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Não incidência do ICMS nas importações de mercadorias adquiridas por meio de contrato de compra e venda com reserva de domínio

Muito se discute acerca da legalidade da cobrança do ICMS nas operações de importação de mercadorias por meio de contratos de leasing, sob o enfoque de que, se não há transferência de titularidade da mercadoria, já que referido contrato é, na prática, um aluguel com opção de compra ao seu final, não há, conseqüentemente, ocorrência do fato gerador tributável.

16/8/2006


Não incidência do ICMS nas importações de mercadorias adquiridas por meio de contrato de compra e venda com reserva de domínio

 

André Barbosa Angulo*

Muito se discute acerca da legalidade da cobrança do ICMS nas operações de importação de mercadorias por meio de contratos de leasing, sob o enfoque de que, se não há transferência de titularidade da mercadoria, já que referido contrato é, na prática, um aluguel com opção de compra ao seu final, não há, conseqüentemente, ocorrência do fato gerador tributável.

 

Nestes casos, muito embora os Estados procurem cobrar a referida exação com base em suas legislações, a Jurisprudência quase unânime de nossos Tribunais Estaduais e Superiores têm acatado o entendimento esposado, decidindo pela não incidência do ICMS nas importações de mercadorias por meio de contratos de leasing.

 

Porém, uma discussão ainda nova na doutrina e na jurisprudência é quanto a incidência desse mesmo imposto (ICMS) nas importações de mercadorias adquiridas por meio de contrato de compra e venda com reserva de domínio, porquanto referido contrato também não implica na transferência da titularidade do bem, enquanto não quitado o preço.

 

A nosso ver, a não incidência do ICMS nesses casos, assim como nos casos de leasing, é plenamente defensável e já conta, inclusive, com precedente judicial favorável.

                                                              

Com efeito. Como é cediço, o fato gerador do ICMS é a circulação de mercadorias ou sua entrada quando importada do exterior, conforme disposto no artigo 155, II e IX (na redação anterior à EC nº 33/01), ambos da CF/88, in verbis:

 “ARTIGO 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 

(...)

 

II - operação relativa à circulação de mercadorias e sobre prestações de servi-ços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

 

(...)

 

IX -...

 

a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria ou serviço;”.

Portanto, a Constituição Federal, ao mesmo tempo que fixa o fato gerador do ICMS como a “circulação” da mercadoria, determina que sua ocorrência prescinde da mudança da propriedade (titularidade) do bem.

 

Nesse sentido, oportunos os ensinamentos do Mestre GERALDO ATALIBA que dá o significado da palavra circulação, a saber:

“20. Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria muda de titular, circula, para efeitos jurídicos.

 

(...)

 

21. Há circulação, consequentemente, quando ocorre ‘transmissão de titularidade ut dominus’. Há circulação, quando alguém recebe direitos de disponibilidade (poder de dispor) sobre uma mercadoria. Este conceito constitucional (circulação jurídica) é mais amplo do que a simples transferência de domínio, estritamente compreendida pelo Direito Privado.

 

(...)” (in “Revista de Direito Tributário nº 25/26”, Editora RT, pág. 111)                            

Logo, não basta para a  ocorrência do fato gerador do ICMS apenas a entrada física do bem no território nacional; faz se necessária, também, a entrada jurídica, que apenas ocorre com a efetiva transferência de sua titularidade.

 

No caso em estudo, por tratar-se de compra e venda com reserva de domínio, o titular (proprietário) do referido bem (equipamento) é o fabricante-proprietário estrangeiro, detendo o comprador-possuidor que importa a mercadoria, apenas e tão somente, até o final do contrato, mera posse do mesmo e não a sua propriedade definitiva.

 

Neste sentido, o artigo 521, do Código Civil, assim dispõe:

“Artigo 521 – Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.”

Na mesma linha, e para que não pirem quaisquer dúvidas, convém trazer à baila a definição contida na Enciclopédia Saraiva de Direito, que assim esclarece:

“Na venda com reserva de domínio, o alienante, embora tendo transferido ao adquirente a posse da coisa alienada, conserva o domínio sobre a mesma até ser paga a totalidade do preço.”

Assim, como a transferência da titularidade do equipamento importado somente ocorre ao final do contrato, é imperioso concluir que a exigência do ICMS no momento do desembaraço aduaneiro implica em antecipar a ocorrência do fato gerador do tributo, situação esta inadmissível no nosso ordenamento jurídico.

 

Portanto, conforme demonstrado, assim como nos contratos de leasing, o contrato de compra e venda com reserva de domínio não implica na transferência de titularidade da mercadoria antes de seu completo adimplemento, razão pela qual é plenamente cabível impetrar Mandado de Segurança visando assegurar direito líquido e certo de desembaraçar mercadorias importadas e adquiridas por meio de contrato de compra e venda com reserva de domínio sem o recolhimento do ICMS.

 

Importante salientar que, em recentíssima decisão proferida pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, foi concedida medida liminar em Mandado de Segurança assegurando o desembaraço aduaneiro de mercadoria adquirida por meio de contrato de compra e venda com reserva de domínio, sem o recolhimento do ICMS.

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* Advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados









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