Limite de juros decorrentes do sistema financeiro
João Mathias Filho*
No entendimento do subscritor deste artigo, mesmo antes da edição da Emenda Constitucional nº 40/03, já não cabia a estipulação de juros pelas entidades financeiras por falta de competência para tanto, mormente acima do patamar de juros permitidos pelas leis infraconstitucionais, mas não no aspecto alusivo ao disposto no antigo art. 192, § 3º, da Constituição Federal, então ainda em vigor, que tratava especificamente da limitação dos juros o qual era controvertido quanto à sua auto-aplicabilidade.
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, a Lei 4.595/64, delegava poderes de exclusiva competência da União ao Banco Central para regulamentar matéria monetária, e este, por sua vez, conferiu competência ao Conselho Monetário Nacional para “disciplinar o crédito em todas as suas modalidades” e “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros”. Este órgão passou então a ter liberdade e disposição para editar matéria normativa sobre juros e encargos, independentemente das demais disposições legais quanto à aplicação de juros fora da área financeira.
Ocorre, porém, que com a promulgação da Constituição de 1988 essa situação foi profundamente alterada, pois a Lei nº 4.595/64 não foi recepcionada pela nova Constituição quanto à competência normativa sobre fixação de taxas de juros, a qual foi atribuída exclusivamente ao Congresso Nacional conforme o disposto no art. 48, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, cuja redação é a seguinte:
“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
I - ...
XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;”
De outro lado, o art. 25, do Ato das Disposição Constitucionais Transitórias, revogou expressamente todas as disposições legais de atribuição e de delegação a órgãos do Poder Executivo de competência assinalada na Constituição Federal (art. 48, XIII) no prazo que fixou em 180 (cento e oitenta) dias contados da promulgação da Constituição. Mas, como essa matéria na época da promulgação da Constituição estava afeta ao Banco Central e Conselho Monetário Nacional por força da Lei 4.595/64, havia necessidade de se estabelecer um período de transição para regularização da situação quanto a essa competência. Assim, no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi autorizada também expressamente a prorrogação do prazo estabelecido para que se desse a regulamentação de competência alusiva à matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações, mormente no aspecto normativo, mas mediante edição de lei, e, ainda assim já de maneira liberal, pois não exigiu lei complementar mas somente lei ordinária para tanto.
O art. 25 supra referido foi editado nos seguintes termos:
“Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:”.
“I – ação normativa;”. – O destaque em negrito não consta do original.
Ocorre, porém, que decorridos os 180 (cento e oitenta) dias da promulgação da Constituição Federal de 1988, não houve mudanças legais elaboradas pelo Congresso Nacional de sorte a regulamentar a situação alusiva às normas estabelecidas por órgãos do Poder Executivo quanto à competência mencionada no art. 48, XIII, da Constituição Federal, como determinado pelo art. 25 do ADCT, por meio de lei, como especificado por esta proporia disposição constitucional. E à falta dessa regulamentação, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 45, de 31.03.1989, para remediar a omissão. Mas essa Medida Provisória perdeu a eficácia, desde a sua edição, no dia 02.05.1989, porquanto não convertida em lei, nos termos do então art. 62, parágrafo único, da Constituição Federal. A Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, que alterou a disposição do art. 62 da Constituição Federal, manteve a disciplina relativa à perda da eficácia da medida provisória, no mesmo sentido da disposição anterior, conforme o seu § 3º, com modificação apenas da elasticidade do prazo de validade da medida provisória de 30 (trinta) para 60 (sessenta) dias e com algumas restrições.
Considerando a disposição constitucional do art. 25 do ADCT, o prazo nela estabelecido não poderia ter sido prorrogado por medida provisória, pois a autorização constitucional mencionada na aludida disposição quanto à prorrogação foi expressa quanto à exigência de edição de lei para regular essa prorrogação.
Posteriormente houve reedição da supra referida medida provisória por outras que lhe sucederam, até culminar com a promulgação da Lei 7.770, de 31.05.1989, a qual, no entanto, foi editada depois do decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias estipulado pela norma constitucional (art. 25 do ADCT).
