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Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal

Em relação ao usuário e/ou dependente de drogas a nova lei de tóxicos, que será sancionada e publicada em breve, não mais prevê a pena de prisão. Isso significa descriminalização, legalização ou despenalização da posse de droga para consumo pessoal? A resposta que prontamente devemos dar reside na primeira alternativa (descriminalização). A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser “crime”. De qualquer modo, como veremos em seguida, a conduta descrita continua sendo ilícita (uma infração, mas sem natureza penal). Isso significa que houve tão-somente a descriminalização, não concomitantemente a legalização.

23/8/2006


Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal

 

Luiz Flávio Gomes*

Em relação ao usuário e/ou dependente de drogas a nova lei de tóxicos, que será sancionada e publicada em breve, não mais prevê a pena de prisão. Isso significa descriminalização, legalização ou despenalização da posse de droga para consumo pessoal? A resposta que prontamente devemos dar reside na primeira alternativa (descriminalização). A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser “crime”. De qualquer modo, como veremos em seguida, a conduta descrita continua sendo ilícita (uma infração, mas sem natureza penal). Isso significa que houve tão-somente a descriminalização, não concomitantemente a legalização.

 

Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal (como infração penal) deixa de ser crime (ou seja: deixa de ser infração penal). Há duas espécies de descriminalização: (a) a que retira o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza e (b) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente. 

 

Na primeira hipótese o fato continua sendo ilícito (proibido), porém, exclui-se a incidência do Direito penal. O fato deixa de ser punível (do ponto de vista penal). Passa a ser um ilícito administrativo ou de outra natureza. Retira-se da conduta a etiqueta de “crime” (embora permaneça a ilicitude). Descriminalizar, assim, é diferente de descriminalizar e concomitantemente legalizar a conduta. Sempre que ocorre uma descriminalização é preciso verificar se o ato antes incriminado foi totalmente legalizado ou se (embora não configurando uma infração penal) continua sendo contrário ao Direito.

 

O fato descriminalizado (que é retirado do âmbito do Direito penal) pode deixar de constituir um ilícito penal, mas continuar sendo sancionado administrativamente ou com sanção de outra natureza.

 

Na legalização o fato é descriminalizado e deixa de ser ilícito, ou seja, passa a não ser objeto de qualquer tipo de sanção. A venda de bebidas alcoólicas para adultos, v.g., hoje, está legalizada (não gera nenhum tipo de sanção: civil ou administrativa ou penal etc.).

 

Despenalizar é outra coisa: significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se intacto o caráter de “crime” da infração (o fato continua sendo infração penal). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para o delito. A lei dos juizados criminais, por exemplo, não descriminalizou nenhuma conduta, apenas introduziu no Brasil quatro medidas despenalizadoras (processos que procuram evitar ou suavizar a pena de prisão).

 

Abolitio criminis: o projeto que será sancionado aboliu o caráter “criminoso” da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado “crime” (embora continue sendo um ilícito, um ato contrário ao Direito). Houve, portanto, descriminalização, mas não legalização.  Estamos, de qualquer modo, diante de mais uma hipótese de abolitio criminis. Vejamos:

 

Por força da Lei de Introdução ao Código Penal (art. 1º), “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente” (cf. Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro - Dec.-Lei 3.914/41- clique aqui -, art. 1º).

 

Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país.

 

Infração “sui generis”: diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração “sui generis”. Não se trata de “crime” nem de “contravenção penal” porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, não penal, sim, “sui generis”. Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: nem é ilícito “penal” nem “administrativo”: é um ilícito “sui generis”.

 

Direito judicial sancionador: se a posse de droga para consumo pessoal passou a ser infração “sui generis” (não se trata mais nem de “crime” nem de “contravenção penal”), coerente parece afirmar que esse fato tampouco pertence ao Direito “penal”. O tratamento conferido ao usuário na nova lei de tóxicos constitui então, sem sombra de dúvida, exemplo de Direito judicial sancionador.

 

Criminalização, despenalização e descriminalização: antes da Lei  9.099/95 (clique aqui - lei dos juizados criminais) o art. 16 da Lei 6.368/1976 (clique aqui) contemplava a posse de droga para consumo pessoal como criminosa (cominando-lhe pena de seis a dois anos de detenção). A conduta que acaba de ser descrita era problema de “polícia” (e levava muita gente para a cadeia). Adotava-se a política da criminalização.

 

A partir da Lei 9.099/1995 permitiu-se (art. 89) a suspensão condicional do processo e, desse modo, abriu-se a primeira perspectiva despenalizadora em relação à posse de droga para consumo pessoal. Afastou-se a resposta penal dura precedente, sem retirar o caráter criminoso do fato.

 

Com a Lei 10.259/01 (clique aqui) ampliou-se o conceito de infração de menor potencial ofensivo para todos os delitos punidos com pena até dois anos: esse foi mais um passo despenalizador em relação ao art. 16, que passou para a competência dos juizados criminais. A consolidação dessa tendência adveio com a Lei 11.313/2006 (clique aqui), que alterou o art. 61 para admitir como infração de menor potencial ofensivo todas as contravenções assim como os delitos punidos com pena máxima não excedente de dois anos.

 

O caminho da descriminalização adotado agora pelo legislador brasileiro, de modo firme e resoluto, constitui o ponto culminante de uma opção político-criminal minimalista (que se caracteriza pela mínima intervenção do Direito penal).

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Clique aqui
e acesse a íntegra do PL 115/2002 que dispõe sobre o Sistema Nacional Antidrogas.

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Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes








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