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Feriado forense previsto no art. 62, inciso II, da lei 5.010/66 e a desnecessidade de comprovação quando da interposição do recurso especial em processo tramitando na Justiça Estadual

Com todas as vênias entendemos que o referido texto legal merece uma releitura com a superveniência da Constituição Federal de 1988, devendo ser adotada uma interpretação coerente com a divisão de competência legislativa e os princípios que norteiam o Poder Judiciário.

24/10/2018

É grande o drama que aflige os operadores do Direito no que se refere aos feriados locais e o entendimento do C. STJ, basicamente depois da entrada em vigor do novo CPC.

 

Infelizmente, percebemos que com o passar do tempo, o Tribunal da Cidadania vem adotando entendimentos por demais restritivos de modo a tentar enxugar os escaninhos e os gabinetes dos ministros ante a falta de uma vontade política de aumentar o número de membros da Corte Superior. Tais restrições são conhecidas como “jurisprudência defensiva” ou, segundo o professor José Rogério Cruz e Tucci, denominada “jurisprudência perversa”, conforme artigo recente publicado na revista Consultor Jurídico, de 09 de outubro de 2018, e que também deu ensejo ao manifesto denominado “A advocacia se opõe à prática da jurisprudência defensiva pelos tribunais brasileiros”, citado na edição de 3071 do Boletim da AASP.

 

As conclusões dessa “jurisprudência perversa” são as mais variadas possíveis, mas sempre têm o mesmo norte: restringir ao máximo número de processos a serem julgados no mérito pelo STF, e.g., temos o recente julgado da Corte Especial acerca dos capítulos autônomos do recurso especial.

 

Para tanto, infelizmente, referido posicionamento tem dado mais importância à forma do que ao conteúdo do processo, olvidando que o processo não é um fim em si mesmo. Justiça seja feita, há ministros que não compactuam com tal posicionamento, ou seja, são realmente idealistas e preocupados com a efetiva e célere entrega do bem da vida perseguido pelo jurisdicionado. Entretanto, tais ministros não representam a maioria da Corte Superior.

 

No caso vou me referir a uma hipótese específica:

 

O entendimento do STJ acerca da necessidade de comprovação do feriado “local” previsto no art. 62, inciso II, da lei 5.010/66 por ocasião da interposição do recurso especial, quando o feito tramita perante a Justiça Estadual.

 

Como é cediço, desde o ano de 1966, não há expediente forense no âmbito do C. STJ nos dias da Semana Santa, compreendidos entre a quarta-feira e o domingo de Páscoa, consoante o disposto no art. 62, II, da lei 5.010/66. Da mesma forma acontece no âmbito dos TRFs, da Justiça Federal de primeira instância e da Justiça do Trabalho em todo o país.

 

Nesse diapasão, temos a previsão no art. 81, § 2º, II, do regimento interno do C. STJ.

 

Contudo, ao analisar os recursos especiais no âmbito do C. STJ, várias são as decisões que encampam a denominada “jurisprudência perversa” e assim asseveram: os dias que precedem a Sexta-Feira da Paixão não são feriados forenses, previstos em lei federal, para os tribunais de justiça estaduais.” (grifo nosso).

Desta feita, segundo o entendimento da jurisprudência do C. STJ, o referido feriado “local” vale “apenas” para os Tribunais Superiores, para os TRFs e para a Justiça Federal de 1ª instância de todo o país!

 

Pois bem.

 

 

 

 

 

Com todas as vênias entendemos que o referido texto legal merece uma releitura com a superveniência da Constituição Federal de 1988, devendo ser adotada uma interpretação coerente com a divisão de competência legislativa e os princípios que norteiam o Poder Judiciário.

 

Vamos aos motivos para uma alteração da jurisprudência do C. STJ:

 

Em primeiro lugar, consoante o entendimento da jurisprudência pátria o Regimento Interno dos Tribunais possui a natureza jurídica de lei em sentido material, por mais que não o seja em sentido formal, diante da não observância do processo legislativo constitucionalmente previsto para sua criação.

 

Nesse ponto já se pronunciou o C. STF em mais de uma oportunidade.

 

Desta feita, se o STF possui jurisdição sobre todo o território nacional, conforme previsto no art. 92, § 2º, da Constituição Federal, tem-se que seu Regimento Interno possui natureza jurídica de lei material de âmbito nacional.

 

Assim sendo, indaga-se:

 

Qual a razão lógica para se considerar um feriado forense nos Tribunais Superiores, bem como nos TRFs, na Justiça Federal de 1ª instância e na Justiça do Trabalho de todo o país, e afirmar que tal feriado não se aplica no âmbito da Justiça Estadual?

 

E mais!

 

 

Como sustentar-se, então, que os dias da Semana Santa compreendidos entre a quarta-feira e o domingo de Páscoa são feriados locais, se no âmbito da Justiça Federal de todo o país, bem como nos Tribunais Superiores, não há expediente forense?!

 

Em segundo lugar, não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988 estabelece a competência privativa da União Federal para legislar sobre direito processual, consoante o disposto no artigo 22, I, da Carta Magna.

 

Neste aspecto, uma norma que estabelece feriados forenses no âmbito dos Tribunais Superiores e da Justiça Federal de 1ª e 2ª instância de todo país, possui nítido caráter de norma processual, de modo que não se pode admitir que seu conteúdo fique restrito a uma determinada fatia do Poder Judiciário Nacional.

 

Em terceiro lugar, não se pode ignorar que não há superioridade da Justiça Federal em relação à Justiça Estadual.

 

A Constituição Federal em nenhum momento diz isso!