E novas leis modificativas da Lei nº 7.770/89 foram editadas quanto à prorrogação do prazo do art. 25, do ADCT, mas, evidentemente, posteriores ao decurso do prazo estabelecido pela Constituição Federal, até culminar com a Lei nº 9.069, de 29.06.1995, que dispôs no seu art. 73:
“Art. 73. O artigo 1º da Lei nº 8.392, de 30 de dezembro de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º. É prorrogado até a data da promulgação da lei complementar de que trata o artigo 192 da Constituição Federal o prazo a que se refere o artigo 1º das Leis nº 8.056, de 28 de junho de 1990, nº 8.127, de 20 de dezembro de 1990, e nº 8.201, de 29 de junho de 1991, exceto no que se refere ao disposto nos artigos 4º, inciso I, 6º e 7º, todos da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964."
Ocorre, porém, como acima já frisado, que o prazo citado no art. 25 do ADCT da Constituição Federal não poderia ser modificado por mera medida provisória, mormente considerando que ela própria disciplinou expressamente que tal prazo somente por lei poderia ser prorrogado, ainda que por lei ordinária, e as leis relativas a esta matéria somente foram editadas depois do decurso do prazo estipulado na referida disposição constitucional, de sorte a não mais terem eficácia para os fins por elas visados.
Neste ponto cabe a abertura de um parêntese para salientar que conquanto a medida provisória tenha força de lei, obviamente que não se trata de lei, pois editada pelo poder executivo e não pelo legislativo com obediência do procedimento constitucional do processo legislativo, e, principalmente, porque a força de lei que detém a medida provisória ao ser editada, tanto antes como após a modificação do art. 62 da Constituição Federal, é condicional, pois, se não convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo legal perde sua eficácia desde sua edição. A referência à lei estabelecida no art. 25, do ADCT, evidentemente, se deu quanto à lei no sentido formal e material e de plena eficácia, sendo inadmissível sua substituição por mera medida provisória. E, ainda, sem se questionar aqui os requisitos necessários para a legitimidade das medidas provisórias editadas para a prorrogação do prazo estabelecido no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias.
Após o decurso do prazo estabelecido pelo art. 25, do ADCT, sem edição de lei que regulasse a matéria nela determinada, e por ser inadmissível a substituição da lei expressamente exigida pela Constituição por mera medida provisória, considerando que a lei que inicialmente regulamentou a matéria relativa à prorrogação do prazo (como admitido na norma constitucional), veio a ser editada após o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta dias), já por ocasião de sua promulgação não tinha eficácia para os fins por ela almejados.
E isto porque, decorrido o prazo concedido pelo art. 25, do ADCT, sem edição de lei de prorrogação do prazo, já não havia mais possibilidade de prorrogação daquele prazo e, portanto, a partir de então, somente por lei complementar poderiam ser reguladas as matérias financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações em face do sistema jurídico vigente quanto à regulamentação das disposições constitucionais.
Destarte, desde o decurso do prazo estipulado pelo art. 25 do ADCT (180 dias), não poderia mais, por inconstitucionalidade, a matéria alusiva ao art. 48, XIII, da Constituição Federal, ser regulada por órgão do Poder Executivo, ficando a partir de então a referida matéria sem nenhuma regulamentação específica, cabendo, por isso, a aplicação geral da lei civil aos juros alusivos a contratos relativos às entidades financeiras, não podendo ser os juros regulamentados por quaisquer órgãos do poder executivo. E conforme as leis civis, os juros não podem ser fixados acima do patamar de 12% (doze por cento) ao ano, até que se edite lei complementar que regule a matéria pelo Congresso Nacional, nos termos da supra aludida disposição constitucional (art. 48, XIII, da CF).
De outro lado, é de se lembrar, que em face do entendimento supra, a partir do decurso do prazo do art. 25, do ADCT a Súmula 596 do C. Supremo Tribunal Federal não pode mais ser tida como paradigma para os litígios relativos às operações realizadas por instituições integrantes do sistema financeiro nacional.
Quanto ao entendimento da revogação da competência do Conselho Monetário Nacional alusivo à fixação de juros de conformidade com o disposto no art. 48, XIII, da Constituição Federal, inclusive, já existem julgados de nossos Tribunais.
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*Juiz de direito titular da 7ª Vara Cível da Comarca de Dourados – MS
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