanto previsto na Constituição Federal bem como nas normas infraconstitucionais, não poderia ser permitido.
Por essas razões, com base no que fora visto acima, é possível opinar no sentido de que seria inconstitucional os preceitos constantes na IN 1.562/15, tendo em vista que: (i) o repasse de informações pelo Distrito Federal e os municípios – seja por meio de ofício ou de decreto municipal – encontra-se adentrando à competência da União em legislar sobre o imposto sobre a propriedade territorial rural; e, (ii) as informações prestadas pelos referidos entes políticos extrapolam as atribuições emanadas da capacidade tributária ativa delegada pela União.
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1 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 33ª ed. – São Paulo: Malheiros. 2012
2 "Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o documento de informação e apuração do ITR - DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela secretaria da Receita Federal.
§ 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua - VTN correspondente ao imóvel.
§ 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado auto-avaliação da terra nua a preço de mercado.
§ 3º O contribuinte cujo imóvel se enquadre nas hipóteses estabelecidas nos arts. 2º e 3º fica dispensado da apresentação do DIAT."
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*Diogenys de Freitas Barboza é advogado tributarista no escritório Correa Porto Sociedade de Advogados; Membro efetivo da Comissão do Jovem Advogado da 104ª Subseção da OAB/SP.