Nova lei de tóxicos: qual procedimento deve ser adotado?
Luiz Flávio Gomes*
Exceções: as exceções ficam por conta das infrações penais cuja pena máxima não exceda a dois anos. Como sabemos, por força do art. 61 da Lei 9.099/95 (clique aqui - modificado pela Lei 11.313/2006 - clique aqui), toda infração penal no Brasil cuja pena máxima não ultrapasse dois anos é de menor potencial ofensivo e, normalmente, da competência dos juizados criminais. Recorde-se que se a pena máxima cominada é de dois anos mas, no caso concreto, há a incidência de alguma causa de aumento de pena (art. 40), deixa a infração penal de ser considerada de menor potencial ofensivo. Nessa hipótese, seguirá o procedimento especial da nova lei de tóxicos.
As infrações contempladas no art. 28 (posse de droga para consumo pessoal - art. 28, caput - e semear, cultivar ou colher plantas tóxicas também para consumo pessoal - art. 28, § 1º) são também de menor potencial ofensivo. Aliás, todas as infrações com sanção até dois anos de prisão são de menor potencial ofensivo. O processamento delas segue, em regra, o disposto no art. 60 e ss. da Lei 9.099/1995 (lei dos juizados especiais). Precisamente isso é que está dito no art. 48, § 1º, da nova lei de drogas.
Quem desavisadamente lesse o § 1º que estamos comentando chegaria à conclusão de que o procedimento dos juizados (art. 60 e ss. da Lei 9.099/1995) somente seria aplicável para as infrações (de menor potencial ofensivo) previstas no art. 28. Essa, entretanto, não nos parece a leitura correta do diploma legal ora enfocado. Na nova lei de drogas, para além das infrações do art. 28, outras existem com sanção cominada não superior a dois anos. São elas: art. 33, § 3º (tráfico privilegiado) e art. 38 (prescrição culposa de drogas).
Para essas infrações punidas com sanção não superior a dois anos também o procedimento correto é o dos juizados (art. 60 e ss. da Lei 9.099/1995). Note-se que depois da Lei 11.313/2006 já não existe a ressalva (que o antigo art. 61 fazia) relacionada com os procedimentos especiais. Ou seja: não importa se a infração (punida até dois anos) conta ou não com procedimento especial: todas são de menor potencial ofensivo.
Cabe transação penal no caso do art. 39? O art. 39 contempla o delito de conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de droga. A pena máxima cominada é de três anos. Não se trata de infração de menor potencial ofensivo. Mas cabe transação penal? A resposta nos parece afirmativa. Com efeito, prevê o parágrafo único do art. 291 do CTB a possibilidade de transação penal para a situação de quem dirige veículo automotor sob efeito de álcool ou substâncias análogas (drogas). Ora, se quem dirige veículo automotor sob efeito de drogas conta com direito à transação penal (CTB, art. 291, parágrafo único), nada impede sustentar essa mesma possibilidade para quem dirige embarcação ou aeronave também sob efeito de drogas. A analogia in bonam partem parece ter total pertinência nesse caso.
Claro que o juiz, no momento de transação, levará em conta todas as circunstâncias do fato, para homologar ou não o acordo entre as partes (art. 76, § 2º, III). Sobretudo quando se trata de embarcação ou aeronave de transporte coletivo de passageiros (art. 39, parágrafo único, da nova lei de drogas).
O § 1º do art. 48 diz que a posse de droga para consumo pessoal (prevista no art. 28) seguirá o procedimento dos juizados criminais, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="33 a">33 a 37 desta Lei. Por exemplo: o sujeito cede sua casa para a traficância e, além disso, é surpreendido em posse de droga para consumo pessoal. Dois delitos resultam configurados (art. 28 e 33, § 1º, III). Como serão processados? Uma infração é de menor potencial ofensivo (art. 28), outra não (art. 33, § 1º, III). A de maior gravidade conta com o procedimento especial da nova lei. A de menor potencial ofensivo deveria ser processada nos juizados. Quid iuris?
A solução dessa questão passa pela análise da Lei 11.313/2006, que alterou a redação do art. 60 da lei dos juizados. Ela manda reunir os processos na vara comum (ou especializada ou do júri), mas, ao mesmo tempo, nesse juízo aplica-se o instituto da transação penal (salvo quando haja alguma circunstância impeditiva prevista na lei).
Prisão em flagrante: o art. 28 da nova lei de drogas prevê duas infrações “sui generis”: posse de drogas para consumo pessoal (art. 28, caput) e semear, cultivar ou colher plantas tóxicas também para consumo pessoal (§ 1º do art. 28). A elas, como diz o § 2º ora em destaque, não se imporá prisão <_st13a_personname w:st="on" productid="em flagrante. Aliás">em flagrante. Aliás, a elas assim como a todas as demais hipóteses de infração de menor potencial ofensivo contempladas na nova lei.
O que significa “não se imporá prisão em flagrante”? Isso significa duas coisas: (a) que não haverá lavratura do auto de prisão em flagrante; (b) que não haverá recolhimento do sujeito ao cárcere.
A correta compreensão do dispositivo exige recordar que a prisão em flagrante conta com quatro momentos distintos: (a) captura do agente (no momento da infração ou logo após a sua realização); (b) sua condução coercitiva até à presença da autoridade policial (ou judicial); (c) lavratura do auto de prisão em flagrante e (d) recolhimento ao cárcere.
Os dois primeiros momentos do flagrante acontecem (captura e condução coercitiva). Já os dois últimos (lavratura do auto de prisão em flagrante e recolhimento ao cárcere) acham-se eliminados, no caso do art. 28 (assim como das demais hipóteses de menor potencial ofensivo, contidas na lei nova).
Normalmente o agente que se encontra em posse de droga para consumo pessoal acaba sendo capturado por agente militar ou civil (ou federal).
Concretizada a captura do agente (e feita a apreensão da droga ou da planta tóxica) cabe ao condutor (pessoa que efetuou a prisão em flagrante) levar o autor do fato (imediatamente) ao juízo competente.
A nova lei de drogas priorizou o “juízo competente”, em detrimento da autoridade policial. Ou seja: do usuário de droga não deve se ocupar a polícia (em regra). Esse assunto configura uma questão de saúde pessoal e pública, logo, não é um fato do qual deve cuidar a autoridade policial.
A lógica da lei nova pressupõe juizados (ou juízes) de plantão, vinte e quatro horas. Isso seria o ideal. Sabemos, entretanto, que na prática nem sempre haverá juiz (ou juizado) de plantão. Na falta ou ausência do juiz, o fato será levado ao conhecimento da autoridade policial (que lavrará termo circunstanciado, requisitará exames e perícias, determinará o laudo de constatação etc.).
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* Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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