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Campanhas eleitorais

A estratégia política de tentar aniquilar o outro, chamando-o de “nazista”, sem que haja sequer indícios de sua aderência à doutrina nazista, é uma prática ilícita e moralmente reprovável. Pode caracterizar, inclusive, uma forma de estímulo à discriminação, ao ódio e ao preconceito, através dos meios de comunicação social.

4/10/2018

Um dos primeiros artigos escritos sobre a lei 8.081, de 21/9/90, foi de nossa autoria, em conjunto com o então promotor de justiça Jairo Gilberto Schafer, quando ambos militávamos no Ministério Público do Rio Grande do Sul. Nosso trabalho foi uma importante referência doutrinária para condenação do editor antissemita, Siegfried Ellwanger, por crime de racismo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Precisamos ser duros com quem pratica racismo e preconceito ou discriminação no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo. Referida lei acrescentou um dispositivo na lei 7.716, de 5.1.89, que trata dos crimes de discriminação e preconceito, qual seja, o art.20: “praticar, induzir ou incitar , pelos meios de comunicação social, ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional”, cominando pena de reclusão de dois a cinco anos para os infratores. A Constituição da República fixa o racismo como crime inafiançável e imprescritível (art.5o, XLII), estabelecendo ainda que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art.5º, XLI).

Nesse contexto, impressiona que, em cada campanha eleitoral, candidatos troquem ataques invocando indevidamente expressões como “fascistas” e “nazistas” para desqualificarem seus adversários. Isso ocorreu na última campanha norte-americana, quando Trump foi qualificado como “nazista” por seus adversários. Muitos denominaram Trump como líder de “um novo nazismo”. Sem qualquer base estatística, e num país onde as instituições são mais fortes que os governantes, a luta política alimentou boatos de que a eleição de Trump traria o fortalecimento de uma espécie de supremacia branca e uma perseguição aos judeus, algo desprovido de fundamento. De outro lado, quando eleito, Trump também abusou desse mesmo discurso, ao criticar agências de inteligência que teriam investigado e vazado dossiês a seu respeito. Questionou se estaria vivendo num regime nazista. Ele próprio foi vítima de fake news. Com isso, a própria história e o conceito de “nazismo” se perdem e se esvaziam.

No Brasil não é diferente. Em eleições recentes, a mídia registrou falas de políticos qualificando outros de nazistas, isso no pleito de 2014. O mesmo ciclo se repete em 2018, o que talvez exija a intervenção da Justiça Eleitoral para coibir abusos. Para explicar essas distorções, costuma-se invocar a Lei de Godwin, segundo a qual podem existir analogias nazistas, feitas especialmente em ambientes ou redes onde imperem a superficialidade das discussões. Esse fenômeno foi percebido e detalhado pelo advogado americano Mike Godwin. Tais analogias ou comparações surgem em meio a algum debate quando os argumentos se esgotam e denotam a truculência da interlocução. Segundo o próprio autor desse enunciado, é muito grave uma comparação de tal natureza e deveria ser usada com parcimônia e prudência, apenas em situações em que a analogia fosse adequada e jamais para suprir lacunas argumentativas.

A estratégia política de tentar aniquilar o outro, chamando-o de “nazista”, sem que haja sequer indícios de sua aderência à doutrina nazista, é uma prática ilícita e moralmente reprovável. Pode caracterizar, inclusive, uma forma de estímulo à discriminação, ao ódio e ao preconceito, através dos meios de comunicação social. Remete, pois, à banalização do nazismo e à erosão da história, além de configurar crime. Admitir a superficialidade das comparações e analogias nazistas equivale a um desrespeito a memória do povo judaico e da própria humanidade, eis que direitos humanos foram violados pelos nazistas. Há outras fórmulas inteligentes e eficazes de se articular um debate político na arena eleitoral. Em tempos de preocupação do TSE com fake news, certamente um olhar mais acurado sobre o uso abusivo e arbitrário da memória da comunidade internacional nos debates políticos deverá ser considerado, até porque pertence à humanidade este conceito de nazismo, pelo mal que encarnou. Permitir que candidatos chamem seus oponentes de “nazistas” é algo muito grave e, no limite, gera um ambiente de tolerância e flexibilidade no manejo deste conceito tão importante inclusive para o legislador brasileiro. Quem é nazista não pode ser candidato a qualquer cargo público. Por isso, falsas imputações devem ser rechaçadas. E quem incita o ódio racial através dos meios de comunicação social deve responder por seus atos.

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*Fábio Medina Osório é advogado e sócio do escritório Medina Osório Advogados.

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