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O poder da lógica na argumentação institucional

Os EDs apresentados pelas Fazendas Públicas tratam apenas de interesse social e de segurança jurídica. Não há qualquer demonstração quanto à efetiva ocorrência de alteração jurisprudencial. Terá sido por esquecimento ou porque, de fato, não houve mudança de entendimento?

13/11/2018

É comum se ouvir que direito é linguagem. Afinal, o sistema jurídico é o conjunto de normas vigentes em determinada sociedade. E estas, invariavelmente, são comunicadas aos seus destinatários através de palavras (escritas, faladas etc.). Contudo, poucos se dão conta da profundidade dessa afirmação.

Se o direito é prática social de caráter comunicativo, então ele opera em três níveis: o sintático (ou lógico), o semântico e o pragmático. Explico. No primeiro, estudam-se regras de uso, que determinam as relações possíveis entre as diversas unidades que compõem o sistema. No segundo, examina-se o vínculo entre os textos normativos e o seu significado ou conteúdo jurídico (interpretação). E, enfim, no terceiro, investiga-se como, de fato, os agentes dessa prática a utilizam para os fins a que se propõem.

É no nível pragmático que se insere a chamada argumentação institucional: aquela voltada para a obtenção de decisões do Estado (p.ex., administrativas ou judiciais) e para a consequente neutralização de conflitos.

Dentro desse cenário, o mais comum é que os envolvidos se detenham sobre discussões de cunho semântico. O ICMS é ou não receita tributável pelo PIS e pela Cofins? O atraso no pagamento de fatura pelo Poder Público configura ou não desequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo e/ou gera dano indenizável? Pedaladas fiscais se inserem ou não no conceito de crime de responsabilidade? Perguntas desse tipo são as mais frequentes.

Às vezes, entretanto, surgem questões de cunho lógico com repercussões sociais e econômicas relevantes.

É o que se verifica, por exemplo, no recurso extraordinário com repercussão geral (RE/RG) 870.967/SE, em que se declarou a inconstitucionalidade da TR para fins de atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública.

No próximo dia 6/12, serão julgados os embargos de declaração (EDs) opostos pelas Fazendas Públicas para que sejam modulados os efeitos da decisão proferida. Alega-se que o interesse social (leia-se, risco de colapso das contas públicas) e a segurança jurídica justificam a adoção da medida. Mas não se demonstra a efetiva presença de todas as condições legais requeridas para tanto.

A questão é disciplinada pelo §3º do art. 927 do CPC/15, cuja correta interpretação é: SE (a) houver alteração jurisprudencial e (b) houver (b’) interesse social ou (b’’) interesse relativo à segurança jurídica que o justifiquem, ENTÃO pode ser atribuído efeito prospectivo à mudança de entendimento.

Aqui a questão sintática: a partícula “e” (^) tem o significado de uma conjunção lógica (com sentido de adição) e a partícula “ou” funciona como uma disjunção-inclusiva (b’ v b’’). Daí que: interesse social ou interesse ligado à segurança jurídica são condições alternativas, podem estar presentes ambas ou apenas uma delas (qualquer uma). Mas: alteração jurisprudencial é condição necessária, condição sine qua non para a modulação dos efeitos do julgado.

Curiosamente, os EDs apresentados pelas Fazendas Públicas tratam apenas de interesse social e de segurança jurídica. Não há qualquer demonstração quanto à efetiva ocorrência de alteração jurisprudencial. Terá sido por esquecimento ou porque, de fato, não houve mudança de entendimento?

Enfim, diante do conteúdo lógico do §3º do art. 927 do CPC/15, pergunta-se: que órgão julgador sério concederia a modulação de efeitos na hipótese aqui tratada?

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*Thúlio José Michilini Muniz de Carvalho é fundador de Muniz de Carvalho Advogados, advogado e consultor em direito administrativo e tributário. É mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP.

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