 

A Norma Fundamental apenas distinguiu as competências, estabelecendo a competência da Justiça Federal de forma expressa e exaustiva, conforme previsto em seus nos artigos 108 e 109.

 

Nada mais!

 

Não está dito no artigo 92 do texto supremo que a Justiça Federal é superior à Justiça Estadual, e desta feita não se pode considerar, para fins de normais gerais de Direito Processual, uma distinção tamanha ao ponto de considerar um recurso tempestivo se o feito tramitar na Justiça Federal e o mesmo recurso intempestivo por ter tramitado na Justiça Estadual.

 

Deste modo, vamos ao plano prático considerando os termos do entendimento que encampa a denominada “jurisprudência perversa” do STJ:

 

Se um processo tramita perante a Justiça Federal, após o esgotamento dos recursos no TRF e considerando que no decorrer do prazo recursal esteja o incompreensível feriado previsto no art. 62, inciso II, da lei 5.010/66, a parte recorrente não precisa fazer menção ao aludido feriado e tampouco juntar nada à petição de recurso especial, uma vez tratar-se de feriado previsto em lei. Ou seja, para o feito que tramita perante a Justiça Federal o feriado “local” previsto em lei federal - art. 62, II, da lei 5.010/66 -, não trará prejuízo algum ao jurisdicionado, de modo que não influenciará na contagem do prazo recursal.

 

Entretanto, outra é a realidade se o feito tramita perante a Justiça Estadual. Neste caso, o advogado deve não só fazer menção ao feriado tido por “local” -apesar de previsto em lei -, pelo STJ, mas também deverá anexar à petição de recurso especial o ato ou portaria do Tribunal de Justiça onde conste a falta de expediente forense nos dias que antecedem à sexta-feira Santa, sob pena de não ser conhecido o recurso.

 

Qual é razão para um tratamento tão díspare assim, capaz de trazer prejuízos imensuráveis ao jurisdicionado?

 

Assim, para o feito que tramita na Justiça Federal, o advogado poderá dormir tranquilo e seu cliente também, por óbvio, porque não será surpreendido por uma decisão perversa do autodenominado Tribunal da Cidadania que impedirá o conhecimento do recurso especial ao lançar mão do juízo bifásico de admissibilidade do aludido recurso.

 

 

Importante neste ponto relembrarmos os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Melo em sua festejada obra O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, donde se extrai que deve haver uma correlação lógica entre o fator descriminalizante e a desequiparação pretendida, para justificar o tratamento díspare e favorecido para a Justiça Federal no particular.

 

Em quarto lugar, também não se pode olvidar que o texto supremo estabelece que o Brasil não possui uma religião oficial, sendo um Estado laico, leigo e não confessional.

 

Desta feita, não se mostra lógico e razoável compreender que uma data de caráter religioso, ou mais especificadamente, os dias que antecedem a sexta-feira Santa, sejam considerados como feriado nacional para a Justiça Federal, para a Justiça do Trabalho e para os Tribunais Superiores apenas, mas não o seja para a Justiça Estadual.

 

Assim dito, diante dos motivos acima, mas antes de tudo, levando-se em consideração que o processo não é um fim em si mesmo, temos que diante do disposto no artigo 22, I, da Carta da República, o art. 62, II, da lei 5.010/66, deve ser recepcionado de forma a que se compreenda que o feriado da Semana Santa, ou seja, os dias que antecedem a sexta-feira Santa, deve ser aplicado para todo o Poder Judiciário Nacional, não apenas para os Tribunais Superiores, para os TRF, para a Justiça do Trabalho e para a Justiça Federal de 1ª Instância do país.

 

Tal conclusão está na esteira de uma interpretação lógica e sistemática do texto constitucional, bem como em respeito à regra da simetria e ao princípio da isonomia, de modo que previsão do artigo 81, § 2º, II, do Regimento Interno do STJ, reflexo do art. 62, II, da lei 5.010/66, deve ser observada por todo o Poder Judiciário Nacional.

 

Desta forma, acaba-se que com a angústia de quem tem um processo em trâmite perante a Justiça Estadual ver o recurso especial ser considerado intempestivo em razão de um feriado dito por “local”, mas que é considerado nacional “apenas” para a Justiça Federal de 1ª e 2ª instâncias e para os Tribunais Superiores.

 

É bom lembrar que tal situação nunca esteve no espírito do CPC pretérito, quiçá no atual, que com todas as letras adotou o princípio da não surpresa!

 

Desta feita, tem-se que para os dias da Semana Santa, ou seja, aqueles que antecedem a Sexta-Feira Santa, deve-se adotar um entendimento uniforme, de modo a prestigiar a outorga de um tratamento igualitário e isonômico para as Justiças Federal e Estadual, e assim sendo, considerar que a regra prevista no Regimento Interno (artigo 81, § 2º, II), bem como no art. 62, II, da lei 5.010/66 deve ser aplicada em âmbito nacional, ou seja, em todas as Instâncias do Poder Judiciário, incluindo-se, por óbvio, a Justiça Estadual.

Assim sendo, lançando-se mão de uma interpretação conforme a Constituição Federal, bem como forte nos princípios da isonomia e da simetria, infere-se que a exigência de comprovação de feriado local, para fins do disposto no § 6º, do artigo 1.003 do CPC, não deve ser aplicada aos dias que antecedem a sexta-feira Santa, uma vez que o referido feriado deve ser aplicado para todo o âmbito do Poder Judiciário Nacional, inclusive para os Tribunais Estaduais, e não apenas para os Tribunais Superiores, para os TRFs e para a Justiça Federal de 1ª instância, como demonstrado.

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*Rafael Alessandro Viggiano de Brito Torres é advogado da Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C.

 

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